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As pedagogias em movimento na Pedagogia do Movimento Sem Terra

Movimento dos Trabalhadores Sem Terra: percursos identitários

1. CAPÍTULO

2.2. As pedagogias em movimento na Pedagogia do Movimento Sem Terra

A proposta pedagógica do MST está enraizada na coletividade e profundamente marcada pela história dos movimentos sociais do campo. A coletividade está na raiz de sua pedagogia, porque discutida e gestada coletivamente, em relação com outras lutas, como a luta pela terra, que compreende a luta pelo direito ao trabalho, à alimentação, ao bem-estar social, à justiça social, à igualdade de direitos, à difusão e prática de valores humanistas e socialistas, à participação da mulher na sociedade em condições igualitárias, à preservação e recuperação dos recursos naturais e ao emprego e renda (STÉDILE, 1997, p. 44). Todas essas lutas, bem como a luta por uma Educação do Campo, podem ser agrupadas na contínua busca por justiça social que, em palavras atribuídas a João Pedro Stédile, para ser alcançada, são três as cercas a serem derrubadas: a do latifúndio, a do capital e a da ignorância.

Para a derrubada da cerca da ignorância, o processo de formação do MST produziu em seu movimento as suas “matrizes pedagógicas básicas, para construir uma escola preocupada com a formação humana e com o movimento da história” (CALDART, 2004, p. 97). Importa apontar, com a autora, que a “pedagogia que forma novos sujeitos sociais e educa seres humanos não cabe numa escola”. Portanto, o MST compreende a educação como uma tarefa da escola, mas também como um processo de formação que não é exclusivo dela.

As matrizes pedagógicas que orientam o processo educativo dos Sem Terra, entendidas pelo Movimento como norteadoras do processo de formação, são apontadas por Caldart (2004)

interesse coletivo. Característica essa que também orienta a organicidade do Assentamento Conquista na Fronteira, seja ela no coletivo da escola ou do Assentamento.

como a opção em colocar diferentes pedagogias em movimento, ao invés de se filiar a uma delas. Essas pedagogias estão vinculadas a alguns princípios educativos, quais sejam: o trabalho, a práxis social e a história. Articulados, eles compõem a teoria pedagógica em movimento, que nos dá a idéia da Pedagogia do Movimento.

Denominada por alguns como uma pedagogia eclética, a pedagogia do movimento aborda diferentes dimensões da formação em relação ao processo de construção, manutenção e perpetuação da luta por um projeto popular de desenvolvimento do campo e do país. São oito as matrizes pedagógicas, as pedagogias, que compõem a proposta educativa do MST41: Pedagogia da luta social, Pedagogia da organização coletiva, Pedagogia da terra, Pedagogia do trabalho e da produção, Pedagogia da cultura, Pedagogia da escolha, Pedagogia da alternância e Pedagogia da história.

A Pedagogia da luta social nasce da concepção de que “Tudo se conquista na luta e a luta educa as pessoas” (CALDART, 2000, p.209), ou seja, os enfrentamentos, a organização, a vida e o coletivo educam, ensinam. A escola do MST deve tomar a luta como conteúdo de estudo para, a partir da reflexão, fortalecer essa luta através do inconformismo e da indignação frente às injustiças.

A Pedagogia da organização coletiva “A coletividade sem-terra educa à medida que se faz ambiente de produção de uma identidade coletiva processada através e em cada pessoa, ao mesmo tempo que para além dela” (CALDART, 2000, p. 217). Alicerçada na história, essa pedagogia é condição para a criação de raízes, em que os sujeitos necessitam de uma identidade comum para perceber-se parte desse coletivo Sem Terra que tem no futuro o seu objetivo. É uma Pedagogia que transita no tempo, percorre o passado para compreender o presente, justificando sua condição de Sem Terra pela história, e projetando o seu futuro para a luta.

A Pedagogia da terra constitui-se pela compreensão da terra como vida, da relação do ser humano com a terra. Essa Pedagogia se constitui pela necessidade dos Sem Terra construírem outra relação com a Terra, de exploração racional dos recursos naturais como condição de produção e perpetuação da humanidade neste planeta. Há toda uma magia que gira

41 Em Pedagogia do Movimento Sem Terra, Roseli Salete Caldart (2000) aponta cinco pedagogias, mas entendemos que esta última publicação, CALDART (2004) reflete o caráter de movimento na construção e (re)construção das matrizes pedagógicas do MST, acrescentando a Pedagogia da alternância, Pedagogia do trabalho e da produção e Pedagogia da escolha àquelas anteriormente apontadas.

em torno da terra, magia produzida historicamente, que reflete a idéia de terra como mãe, porque gera vida, portanto sagrada. Para os Sem Terra, ela é muito mais que terra, é condição de vida.

A Pedagogia do trabalho e da produção funda-se no trabalho como elemento educativo e formativo, identificando os Sem Terra com a classe trabalhadora. Como pedagogia a relação entre os trabalhadores com o trabalho se reestabelece na tentativa de produzir outros sentidos para o trabalho no campo, mos quais outros valores orientam a relação dos trabalhadores com a terra e a produção.

A Pedagogia da cultura é produzida a partir da valorização do modo de vida dos povos do campo. É uma valorização dos gestos, dos símbolos, da religiosidade, da arte, das relações que são produzidas pelos sujeitos Sem Terra. É a vivência de seus valores, a celebração de seus modos de ser. Essa Pedagogia educa, forma e transforma os sujeitos Sem Terra.

A Pedagogia da escolha é a compreensão de que fazemos escolhas diariamente em nossa existência. As escolhas que fazemos direcionam nossa vida, estão calcadas em valores e por isso somos responsáveis por elas. A escola pode possibilitar o exercício da escolha a partir da reflexão.

A Pedagogia da alternância revela o desejo de não cortar raízes, de possibilitar aos educandos vivenciar a escola, a família e a comunidade. Possibilita a troca de conhecimentos entre o aprendido na escola em relação com a prática na realidade. Está organizada em dois tempos: no tempo escola, as crianças e jovens têm aulas teóricas e, práticas e no tempo comunidade, realizam pesquisas de sua realidade, registram suas experiências e práticas, com o acompanhamento das comunidades.

A Pedagogia da história, uma constante em todas as outras Pedagogias, é apontada como a necessidade de cultivar a memória e de compreender o sentido da história, percebendo- se parte dela, como algo a ser cultivado e produzido.

A história é pensada como uma dimensão significativa do processo educativo de formação dos Sem Terra, em que lhe é atribuído um valor pedagógico que necessita de uma intencionalidade pedagógica para efetivar-se como possibilidade “para pretender algum tipo de transformação” (CALDART, 2000, p. 234).

A memória constitui-se em uma prática do MST que, em sua concepção de história, necessita ser cultivada. “[...] a escola é um lugar muito próprio para recuperar e trabalhar os tesouros do passado. Celebrar, construir e transmitir, especialmente às novas gerações, a memória coletiva, ao mesmo tempo que buscar conhecer mais profundamente a história da humanidade” (CALDART, 2004, p. 115).

A atribuição de um valor pedagógico à história se materializa ao observarmos que o MST a toma como uma matriz pedagógica, portanto, a história é compreendida como educativa e formativa. Como dimensão do processo educativo, pelo seu valor pedagógico, a história possibilita aos Sem Terra a construção de sua identidade, o conhecimento de seu enraizamento histórico nas lutas de outros povos, em outros tempos e outros lugares, pela terra, por justiça social, pelos seus direitos. A intencionalidade pedagógica permite, a partir do conhecimento das ações de homens e mulheres no tempo e do cultivo da memória, perceber-se parte desta história, ou melhor, possibilita compreender a história como sua história. Ao afirmar que “é preciso educar as pessoas para a valorização da história” (CALDART, 2000, p. 235), aponta-se para a compreensão de uma existencialidade das pessoas e do movimento que se dá historicamente. Ou seja, há um movimento histórico em que se dá a luta pela terra, há um passado e um futuro que estão cindidos no presente, nas ações históricas de um determinado grupo, um espaço de experiência e um horizonte de expectativa, para utilizar os conceitos de Koselleck (2006).

O resgate do passado e sua presentificação ocorrem em diferentes momentos de sua formação em que se produz uma identidade do movimento e dos sujeitos Sem Terra. Esse é nosso percurso, compreender como essa identidade é produzida a partir de um espaço de experiência em relação a um horizonte de expectativa, qual identidade é produzida e como a história e a memória são operadas para se tornarem substrato imprescindível na formação desta identidade do movimento, dos homens, das mulheres e das crianças Sem Terra.

3. CAPÍTULO III