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CAPÍTULO III – CAMPO, CONTEXTO E ATORES

4.1 UMA PRIMEIRA IMAGEM DA ESCOLA

4.1.3 Relação com o saber e a concretude dos planos

Todos os jovens entrevistados fazem alguma expectativa positiva em relação ao futuro. Porém, alguns demonstram ter maior clareza e segurança em relação aos seus planos, principalmente aqueles que visualizam uma trajetória segura rumo ao ensino técnico e superior. Nota-se uma relação interessante entre os jovens que, quando perguntados sobre o

que gostam e o que não gostam de fazer na escola respondem afirmando seu gosto pelos estudos e pelas atividades de aula, pois os mesmos também apresentam respostas firmes em relação a suas pretensões em cursar o ensino médio. Assim, podemos caracterizar esse grupo, de apenas quatro jovens (Raquel, Carolina, Ana e Diana), pela relação positiva que mantém com o saber, e a capacidade de estabelecerem uma relação coerente entre seus desejos e seus projetos. Ainda que tenham feito planos que não podem ser assegurados pela simples qualificação escolar, no contexto de crise social e de mudanças constantes na esfera produtiva35, essas jovens se destacaram dos demais pela coerência quando falam que gostam de estudar e que têm planos de continuar estudando, e pela segurança com que apresentaram seus planos de cursar o ensino técnico ou superior.

O que eu mais gosto de fazer são as aulas, por incrível que pareça, eu gosto!

[...]

Sim, porque acho importante e eu pretendo fazer faculdade. Ou psicologia ou direito. (...) Pretendo tentar COTUCA e ETECAP, Ensino Médio e Técnico. (Raquel, 14)

Nossa, eu gosto de fazer tudo, até lição! (...) Tem uma professora, que ela dá aula dinâmica, mesmo sendo dentro da sala. Não é só eu, mas todo mundo na minha sala acha ótimo isso. (...) e não fica só naquilo de livro, caderno, livro, caderno, lousa. Acho que muda.

[...]

Aham, com certeza, porque eu quero entrar numa faculdade. (Carolina, 13)

Um segundo grupo de cinco jovens (Paulo, Paula, Emília, Luisa e Francisco) também apresentou propostas concretas para o prosseguimento dos estudos após o Ensino Fundamental, mencionando ensino técnico e superior após o Ensino Médio. Porém, esses jovens se dividiram entre aqueles para quem os estudos não figuram nas falas sobre o que gostam e o que não gostam de fazer na escola (Paulo, Paula e Emília) e aqueles que relataram dificuldades com as atividades em sala de aula quanto a essa pergunta (Luisa e Francisco). Ainda que não tenham demonstrado grande apreço pelos estudos, os jovens falaram da

35 Corrochano (2001) demonstra, por exemplo, que a qualificação não é vista como o critério mais importante para a manutenção no emprego, para jovens operários da região do ABC. Inicialmente, os jovens entendem que a escolarização é o fator mais importante para encontrar um bom emprego, porém, a permanência nesse emprego, segundo mais de 80% dos jovens investigados, seria muito mais condicionada por fatores como assiduidade, bom comportamento e a qualidade do próprio trabalho. Inclusive, segundo afirmam Sposito e Galvão (2004, p. 373-374), os próprios educadores já reconhecem que o discurso da escolarização do presente como sentido que será constatado no futuro, a partir de uma recompensa prometida, “já não é suficiente para mobilizar

questão como um desafio, o que demonstra certa capacidade em lidar com os problemas do presente sem usa-los como limitadores de seus desejos em relação ao futuro:

Eu não gosto de copiar lição da lousa. Pra mim, estar ali sentada e copiando é a parte mais difícil. Eu escuto bastante, sei matéria, mas estar ali copiando é a parte que mais dificulta pra mim. (...) eu to copiando e, do nada, me disperso, e acabo parando de copiar.

[...]

Sim, porque acho que vai ser importante pra mim. Porque eu quero fazer uma faculdade. Eu queria fazer uma faculdade no exterior, Administração de Empresas. (Luisa, 14).

Deixa eu ver... Lição de ciências. Ciências e matemática, que eu tenho um pouquinho de dificuldade, mas to conseguindo me ajeitar um pouco.

[...]

Pretendo fazer Ensino Médio, Faculdade... Mas, por enquanto, eu não sei do quê. [Por quê o Ensino Médio?] Bom, pra tá aprendendo mais, pra conseguir uma boa qualidade de ensino, mais informações, e também mais informações pra tentar conseguir um bom emprego, uma boa vida. (Francisco, 14)

Se as atividades de aula são vividas com dificuldade, vale ressaltar que, muitas vezes, os jovens encontram em seus pares o apoio para encarar tais desafios, como fica explícito na fala da jovem Luisa, a respeito do apoio que sua amiga lhe dá durante as aulas:

Hoje, é minha melhor amiga. Tá sempre fazendo com que eu faça lição. Copiar, pra mim, não é meu forte copiar lição. Daí tem as boas e as ruins, como sempre. Elas estão sempre em cima: “não vai fazer a lição? Copia a lição, garota!” (Luisa, 14)

Outro grupo de jovens apresenta preocupações diferentes em relação ao futuro. Não menos coerentes, porém, com uma coerência preocupante, esses jovens reconhecem que não gostam das atividades de estudo propriamente ditas (aulas, lições, cópias, leituras), e tampouco projetam uma continuidade dos estudos com alguma concretude. Todos, como já dito anteriormente, afirmam que pretendem fazer o Ensino Médio. Porém, esse grupo apresenta a peculiaridade de não elaborar seus planos com a concretude daqueles já mencionados no item anterior. Enquanto aqueles determinam qual curso superior farão após o Ensino Médio, onde e por que, o presente grupo de seis jovens (Jussara, Tiago, Anderson, Priscila, Roberta e Kathleen, todos do Renato Urbano) responde, sem grandes ambições, que irão fazer o Ensino Médio porque é preciso, para que tenham um futuro

melhor, para que consigam arrumar algum emprego. Ainda que os outros jovens também tenham mencionado tais abstrações mais genéricas que relacionam qualidade de vida ao grau de escolarização, há uma diferença fulcral que diz respeito à possibilidade de terem pensado numa faculdade logo quando perguntados sobre o Ensino Médio. O presente grupo, ao contrário, não vislumbra a continuidade dos estudos para além do Ensino Médio, enxergando na educação básica algo suficiente para a conquista de um posto de trabalho satisfatório, ou mesmo de uma abstrata “condição de vida melhor”.

Sim. Ah, sei lá, eu pretendo ter um futuro melhor, mais pra frente, sei lá, alguma coisa assim... (Jussara, 15)

Pretendo, porque eu acho que sem o estudo, ninguém vai pra frente. (Kathleen, 14)

Pretendo, pra ter um futuro melhor... No presente... (Anderson, 14) Pretendo. Ah, acho que... Até pra ser gari precisa do segundo ano. Então, se a gente quer ser alguma coisa na vida, precisa estudar. (Priscila, 13)

Aqui, a escolarização, que já deixou de representar garantia de inserção profissional e mesmo social no contexto brasileiro, aparece como condição mínima para dar início à busca por uma vida melhor, uma vida diferente do presente, por um trabalho menos precário do que o trabalho dos pais e assim por diante. Esses jovens demonstram saber que a escolarização é apenas um passo entre muitos para esse futuro menos penoso, mas desconhecem os obstáculos posteriores que teriam de vencer para continuar nessa luta.