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CAPÍTULO II – DEMOCRACIA E ESCOLA NO BRASIL

2.4 AVALIAÇÃO: ENTRE A COMPETIÇÃO E A PARTICIPAÇÃO

No contexto de crise e mutação da instituição escolar (DUBET, 2006), mais especificamente a partir do início da década de 1990, irá emergir um amplo movimento de ênfase em instrumentos de avaliação de sistemas e redes de ensino, a partir de uma ótica gerencial dos processos educativos, ocupando papel central nas políticas públicas de educação nacionais e estaduais, sob a justificativa de que tais instrumentos poderiam “produzir” um ensino de melhor qualidade (SOUZA e OLIVEIRA, 2010). Tal processo reflete um movimento internacional, de organizações governamentais e não governamentais que iniciaram processos de avaliação de aprendizagem em dezenas de países, envolvendo milhares de escolas e estudantes19, promovendo a partir de seus resultados um ranqueamento entre os diversos países, estimulando a competição e influenciando no desenvolvimento de suas políticas de educação (FERNANDES, 2007). Assim, Souza e Oliveira (2003) observam que tal generalização dos sistemas de avaliação em larga escala traz consigo a generalização de uma visão de mundo que, sob a hegemonia do pensamento neoliberal, se disseminou para todas as esferas da atividade humana, trazendo procedimentos e valores típicos do capitalismo competitivo para o interior da gestão dos sistemas e das instituições educacionais, colocando a educação numa posição de quase-mercado: “A alternativa encontrada foi a de introduzir concepções de gestão privada nas instituições públicas sem alterar a propriedade das mesmas” (2003, p. 876), sob a justificativa de que as pressões geradas pela competição suscitariam processos e recursos em favor da qualidade do ensino.

Os autores ainda sustentam que a competição entre as unidades federativas, estimulada pelas políticas de avaliação de nível nacional, teria transferido a competitividade para seus respectivos sistemas estaduais de avaliação de redes de ensino, promovendo a competição entre as unidades escolares por meio de prêmios e punições, e produzindo ranqueamentos cada vez mais excludentes e segregadores.

Na esteira de tais políticas de avaliação, de cunho meritocrático, está a Lei Complementar n.º 1078 de 2008, que institui a Bonificação por Resultados na rede estadual de ensino de São Paulo. Tal proposta, segundo Martins (2009), se articula a partir da

19 Os sistemas internacionais de avaliação mais expressivos são o Programme for International Student Assessment (PISA), da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), e o Third International Mathematics ans Science Study (TIMSS) da International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA). (FERNANDES, 2007)

concepção de que a educação é uma mercadoria, e que a mesma lógica que rege o mundo produtivo capitalista deve ser aceita como articuladora dos processos de ensino- aprendizagem. Ainda segundo o autor, esta concepção tem orientado as políticas públicas para a educação há tempos, em nível nacional, estadual e municipal, deturpando o direito universal e constitucional à educação.

Porém, às margens dos sistemas hegemônicos de avaliação educacional em curso, Souza e Oliveira (2010), em pesquisa acerca dos usos, resultados, implicações e tendências dos sistemas estaduais de avaliação de cinco unidades federadas, constataram que, apesar da força de tais políticas de avaliação associadas a rankings e incentivos financeiros, há iniciativas na contramão desse processo que merecem atenção: “Um dos movimentos que parece promissor é o de tentar articular a avaliação externa à autoavaliação, com a perspectiva de focalizar não apenas a escola, mas todas as instâncias do sistema no processo avaliativo” (2010, p. 818). Entre os casos analisados, destacam-se os sistemas de avaliação dos estados do Ceará e do Paraná, que buscaram implementar processos de autoavaliação institucional em seus sistemas, “com base na compreensão de que tal sistemática teria poder, entre outras atribuições, de gerar envolvimento e compromisso de todos com a melhoria da qualidade da educação” (idem, p. 809); iniciativa que sugere um caráter mais autorregulado e participado dos processos de avaliação escolares.

Assim, entende-se que a temática das políticas de viés participacionista no campo da educação, se faz presente no corpo das iniciativas que buscam construir processos de avaliação institucional participados como alternativas ao distanciado modelo de avaliação hegemônico, e que visam proporcionar, segundo seus princípios constitutivos, a participação de alunos e demais atores envolvidos no processo escolar, em espaços de relações mais horizontalizadas, de construção e reflexão coletiva da escola.

Muito se tem falado a respeito do desenvolvimento de políticas de avaliação institucional participativas e de seus impactos nas comunidades escolares (FREITAS et al., 2009; RIBEIRO e GUSMÃO, 2011; SORDI e SOUZA, 2009; BETINI, 2009; DALBEN, 2008; PEREIRA, 2012); porém, as pesquisas que lançam análise sobre a participação nessas esferas trabalham prioritariamente com os grupos de professores, gestores e famílias de estudantes, deixando os estudantes de fora da análise20, sequer questionando sua condição juvenil. Ainda, segundo Sposito et al. (2009), verificou-se que dos trabalhos que tratam da relação do jovem com a escola, nenhum deles abordou a questão da participação em um

mecanismo de avaliação institucional participativa.

Sordi e Souza (2009), em publicação que visa reunir referências para o trabalho de Avaliação Institucional Participativa (AIP) realizado nas escolas da rede municipal de Ensino Fundamental de Campinas, contam com apenas um artigo destinado a discutir a importância da participação estudantil no referido processo de avaliação – e que constitui um trabalho de discussão teórica, sob a ótica dos processos de ensino-aprendizagem nos quais estariam implicados os estudantes nesta AIP. Em Freitas e colaboradores (2009), no que se refere à avaliação institucional, os processos participativos são vistos como uma possibilidade e um dever do coletivo da escola em assumir o compromisso social que sua posição implica; assim, ainda que o capítulo sobre o tema termine atribuindo a categoria de sujeito ao aluno como “a verdadeira figura central da escola”, a inserção do mesmo nos espaços de negociação está condicionada a um princípio inegociável que o coloca na posição de criança21. Em Dalben (2008), um estudo de caso qualitativo traz uma rica análise da participação dos sujeitos escolares nas CPAs em escolas de Campinas, mas deixa de fora da análise a participação dos estudantes e seus familiares, focando apenas na participação dos professores e gestores.

Outras experiências de avaliação participativa apontam em seus resultados para a capacidade das comunidades escolares de se envolverem com as diversas atividades da escola. Em estudo realizado sobre a ação das escolas na detecção de problemas e propostas de solução com base no uso dos Indicadores de Qualidade na Educação (Indique), instrumento participativo de avaliação e planejamento, Ribeiro e Gusmão (2011) afirmam que as comunidades escolares detêm conhecimentos que podem contribuir para a solução de parte de seus problemas, sabendo identificar os diversos problemas relacionados ao processo de ensino e aprendizagem, além de elaborarem propostas de ação para a transformação de suas realidades. No entanto, ao tratar dos atores escolares como sujeitos dotados de capacidade para observar e propor mudanças, as autoras não trazem análises sobre a experiência de participação juvenil nesses espaços. Assim, a partir de uma análise preliminar dos estudos sobre a participação nos mecanismos institucionais de avaliação, observa-se que o jovem estudante tem sido interpretado sobretudo pela categoria de aluno, como ator passivo das políticas de avaliação, participativas ou não, no que diz respeito ao seu desempenho escolar.

21 “Se defendemos espaços de negociação na construção deste pacto de qualidade, há princípios que consideramos inegociáveis na sua formulação. Temos de ser intransigentes com relação ao direito das crianças ao aprendizado.” (FREITAS et al., 2009, p. 38 – grifos do autor).