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CAPÍTULO II – DEMOCRACIA E ESCOLA NO BRASIL

2.2 AS POLÍTICAS DE REFORMA DA EDUCAÇÃO NOS ANOS 1990

Sob o véu da universalização do ensino e da garantia de sua qualidade, as políticas públicas predominantes de reforma da educação nos anos 1990 não foram fruto de pressão popular, mas, ao contrário, sofreram protestos em contrário. Num período em que as crises econômicas são uma constante que atestam uma desigualdade social cada vez mais aguda no País, organismos internacionais de financiamento como BIRD13 e BID14, na tarefa de consolidar o neoliberalismo como política econômica na América Latina, colocam a educação como uma variável fundamental para a redução da desigualdade e da pobreza, sugerindo que investimentos em capital humano poderiam contribuir para a redução da pobreza e, assim, elevar os patamares de desenvolvimento de um país (FIGUEIREDO, 2006). Assim, ao atender as recomendações de tais organismos para a obtenção de empréstimos financeiros, em especial do Banco Mundial, que indicavam que o desenvolvimento da educação de um país nos marcos da globalização deveria seguir um só caminho, o Estado redesenha o papel da educação pública no País.

Sob o argumento de envolver a comunidade, maximizar a eficiência e obter resultados palpáveis, o Banco propõe que a administração dos recursos da educação seja descentralizada, isto é, que os fundos sejam administrados o mais diretamente possível pelas instituições escolares, ao invés do controle pelo governo. Mais do que isso, sugere que a responsabilidade por arrecadar recursos deve ser compartilhada com a comunidade local, relativizando a responsabilidade do estado em garantir o financiamento à educação. (SILVA et al., 2007, p. 16)

As políticas públicas de educação no País passam, então, a conciliar as demandas populares conquistadas nos anos 1980 – apenas formalmente –, às demandas da economia global que chegam na onda do neoliberalismo dos anos 1990 – estas, sim, atendidas com presteza pelos governos. Em suma, o funcionamento dos mecanismos de gestão democrática nas escolas passa a ser desconsiderado pelo poder público, enquanto as novas propostas neoliberais de mercadorização da educação passam a ser o carro-chefe da política pública educacional no País.

13 Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento, instituição financeira do Banco Mundial que proporciona empréstimos e assistência para o desenvolvimento a países de rendas médias com bons antecedentes de crédito.

14 Banco Interamericano de Desenvolvimento: “O BID é a principal fonte de financiamento multilateral e de conhecimentos para o desenvolvimento econômico, social e institucional sustentável na América Latina e no Caribe.” (Sitio: http://www.iadb.org/pt/sobre-o-bid/quem-somos,5996.html#.UlQPndKkpNs, acessado em 08/10/2013, às 11h00).

Será a partir da Conferência Educação para Todos, realizada em 1990, na Tailândia, que o Brasil assinará o Plano Nacional Educação para Todos, e elaborará suas políticas públicas estrategicamente a partir de concepções privadas de mercado, diminuindo a responsabilidade do Estado sobre o direito à educação, responsabilizando as escolas e redes de ensino pela produção de resultados, e promovendo a descentralização dos recursos aos sistemas e unidades escolares.15 Porém, se as reformas educacionais priorizaram a descentralização de recursos, nos anos 1990, e a democratização das gestões escolares nos anos 1980, a mesma autonomia não foi concedida às escolas quanto à “definição de diretrizes e com a avaliação para o sistema educacional, [o que] revela a manutenção do controle sobre o sistema educacional.” (OLIVEIRA, 2000, p. 78) pelo Estado, que define o que será avaliado e mantém seu poder de indutor sobre o conjunto do sistema educacional, sem ter que se preocupar com eventuais ônus de insucessos na gestão pública, engendrando uma estratégia perversa de culpabilização das vítimas – professores, gestores e alunos – pelo fracasso da educação no País.

Segundo Silva (1996), “o presente assalto neoliberal ao social, em geral, e à educação, em particular, se apoia numa série de importantes estratégias retóricas” (idem, p. 119), seriam elas: o deslocamento das causas – das relações de poder e da desigualdade para o gerenciamento eficiente e eficaz dos recursos; a culpabilização das vítimas; a despolitização e naturalização do social; a demonização do público e a santificação do privado; o apagamento da memória e da história; a recontextualização, em que o léxico e as categorias das lutas democráticas passam a ser seletivamente recicladas e reincorporadas, após terem seu conteúdo devidamente higienizado (SILVA, 1996, p. 1996). O autor entende que o projeto neoliberal engendrado no País na década de 1990 criou um “espaço em que se torne impossível pensar o econômico, o político, o social fora das categorias que justificam o arranjo social capitalista” (SILVA, 1994, p. 255), colocando à margem noções como as de igualdade e justiça social, tão caras aos princípios da gestão escolar democrática, e promovendo noções como as de produtividade, eficiência e qualidade, como sendo condições para o acesso a uma suposta modernidade (idem). Assim, as reformas educacionais empreendidas no período pautam-se por diversas estratégias que visam a uma nova governabilidade da educação pública (KRAWCZYK, 2002), em função de interesses

15 Diversos programas foram criados nesse sentido, como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e Valorização do Magistério (FUNDEF); o Programa Dinheiro Direto na Escola; o Programa Merenda Escolar; e o Programa Escola Jovem. Segundo Zanardini,“Em todos esses programas está presente uma premissa

fundamental de gestão que se quer implementar: a redução dos custos empreendidos pelo Estado” (2006, p. 133).

mercadológicos.

Tendo o Estado recontextualizado os termos progressistas das pautas de luta pela qualidade do ensino e democratização da escola dos anos 1980, dando sentidos muito (im)próprios a esses conceitos no contexto das reformas neoliberais dos anos 1990, a luta contra o projeto hegemônico de educação desloca-se da Gestão Democrática para o campo da Avaliação, onde agora o Estado cumpre papel regulador, centralizador e de indução de resultados. Conferindo uma dimensão de cálculo estratégico que levariam a tais deslocamentos, Saes (2006, p. 51) pontua:

Sendo politicamente difícil a supressão do princípio da participação popular ali onde ele foi legalmente reconhecido por obra da pressão popular, a classe capitalista e a alta burguesia estatal procuram, em momento posterior à sua instauração, deturpar, confinar ou corromper a aplicação de tal princípio. Embora tenha se verificado que, durante os anos 1990, as políticas educacionais de viés participacionista em muitos casos fracassaram no objetivo de melhorar a qualidade do ensino e de transformar a escola em uma instituição mais democrática, seja pelo “boicote” estatal ou da classe capitalista, como analisa Saes (2006), pode-se compreender tal processo a partir da análise da própria instituição escolar, que manteve seu modelo predominante de ensino não obstante o reordenamento legal dos processos de gestão.

Ghanem (2004) aponta diversos estudos que buscaram compreender o fracasso das políticas participacionistas, e que apontam várias determinantes, indo desde a resistência da burocracia estatal e de seus prepostos à redistribuição do poder que detêm, às barreiras para a ação coletiva devido à heterogeneidade dos integrantes da comunidade que compõe a escola (Avancine apud GHANEM, 2004). O autor, porém, aposta que o responsável maior pelo fracasso na democratização da escola talvez não tenha sido o caráter das políticas implementadas, mas, antes, a concomitante manutenção de um modelo predominante de educação escolar. Enquanto a gestão escolar estava aberta à participação dos sujeitos, o modelo de escola continuava a ser o de uma agência especializada em transmitir saberes considerados legítimos e indispensáveis a todos, ainda que sejam em grande parte alheios às necessidades mais importantes dos diferentes grupos sociais que agora a compõem (GHANEM, 2004, P. 16) – o que vale para todos os níveis de ensino.

Dessa forma, as dificuldades que a escola tem encontrado para administrar as relações entre o mundo interior e o mundo exterior, ou seja, entre o mundo escolar e o mundo juvenil, refletem as dificuldades que os jovens, principalmente das classes populares, encontram para

construir sua experiência e sua integração subjetiva numa escola que mantém formas seculares num contexto social inteiramente diverso, o que traz a necessidade de transformar profundamente as regras, os métodos e os objetivos dessa escola massificada (DUBET, 1994; SPOSITO, 2005).