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A população brasileira, segundo o Censo 2010, chegou a 190.732.694 de habitantes. Os números mostram que a urbanização da sociedade brasileira continua avançando: em 1960, a população urbana representava 44,7% da população total; em 2000, chegou-se à marca dos 81%; e, em 2010, 84% dos brasileiros viviam em áreas urbanas. No Estado de São Paulo é onde se concentra a maior parte da população urbana com 39.552.234 habitantes, que representa 95,88% da população total do Estado (IBGE/CENSO, 1960, 2000, 2010).

O processo rápido e intenso de urbanização no Brasil deu seus primeiros sinais já no final do século XIX, mas tem o seu auge durante o período de industrialização do país. Contudo, essas mudanças não se deram de forma espontânea. Uma série de políticas públicas setoriais desvinculadas entre si - apesar da criação de alguns mecanismos de coordenação -, foi elaborada sem considerar o impacto que teria sobre o território nacional e sobre o espaço intraurbano.

Políticas de incentivo à modernização da agricultura, de expansão da oferta de infraestrutura e serviços urbanos nas cidades, de desenvolvimento industrial, com destaque à indústria automobilística que vai afetar a mobilidade nas cidades, a alteração da política tributária, diminuindo o orçamento de estados e municípios, entre outras, impulsionaram o processo de urbanização, promoveram profundas modificações na configuração do espaço nacional e agravaram os problemas urbanos (BERNARDES, 1986).

A urbanização da sociedade brasileira se processou dentro de um modelo de desenvolvimento excludente, mesmo durante o período de acelerada expansão da economia brasileira, conhecido como milagre econômico. A partir da década de 1980, há uma severa diminuição dos recursos públicos disponíveis para investimento nas mais diversas áreas. E toda essa conjuntura explicitou a forma como as cidades retratam e reproduzem as injustiças e desigualdades sociais.

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A produção do espaço urbano nos grandes centros e, posteriormente, nas cidades de pequeno e médio porte, seguiu um determinado padrão de configuração, do qual Schvasberg (2011, p.23) destaca alguns traços gerais: a existência de um espraiamento horizontal com dispersão do tecido urbano especialmente na forma de parcelamentos precários, sem infraestrutura e irregulares do ponto de vista da legislação de uso do solo, quase sempre na lógica especulativa de transformação da terra rural em urbana, e se constituindo praticamente em única alternativa à população de menor renda; o esvaziamento dos centros em decadência, ou sendo objeto de desejo de revitalizações na lógica exclusiva de mercado, ou de operações urbanas maquiadoras, que simulam uma urbanidade segura para consumidores inseguros com a violência urbana; a sedução das classes médias e altas pelo modo de vida em condomínios fechados, em nome da segurança, amplificando a segregação socioespacial; a presença de vazios urbanos infraestruturados, cuja função social na lógica do Estatuto da Cidade não é cumprida; e mais recentemente, a construção de shoppings, centros financeiros e administrativos com edificações blindadas, preferencialmente localizados de forma isolada do tecido urbano. Esse padrão de configuração do espaço urbano pode ser encontrado, conforme observamos, em São José do Rio Preto-SP - Município que é objeto de estudo do presente trabalho.

Muitas vezes, essas formas de produção do espaço, assim como diversos problemas urbanos, são tidas como consequência da falta de planejamento e de políticas públicas, sendo que na verdade estão diretamente ligadas à implementação de planos e políticas públicas.

Em que se baseiam os mecanismos de alocação de investimentos públicos e de distribuição da riqueza produzida? Eles estimulam ou reduzem as desigualdades? Estudos apontam que as vantagens do processo de urbanização e do desenvolvimento econômico são distribuídas desigualmente pela população e que a exclusão territorial está fortemente relacionada à concentração de renda e poder, pois enquanto os 10% mais ricos detêm 75% da riqueza nacional, um em cada três brasileiros das cidades não tem condições dignas de moradia (PNAD, 2007).

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O déficit habitacional1 estimado em 20072 era de 6,273 milhões de

domicílios, enquanto encontra-se quase na mesma proporção o número de imóveis vagos, pois, segundo o Censo de 2010, existiam cerca de 6,1 milhões de domicílios vagos. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2007, mais de 84% das unidades vagas no país estariam em condições de serem ocupadas e poderiam constituir-se, basicamente, em estoque do mercado imobiliário, sendo que mais de 73% delas estavam localizadas em áreas urbanas. Em relação aos domicílios urbanos que não dispunham de um ou mais serviços de infraestrutura (água, esgoto, coleta de lixo ou rede elétrica), o número encontrado foi por volta de 10,5 milhões. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, quase 90% do déficit habitacional se concentra na população com faixa de renda de até três salários mínimos (PNAD, 2007).

A desigualdade socioespacial está relacionada à propriedade da terra, às formas de produção de bens e serviços, aos interesses do mercado imobiliário, às normas de parcelamento, uso e ocupação do solo, à definição da localização da implantação de equipamentos coletivos e da construção de infraestrutura urbana, à apropriação privada dos benefícios de rendas geradas pela intervenção pública, ou seja, grande medida, essa desigualdade é induzida pelas próprias políticas públicas elaboradas em diferentes níveis de governo, por meio de planos, programas e investimentos. De acordo com Ávila:

Mesmo considerando que o rápido processo de urbanização brasileiro foi promovido, basicamente por contingentes populacionais de baixa renda, as políticas públicas de planejamento urbano e habitacional foram incapazes de promover a produção de moradias apropriadas em tipo, quantidade e localização para essa população ou de criar

1 Déficit habitacional pode ser entendido como “déficit por reposição do estoque”, que se refere aos domicílios rústicos, aos quais deveria ser acrescida parcela devida à depreciação dos domicílios, e como “déficit por incremento de estoque” que contempla os domicílios improvisados, parte da coabitação familiar, domicílios alugados fortemente adensados e nos casos de ônus excessivo com aluguel.

2 A partir de 2007, foi alterada a metodologia de cálculo do déficit habitacional, em consideração a alguns questionamentos que apontavam a necessidade de detalhar melhor o problema da coabitação e da inadequação de moradia, pois a falta deste detalhamento poderia estar levando a números superestimados. Porém, essas mudanças trazem dificuldades para a comparação dos dados ao longo dos anos.

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condições para facilitar o seu acesso ao mercado habitacional formal. (ÁVILA, 2010, p.819)

No caso de São José do Rio Preto o intenso investimento público em infraestrutura, habitação e na modernização da administração municipal foi exatamente o que induziu a migração, a valorização da terra, a segregação urbana e a ocupação ilegal na área rural do Município.

Oficialmente, no Brasil, existiram duas Políticas Nacionais de Desenvolvimento Urbano, elaboradas em dois momentos bastante distintos. A primeira, concebida de forma centralizadora e com enfoque desenvolvimentista, durante o governo militar, foi elaborada na década de 1970, sendo inicialmente incorporada ao II Plano Nacional de Desenvolvimento, em 1975, e posteriormente instituída por meio de uma Resolução Ministerial vinculada ao III PND. A segunda Política Nacional de Desenvolvimento Urbano já foi definida sob um governo democrático, em moldes participativos e seguindo os princípios da reforma urbana, na década de 2000, durante a 1ª. Conferência Nacional das Cidades (2003). A Política Nacional de Desenvolvimento Urbano - PNDU (2004) tem como princípios o atendimento universal de habitação, saneamento ambiental, mobilidade urbana.

Na década de 1980, o país passa pela redemocratização, os movimentos urbanos se organizam em torno do ideário da Reforma Urbana, reivindicando a função social da cidade e da propriedade urbana, inclusive conquistando a inclusão de parte de suas propostas em um capítulo da Política Urbana na Constituição Federal de 1988, nos artigos 182 e 183. Entretanto, o embate de concepções entre a cidade mercadoria e a função social da cidade posterga a regulamentação da Política Urbana constitucional até o ano de 2001, quando é aprovado o Estatuto da Cidade, o qual carrega em seu conteúdo as contradições desse conflito. Apesar dos avanços institucionais tem para o capital a primazia do valor de troca.

Se por um lado, consolida a noção da função social e ambiental da propriedade e da cidade, aponta processos político-jurídicos para a gestão

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democrática das cidades, regulamenta e cria novos instrumentos urbanísticos, e propõe diversos instrumentos jurídicos para a regularização fundiária de assentamentos informais em áreas urbanas. Por outro, remete a aplicação desses instrumentos ao conteúdo do Plano Diretor Municipal, reafirmando o que estava previsto na constituição federal e amarrando a um instrumento urbanístico desacreditado após a intensa produção de Planos Diretores Integrados do período SERFHAU (1964-1974).

Além da aprovação do Estatuto, a década de 2000 inicia-se com a oficialização do direito social de moradia, por meio da Emenda Constitucional nº 26, que está relacionada à assinatura do Brasil da Agenda Habitat II – Stambul, 1996 – art. 6. Há uma série de avanços no plano do direito urbanístico e, também, no plano institucional, oferecendo suporte às políticas públicas de desenvolvimento urbano, habitação, mobilidade e saneamento, por meio da criação do Ministério das Cidades, da PNDU de 2004, do conselho das cidades. E, ainda, ao longo da década, ocorre um incremento significativo no volume de recursos disponíveis para essas áreas.

Contudo nas três últimas décadas, houve uma remodelação do papel do Estado, inclusive no que diz respeito à condução do desenvolvimento urbano e ao controle da expansão da cidade. O Poder Público “transferiu” grande parte das decisões referentes às intervenções urbanas para a iniciativa privada, e, dessa forma, praticamente, abriu mão de ser o principal gestor do espaço público. O ideário neoliberal que orientou o ajuste das políticas econômicas, subordinadas às novas exigências do processo de acumulação, acarretou, em nível local, a desregulamentação, a fragmentação e deu ao mercado poder absoluto sobre a produção, o consumo e a apropriação do espaço urbano (HARVEY, 2005).

A situação de precariedade e segregação espacial das cidades brasileiras foi produzida ao longo de sua história, mas agravou-se diante de um quadro de grandes transformações como a mundialização e a financeirização da economia, a reestruturação produtiva, a flexibilização e a precarização das relações de trabalho,

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a presença de novas forças e novos atores se apoderando do espaço urbano, num ambiente político-intelectual hostil às políticas redistributivas.

Apesar da elaboração de planos, normas e políticas públicas que tratam da organização do espaço urbano e do seu desenvolvimento, o que se consolida amplamente nas cidades brasileiras é um modelo de ocupação constituído, em grande parte, por meio de processos informais de acesso ao solo urbano e à moradia, com características desfavoráveis à perspectiva de urbanidade e de justiça social. Falcão destaca que:

Quem tentar conhecer o direito de propriedade no Brasil, através do Código Civil, dificilmente o conhecerá. Quem tentar conhecer a questão habitacional urbana, através de programas do Banco Nacional de Habitação, também dificilmente a conhecerá. Ambos, o Código Civil e os programas oficiais, fornecem apenas visão parcial da realidade. A mais difundida, formalizada, institucionalizada, escrita, precisa e monetarizada, é verdade. Nem por isso, a mais praticada pela sociedade brasileira. (FALCÃO, 2008, p.9)

E nesse sentido, Maria Adélia de Souza define a distinção entre a “política urbana de fato” e a chamada “política urbana de direito”. A primeira seria representada por ações e investimentos que se concretizam nas cidades e que ultrapassa o conteúdo e a forma definidos pela política pública oficial e institucionalizada, já a segunda, seria representada pelas ações, normas, diretrizes, programas e projetos tornados explícitos (SOUZA, 2004, p.116).

Considerando que a “política urbana de fato”, representada por ações e investimentos que se concretizam nas cidades, ultrapassa o conteúdo definido pela política pública oficial e institucionalizada, a chamada “política urbana de direito”, representada pelas ações, normas, diretrizes, programas e projetos tornados explícitos (SOUZA, 2004, p.116), o principal objetivo do presente trabalho é analisar

as contradições e as convergências, no discurso e na prática, identificando as mudanças e permanências ocorridas na política urbana, verificando os seus efeitos na produção e configuração do espaço urbano, além de evidenciar o papel dessa política

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na segregação socioespacial e a impossibilidade da participação democrática na gestão urbana – destacando em especial o que ocorre em São José do Rio Preto/SP.

Procurou-se também entender as mudanças, permanências, limitações e contradições contidas na Lei Federal 10.257 de 2001 e no Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável, aprovado em 2006, analisando seu conteúdo e avaliando as possíveis modificações no acesso à terra urbanizada principalmente por parte das camadas mais pobres da população. Analisar as demais legislações municipais referentes ao parcelamento do solo e à regularização fundiária nos níveis federal, estadual e municipal, verificado a presença da população na participação das diversas etapas da gestão urbana democrática. Além disso, foi necessário entender de que forma as mudanças macroeconômicas, sociais e políticas das últimas décadas influenciaram as mudanças na condução do Planejamento Urbano municipal, aprofundar as análises sobre a terra mercadoria, a ação de diferentes agentes que produzem o espaço, o Estado, dando maior ênfase ao Poder Público Municipal, a política pública urbana e a desigualdade socioespacial.

Buscamos responder algumas questões sobre o papel do atual Plano Diretor: O que o Plano Diretor traz de novo? Como está sendo implementado? Quais instrumentos estão sendo aplicados? Estão limitando a especulação imobiliária ou estimulando? Como foi a participação da sociedade civil, do legislativo, executivo e dos empresários? Houve alguma alteração na forma e na locação dos investimentos públicos? Quais leis complementares foram aprovados e quais ainda estão sem nenhuma definição? Houve alguma mudança na produção e no controle de novos parcelamentos clandestinos no Município?

Além de outras questões que são colocadas em discussão como: diante das limitações de ordem externa e interna, qual a viabilidade de uma Política Urbana de fato seguir os preceitos de justiça social? Como enfrentar o mercado imobiliário altamente especulativo e excludente, garantindo o direito à moradia digna e à cidade como direito? Como implementar a função social da propriedade e

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garantir a gestão democrática com a participação efetiva da população contra os interesses da valorização imobiliária?