• Nenhum resultado encontrado

Na década de 1780, Goya tornou-se membro da Real Academia de San Fernando e passou a frequentar a academia, participando das discussões e do ambiente cultural dos iluministas espanhóis. Ao longo dos anos, no entanto, o artista

desenvolveria uma visão mais crítica, passando de iluminista entusiasmado ao ceticismo com relação à capacidade do homem de agir segundo ideais elevados.

Na Madri dos anos de 1790, havia um vigoroso comércio de estampas impressas pela Calcografia Real. Essas gravuras eram anunciadas no Diario de

Madri, sendo vendidas avulsas ou agrupadas. De um modo geral, mostravam temas

ligeiramente satíricos, como tipos pitorescos, modas ridículas ou cenas sobre atividades e brincadeiras populares. Também eram vendidas cópias de obras de arte, como as realizadas por Goya, tomando por base as pinturas de Velásquez, pertencentes à família real. Portanto, é possível que Goya tenha pensado em recorrer às gravuras como forma de ressarcir-se financeiramente das grandes despesas que teve enquanto esteve doente. Durante e após o adoecimento, Goya ficou impossibilitado por quase um ano de trabalhar para a Real Tapeçaria e para a Família Real.

Hughes (2007), Chabrun (1974) e Helman (1963) acreditam que, no período de convalescença, Goya tenha visto gravuras satíricas inglesas e francesas na casa do iluminista e colecionador de arte Sebastian Martínez, na qual convalesceu por seis meses. Os primeiros desenhos usados em Los Caprichos foram feitos durante o verão de 1796, quando Goya hospedou-se na casa da Duquesa de Alba, em Sanlúcar. Entre os desenhos que compõem o Álbum de Sanlúcar, datado entre 1796 e 1797, havia imagens da duquesa e de outras mulheres em cenas cotidianas: penteando os cabelos, calçando as meias, por exemplo. Segundo Gassier e Wilson (1971), encontramos muitos desenhos preparatórios que serviriam de base para Los

Caprichos entre as imagens do Álbum de Sanlúcar e do Álbum de Madri, feito entre

1797 e 1798, e que foram pensados para uma primeira versão, de 1797, que iria se chamar Sueños.

A principal referência literária espanhola em termos de obras satíricas e morais foram escritas no século XVII, por Francisco de Quevedo, cujos Sueños serviram de inspiração para a primeira versão de Los Caprichos. Da literatura iluminista espanhola, Goya extraiu inspiração para criar gravuras que condenavam os vícios da humanidade e a inadequação da educação infantil.

Segundo Helman (1963, p. 104), é possível relacionar diretamente alguns temas de Los Caprichos com obras literárias de autores contemporâneos de Goya, como as poesias e peças de teatro satíricas de Gaspar Jovellanos, Meléndez Valdés, Leandro Moratín e Ceán Bermúdez. Hughes (2007) acredita que Goya também tenha recorrido às obras do monge beneditino Benito Feijoo que, no final dos anos de 1720, em O Teatro Crítico Universal, analisou o porquê da crença em bruxas ser tão disseminada na Espanha.

Figura 16 – Memorias de la Insigne Academia Asnal, Afinus Medicus, 1792. Fonte: Edith Helman, Trasmundo de Goya, p. 31 (gravuras)

Outra provável fonte de inspiração foi a série de gravuras, publicada em 1792, de Doctor de Ballesteros, chamada Memorias de la Insigne Academia Asnal, que satirizava a ignorância que atingia toda a sociedade espanhola: os nobres, os médicos, os juízes e tantos mais.

Quando começou a elaborar intelectual e formalmente os desenhos, por volta de 1796, a Espanha passava por um período mais liberal que, no entanto, não duraria até que Los Caprichos fosse posto a venda. Em 1797, os iluministas Jovellanos e Francisco Saavedra foram nomeados, respectivamente, Ministro da Graça e da Justiça e Secretário Interino do Estado, em um momento que Manuel de Godoy encontrava-se, temporariamente, afastado do poder. Quando retornou ao poder, em 1798, por influência da rainha Maria Luísa de Parma, mulher do rei Carlos IV, os amigos de Goya foram exonerados. Portanto, em 1799, quando Goya colocou a venda Los Caprichos, já não podia mais contar com a proteção dos amigos. As instabilidades políticas explicam tanto porque Los Caprichos foi feito como porque foi tirado rapidamente de circulação. As gravuras ficaram a venda por apenas catorze dias.

Quando criou as gravuras, o artista não podia prever que seus amigos seriam exonerados. Mesmo acreditando que seria protegido pelos amigos, Goya temia que as gravuras tivessem uma má repercussão entre os membros da nobreza, do clero e da Inquisição e tomou uma série de providências antes da publicação. Evitou colocar as gravuras em sequências lógicas, dispondo-as de maneira aleatória, com a exceção da série dos burros. Misturou deliberadamente realidade e fantasia e acrescentou legendas enigmáticas que, muitas vezes, mais confundiam que ajudavam a compreensão. Por fim, colocou-as a venda por meio de um anúncio de jornal que esclarecia que se havia inspirado no universal, ou seja, que nenhum indivíduo em particular estava sendo representado nas gravuras.

Não se sabe se Goya as colocou a venda em um comércio, embaixo de sua residência, por precaução, ou se nenhum outro local quis vender a série de gravuras. Todas as precauções que tomou não foram suficientes para evitar algum mal-estar, porque as gravuras ficaram a venda por apenas catorze dias, após a data

do anúncio. Vinte e cinco anos depois, em carta a um amigo, confirmou que havia sido denunciado à Inquisição (HUGHES, 2007).

Goya conservou os exemplares que não haviam sido vendidos até 1803 quando, temendo que caíssem na mão da Inquisição, negociou com Carlos IV a entrega das matrizes de cobre e dos exemplares restantes em troca de uma pensão vitalícia para o filho Javier.

Apesar do aparente non sense das imagens, contemporâneos de Goya elaboraram comentários explicativos para a série, que atrelavam as figuras representadas às situações e personalidades da época.