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Assentamento “Conquista na Fronteira” 29 : da experiência à expectativa

Movimento dos Trabalhadores Sem Terra: percursos identitários

1. CAPÍTULO

2.1. Assentamento “Conquista na Fronteira” 29 : da experiência à expectativa

Quem são? Algumas dezenas, algumas centenas de proletários que tinham vinte anos por volta de 1830 e que nessa época decidiram, cada um a seu modo, não mais suportar o insuportável. Não exatamente a miséria, os baixos salários, os alojamentos desconfortáveis ou a fome sempre rondando, mas, fundamentalmente, a dor pelo tempo roubado a cada dia trabalhando a madeira e o ferro, costurando roupas ou fazendo sapatos sem outro objetivo senão o de manter indefinidamente as forças da servidão e da dominação; o humilhante absurdo de ter de mendigar, dia após dia, esse trabalho em que se perde a vida; o peso dos outros também, os da oficina com sua gloríola de hércules de cabaré ou sua obsequiosidade de trabalhadores conscienciosos, os de fora, à espera de um lugar que de boa vontade lhes dariam, enfim, os que passam de carruagem e lançam um olhar de desprezo a essa humanidade estigmatizada.

Acabar com isso, saber por que ainda não findou, mudar a vida...(RANCIÈRE, 1988, p. 09).

Ao ler o excerto acima, subtraindo-se a data, talvez pudéssemos assim descrever um significativo número de trabalhadores Sem Terra que hoje compõe o Assentamento Conquista na Fronteira. Homens e mulheres que ainda muito jovens decidiram mudar a vida. Uma decisão que os colocou diante dos olhares daqueles “que passam de carruagem e lançam um olhar de desprezo a essa humanidade estigmatizada”. Nas palavras do assentado Markus30, em depoimento registrado numa publicação do coletivo de educação do MST, a expressão do sentimento dos assentados sobre a relação inicial com a comunidade onde o Assentamento Conquista na Fronteira está situado.

A relação no início acho que foi um dos maiores problemas que nós tinha, porque nós era visto como baderneiros, bagunceiros, afinal nós não era visto com bons olhos. Nós era bicho pra sociedade. Eu lembro que no início era um grupo muito pequeno na cidade de Dionísio que apoiava nós. [...] A discriminação era grande que nós sequer tinha coragem de ir sozinho para a cidade. Sempre tinha que ir dois ou três, porque a própria polícia perseguia, naquela forma de revistar para ver se tinha arma, pedir os documentos [...]. Quando a juventude saiam ia nos baile, a polícia chegava e revistava o pessoal do assentamento (MST, 2000, p. 11).

29 “A escolha do nome “Conquista na Fronteira” tem sua origem na luta dos sem-terra acampados que, por meio da organização e resistência, conquistaram a terra, e também pelo fato de o assentamento ocorrer na região de fronteira (oeste). Cabe assinalar que as famílias, agora assentadas, haviam sido transferidas de Abelardo Luz – SC para Itaiópolis - SC, norte do Estado, mas, em sua maioria, eram da região Oeste. Como os acampamentos eram constantemente transferidos de um local para outro, as pessoas contam que ficavam projetando hipóteses sobre qual região seriam assentadas. E foi na região da fronteira do Estado que os acampados conquistaram a terra” (DALMAGRO, 2002, p. 51).

30 Os sujeitos que contribuíram nessa pesquisa terão seus nomes preservados por uma opção nossa, e, para nominá-los, utilizaremos nomes fictícios. Contudo, ao utilizarmos relatos ou depoimentos publicados com os nomes reais dos sujeitos, manteremos a identificação publicada.

Os olhares discriminatórios talvez tenham sido sublimados, mas permanecem na memória de quem os recebeu, e, apesar deles, ou, ainda, também por causa deles, a opção de mudar a vida se fortalece, nutre-se do desejo de não mais sofrer a dor do tempo roubado, realimentando a servidão e a dominação, mendigando um trabalho em que se perde a vida. A entrada no Movimento Sem Terra marca, então, essa opção, em que possivelmente a fome não seja o único motivo que moveu os sujeitos a colocar-se em luta.

No contexto da redemocratização do país, no estado de Santa Catarina, o MST “teve início em maio de 1980, com a ocupação da fazenda Burro Branco, no município de Campo Erê, por mais de 300 famílias” (FONTANA, 1999, p. 71). A região Oeste de Santa Catarina é ocupada pelo MST em 25 de maio de 1983. No total foram 1 655 famílias que ocuparam áreas em sete diferentes municípios, sendo a segunda maior área ocupada por mil famílias no município Abelardo Luz, mais precisamente as fazendas Papuan e Santa Rosa.

Algumas das famílias que estavam em Abelardo Luz e hoje residem no assentamento “Conquista na Fronteira” foram gradativamente sendo assentadas, mudando de acampamento em acampamento, por um período de três anos e três meses, até que são assentadas em definitivo em 24 de junho de 1988 no município de Dionísio Cerqueira, Santa Catarina.

Em 1985 ocorreram as ocupações do Sul, em Aberlardo Luz e Bandeirantes. Após três anos de acampamento, esse grupo de Itaiópolis – SC – que conhecia a área em que hoje se localiza o assentamento, sabia que era uma área endividada e entram em processo de negociação. Na mesma ocasião, a municipalidade de Dionísio Cerqueira negociou com o Incra e com o MST, já que essa área seria destinada à Reforma Agrária, deveria ser também considerado que os sem-terra do município mereceriam também serem assentados. Decidiu-se então que 35 famílias que estavam acampadas seriam assentadas e que outras 25 famílias seriam das comunidades de Dionísio Cerqueira. Os critérios utilizados para a escolha das 25 famílias foram por indicação das comunidades locais, sendo basicamente dois: ou famílias muito pobres com muitos filhos ou aquelas famílias que não se “enquadravam” nos padrões das comunidades locais (Relato da Comissão de Educação do Assentamento “Conquista na Fronteira” à pesquisadora em 14/06/2005).

As 35 famílias do MST que chegaram à área de assentamento, tendo acumulado um período de três anos de discussão conjunta nos acampamentos, optaram pelo trabalho coletivo31, um processo que possivelmente ainda não tenha se encerrado, qual seja, o da

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Esse processo de discussão e a opção pelo trabalho coletivizado culminaram na fundação da Cooperunião- Cooperativa de Produção Agropecuária União do Oeste Ltda - em 1990. A Cooperunião é criada juntamente com o surgimento das Cooperativas de Produção Agropecuária – CPA – uma proposta de organização da produção do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Poucos são os assentamentos que optam por organizar a produção pelas CPAs, mas muitas são bem sucedidas, e entre elas a Cooperunião, considerada como um modelo de produção cooperativada dentro e fora do MST.

coletivização, mas que é um permanente elemento de reflexão e formação32. As outras 25 famílias, inicialmente, não optaram pela coletividade como forma de produzir e organizar a vida. Muitas foram embora, mas doze permaneceram e se integraram ao trabalho das famílias oriundas de acampamentos do MST. Aquelas que foram embora foram substituídas por outras das comunidades próximas e posteriormente por famílias de acampamentos do MST.

Apesar de existirem dois grupos no assentamento, o horizonte maior sempre foi formar um único coletivo em toda a área. A idéia de unificação surgiu em 1991 num curso de formação integrada que aconteceu no assentamento (MST, 2000, p. 09).

Na palavra dos assentados, atualmente não existe nenhum resquício dessa separação inicial do grupo, e observa-se que o processo de coletivização da produção e da vida cultural e social desse grupo se capilarizou por todas as instâncias desta comunidade33.

Na atualidade o Assentamento está organizado a partir de uma Cooperativa, a Cooperunião. Essa cooperativa coordena todo o processo produtivo do Assentamento. Ela é composta por todos os assentados que trabalham,34 e sua produção é organizada em setores. São eles: frango, peixe, erva-mate e reflorestamento, leite e grãos. O Assentamento é totalmente auto-sustentável, ou seja, tudo o que é necessário é produzido no local. A Cooperativa dispõe ainda de um frigorífico para a industrialização do frango, máquinas

32 Na literatura e também no senso comum, muito se fala da dificuldade dos agricultores em trabalhar coletivamente, principalmente diante de algumas práticas tradicionais que fazem parte da cultura de alguns grupos, como é o caso dos agricultores familiares. Esses, em suas propriedades costumam ter algumas galinhas, sua horta e alguma cabeça de gado leiteiro que auxiliam o orçamento mensal com a venda desses produtos. Ao iniciar nossa pesquisa de campo no assentamento, um dos assentados que nos apresentou toda a área e a organização produtiva do assentamento, em 2005, nos informava que tudo era coletivizado, mas que as famílias ainda possuíam algumas vacas de leite. O objetivo da Cooperativa era conseguir superar essa prática individualista e manter apenas a produção leiteira coletivizada. Em 2006, no dia do aniversário do assentamento, em conversas informais, soubemos que essa prática não mais acontecia, pois haviam alcançado a coletivização de todas as atividades do assentamento. É importante ressaltar que esse processo demorou 18 anos para acontecer, o que nos impele a refletir sobre o cuidado que este grupo alimenta nas decisões que toma.

33 Mesmo não sendo esse nosso objeto de estudo, mas tendo esse contexto como campo de pesquisa, preocupa-nos compreender como na sociedade contemporânea subsistem coletivos e como eles podem ser compreendidos pelos pesquisadores.

34 Os assentados começam a trabalhar com remuneração por hora trabalhada a partir dos 12 anos de idade. Contudo, dos 12 aos 14 anos, é permitido somente o trabalho máximo de 4 horas diárias. Até os 14 anos, toda a criança tem sua educação custeada pela cooperativa, desde material escolar até o acompanhamento pedagógico dos estudos pela comissão de educação do assentamento. Esse acompanhamento e custeio são mantidos pela cooperativa após os 14 anos, se o jovem optar por realizar um curso oferecido pelo MST em parceria com outras entidades, ou ainda, quando opta por um curso em que há necessidade e interesse da cooperativa, como, por exemplo, agronomia etc. Perguntamos ao Senhor João como procedia a cooperativa na substituição de alguma família que desejasse sair da cooperativa. Explicou-nos que, no assentamento, quando alguma família sai, ela recebe uma cota pela participação na cooperativa e quando outra família entra, sempre proveniente de outro assentamento ou acampamento do MST lhe cabe a adesão à cooperativa de 520 horas de trabalho. A terra não é propriedade de nenhum assentado e nem da cooperativa, pois se enquadra na lei de concessão.

agrícolas, transporte e uma fábrica de rações. A pastagem para os animais é cultivada pelos assentados, bem como verduras, frutas e grãos para o sustento das famílias. O trabalho é desenvolvido por sete equipes, entre as quais os assentados são divididos. São elas: 1) gado leiteiro; 2)apicultura, piscicultura, aves e suínos; 3) produção de grãos (milho, soja, máquinas agrícolas, oficina, secador, armazém e indústria de ração); 4) frigorífico; 5) subsistência (produção de alimentos – 25 produtos diferentes por ano – ciranda infantil); 6) pomar (erva – mate – reflorestamento e lenha); 7) construções. A remuneração do trabalho é feita pela Cooperativa por horas trabalhadas no mês.

A instância máxima da Cooperativa é a assembléia. Dela participam todas as pessoas que trabalham. Há um conselho fiscal, responsável pela fiscalização de todo o andamento da cooperativa. A direção coletiva é composta por cinco pessoas, oriundas do Conselho diretor e do Conselho social e político, composto por nove pessoas. O Conselho diretor agrega o setor de finanças, o setor de comercialização e pesquisa, setor de produção e setor de controle de custos dos produtos. O setor de produção é composto por oito pessoas, coordenadores das equipes de trabalho acima mencionadas e o responsável pelo setor de produção, que administram a mão-de-obra. Além dessa organização produtiva, compõem também o Assentamento as comissões de Educação, Saúde preventiva e Esporte e Lazer. Os núcleos de base que compõem o Assentamento, por onde passam todas as discussões e decisões que necessitam ser tomadas em assembléia, são formados por dez famílias, agrupadas por proximidade territorial.

A organização do Assentamento segue orientações do MST, mas, de maneira alguma, ele pode ser considerado uma estrutura rígida. Tais orientações garantem a organicidade do movimento, qual seja, todos devem participar das discussões e decisões tomadas. Os espaços de discussão são garantidos pelos núcleos de base. Com efeito, essa estrutura pode ser observada em todos os acampamentos do MST e é seguida em muitos assentamentos. Os núcleos de base, as equipes de trabalho e as comissões desempenham papel fundamental nessa organicidade, pois nos parece que ele possibilita aos sujeitos serem atores do processo, em que todos são elementos imprescindíveis para que as ações aconteçam35. Com base na sua

35 Essa organicidade do Movimento Sem Terra que conhecemos no Assentamento Conquista na Fronteira também vivenciamos no Curso de Pedagogia para Educadores do Campo, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Francisco Beltrão, no qual atuamos como docente e também na Escola Cooperativa Construindo o Caminho, situada no Assentamento em que realizamos essa pesquisa. A organicidade do Assentamento é

organicidade formam um grupo social, uma comunidade e, ao convivermos com esse grupo por algum tempo, pudemos observar que há uma relação íntima entre indivíduos e sociedade, aqui entendida como esse grupo social, em que o nós parece prevalecer sobre o eu.

Ao nos debruçarmos sobre a relação indivíduo e sociedade, como instâncias deste determinado grupo social, encontramos em Elias (1994) uma reflexão de como se produziu historicamente a concepção de indivíduo e de sociedade, que, como nos indica o autor, pode pressupor a predominância de um sobre o outro, mas como produção histórica é uma construção de uma forma de olhar para as duas instâncias em relação ou não.

No desejo de compreender a relação indivíduo e coletividade que se estabelece nesse grupo social, e mais, como ele se mantém como coletividade por tanto tempo, buscamos a questão que norteia a obra “A sociedade dos indivíduos”, de autoria de Norbert Elias, para indicar por quais caminhos desejamos dirigir nosso olhar. Como diz o autor:

O que nos falta – [...] – são modelos conceituais e uma visão global mediante os quais possamos tornar compreensível, no pensamento, aquilo que vivenciamos diariamente na realidade, mediante os quais possamos compreender de que modo um grande número de indivíduos compõe entre si algo maior e diferente de uma coleção de indivíduos isolados; como é que eles formam uma “sociedade” e como sucede a essa sociedade poder modificar-se de maneiras específicas, ter uma história que segue um curso não pretendido ou planejado por qualquer dos indivíduos que a compõem (ELIAS, 1994, p. 16).

Aproximar-se de indicativos que nos permitam compreender como esse grupo se forma, como ele se organiza e segue em coletivo é o que intentamos compreender, sem contudo pretender construir qualquer modelo de análise, mas apenas ensaiar uma aproximação do que é essa coletividade e quais são as práticas sociais, culturais e econômicas que a viabilizam na contemporaneidade.

Com efeito, numa época em que o individualismo, como um dos princípios orientadores do liberalismo, se ramifica em várias práticas sociais que nos colocam diante de situações de barbárie, da negação do outro, da intolerância, da indiferença diante do sofrimento do outro humano, deparar-se com um grupo que opta pela produção da vida coletivamente é, no mínimo, desafiador, para quem deseja compreender como é possível que, na sociedade contemporânea e complexa, subsistam formas coletivas de existência.

reproduzida na escola, e são as crianças os atores do processo, com a intermediação da professora, sempre que houver necessidade.

Para Elias (1994, p. 17), “só pode haver uma vida comunitária mais livre de perturbações e tensões se todos os indivíduos dentro dela gozarem de satisfação suficiente; e só pode haver uma existência individual mais satisfatória se a estrutura social pertinente for mais livre de tensão, perturbação e conflito”. Nessa afirmação, parece que ou prevalece uma instância ou a outra. Segundo o autor, são nessas discrepâncias que podemos buscar as razões correspondentes em nosso pensamento. Essa indicação já nos permite antecipar que a relação indivíduo e sociedade, com a preponderância de um sobre o outro, é uma produção histórica, uma vez que originada em nosso pensamento, nesse caso ocidental.

Ao abordar a individuação no processo social, Elias (1994) retoma a questão de que com a transferência de funções, como proteção e controle de grupos menores para Estados maiores, a coesão dos grupos se rompe. Esse rompimento é produzido à medida que os indivíduos necessitam mais e mais se haver com suas vidas, tendo menos necessidade de se adaptar à vida de pequenos grupos. “Dependem menos deles no tocante à proteção física, ao sustento, ao emprego, à proteção de bens herdados ou adquiridos, ou à ajuda, orientação e tomada de decisão” (ELIAS, 1994, p. 102).

Ora, nesse processo de individuação que a sociedade contemporânea vivencia, ao mesmo tempo em que nos situamos distantes do controle e da dependência, “perdemo-nos”, queremos dizer, ficamos encapsulados e isolados como indivíduos. Ao contrário do que possa parecer somos levados a nos “fecharmos”, controlando nossos afetos e relações. Elias (1994) compreende esse processo como um processo civilizador.

A lacuna e o conflito entre os impulsos mais espontâneos que cerceiam a ação imediata, sentidos pelas pessoas altamente individualizadas desse estágio de civilização, são por elas projetados em seu mundo. Muitas vezes, aparecem em suas reflexões teóricas como um vazio existencial entre um ser humano e outro, ou como o eterno choque entre indivíduo e sociedade (ELIAS, 1994, p. 103).

Podemos inferir que esse processo de individuação, longe de nos libertar, aprisionou- nos dentro de nós mesmos, distanciando-nos das relações com o outro, que passaram a ser compreendidas a partir de um determinado momento histórico, como controle, como disciplinarização. Mas será que elas eram mais controladoras do que o que experienciamos agora, distantes dos grupos sociais menores, mais coletivizados? Que liberdades temos?

Segundo Elias (1994, p. 108), “nas comunidades mais primitivas e unidas, o fator mais importante do controle do comportamento individual é a presença constante dos outros, o saber-se ligado a eles pela vida inteira e, não menos importante, o medo direto dos outros”.

Compreendemos que a presença dos outros também propicia aos sujeitos um encontro com o outro, em que há uma relação de segurança, em que as pessoas não se sentem mais sozinhas, desprotegidas da fome e do frio, mas vinculam sua existência ao grupo social a partir de uma necessidade de sobrevivência, mas também de convivência, de pertencimento e de identificação, diante de uma sociedade em que não encontraram um lugar para projetarem-se como sujeitos portadores de uma identidade.

Maffesoli (1996), ao discutir a dicotomia que a modernidade estabelece entre a razão e o imaginário, desafia-nos a pensar sobre um modo de conhecimento que integre a razão e a sensibilidade, para que seja possível ao pesquisador compreender o “sólido vitalismo social que, mesmo através das mais duras condições de vida, não deixa de se afirmar, mesmo que seja na forma da duplicidade” (MAFFESOLI, 1996, p. 11). Possivelmente, o que ele nomeia como a ética do estar-junto, a socialidade. E é na perspectiva de pensar a sensibilidade como elemento constituinte dos grupos sociais que talvez encontremos muitas outras formas de socialidade que desconhecemos, ou, então, que estão sendo reiventadas nas circunstâncias vividas pelos sujeitos, mas que os mantêm juntos, próximos, vivendo outra forma de solidariedade, não contratual, que se “elabora a partir de um processo complexo feito de atrações, de repulsões, de emoções e de paixões” (MAFFESOLI, 1996, p. 15).

O sociólogo ainda nos convida a pensar se “o desengajamento político, a saturação dos grandes ideais, a fraqueza de uma moral universal” não poderiam nos levar a uma outra opção de vida. Com efeito, observemos a multiplicidade de pessoas e grupos sociais que, diante de muitas desilusões sofridas em relação aos seus ideais que não encontram mais ressonância na sociedade atual, bem como de uma espécie de cansaço e impotência vivida com as injustiças sociais, com a violência, com a impunidade etc., optam por outras formas de vida, diferentes, mais próximas da natureza, distantes dos grandes centros, em vilarejos ou comunidades mais afastadas. Ações que demonstram que outra cultura está nascendo, que há um desejo de estar- junto, de relacionar-se com o outro, de pertencer, uma nova ética, como expressa Maffesoli (1996, p. 16).

Essa possibilidade de olhar para o grupo em estudo, desejando também considerar o campo da sensibilidade como elemento constituinte e movente, parece-nos ser extremamente significativa para compreender sua constituição, a sua arte de viver, como diria Maffesoli (1996).

Arte de viver em que “cada um, para existir, conta-se uma história” (MAFFESOLI,