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CAPÍTULO 1 – ANTECEDENTES HISTÓRICOS

1.3 São José do Rio Preto: antecedentes históricos

1.3.1 Primeiras iniciativas para o ordenamento da cidade

Na cidade, as primeiras iniciativas de organização do espaço datam de 1859 e 1879, e consistiam em um simples ordenamento das primeiras vias, próximas ao largo central, definidas por uma rígida configuração geométrica, em

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que as vias estariam sempre dispostas em linhas retas e cruzamentos em ângulos retos, opção que era favorecida pela topografia levemente ondulada. Em 1890, inicia-se a primeira expansão da cidade além do córrego Borá, em direção ao atual bairro da Boa Vista.

O engenheiro italiano foi contratado em 1894 para fazer o primeiro levantamento urbanístico com a elaboração dos respectivos mapas, incluindo o registro cadastral dos lotes e suas metragens, com a indicação dos valores do aforamento e os nomes dos foreiros. Considerado por alguns como um exemplo de “planejamento urbano moderno” (BRANDI, 2012, p.190), em seu plano Ugolino apontava a necessidade de criar áreas públicas e áreas verdes para uso da população, porém as administrações posteriores não executaram integralmente a sua proposta.

Em 1912, a cidade transformou-se em ponto terminal do transporte ferroviário para o escoamento da produção agrícola local e de alguns pequenos Municípios vizinhos. Esse fato favorece a atração de um número significativo de imigrantes, e por volta de 1915, já havia registro da existência de déficit habitacional na cidade. Segundo Bueno (2003, apud LIMA, 1926, p.259), mesmo considerando o crescente número de aprovações para novas construções, havia muitos casos de coabitação, estimou-se que seria necessária a construção, em três anos, de mais de 400 casas, só para acomodar os recém-chegados.

Mas é a partir de 1920 que se inicia efetivamente a urbanização. A principal atividade econômica passa a ser o comércio, proporcionando a expansão urbana e a transformação da cidade em sede da região, garantindo uma situação sólida de sua economia para o enfrentamento da crise de 1929, somando perdas relativamente pequenas.

Em 1920, é criada a Associação Comercial, Industrial e Agrária de Rio Preto – ACIA. A fundação desta entidade tinha como objetivo defender os interesses do comércio e promover o progresso econômico do Município, apoiando a lavoura,

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que ainda era forte e a indústria que dava seus primeiros passos. A ACIA34 terá um

papel fundamental nos rumos do desenvolvimento da cidade. Arantes e Parise descrevem sua atuação da seguinte forma:

Uma entidade de caráter privado que iria participar, opinar, discutir, decidir e vivenciar todas as etapas do desenvolvimento econômico de São José do Rio Preto. Em algumas ocasiões, essa entidade atuaria de maneira tão forte e presente que chegaria a substituir o poder político (ARANTES; PARISE, 2000, p.23).

Segundo Teodózio (2008, p.33), a atuação dos membros da ACIA remetia a uma roupagem coronelista. Eram pessoas que, graças à sua situação econômica, gozavam da confiança do seu círculo social e podiam dirigir um grupo como profissão acessória. Os “coronéis urbanos” mantinham um apoio incondicional ao Governo Estadual e representavam os interesses regionais e da oligarquia.

Na década de 1920, são criados os primeiros estabelecimentos de crédito, e assim como os novos meios de circulação ajudaram as antigas bocas do sertão e ajudaram a reforçar as atividades que lhes permitiram firmar e estender sua influência (MONBEIG, 1984). A partir de 1936, a economia local é alavancada pela produção de algodão na região. Nesse período, é instalada na cidade a Companhia Swift do Brasil e várias algodoeiras, que são impulsionadas pela ascensão da indústria têxtil na capital e também pelo aumento na exportação. Dão-se, então, os primeiros sinais da industrialização da cidade, e a Administração Municipal, com o objetivo de atrair novas indústrias, passa a promover a isenção de impostos e a doação de terrenos. Entretanto, tais iniciativas não foram suficientes para que ocorresse uma expansão industrial significativa (TEODÓZIO, 2008).

Além de constituir um pequeno centro industrial e um mercado, a capital regional pioneira exercia outras funções que a fortaleciam e multiplicavam a atração de moradores da região, como é o caso de suas funções administrativas, por meio da

34 Fundada em 1920, tem sua denominação alterada, em 1982, para Associação Comercial e Industrial de Rio Preto – ACIRP.

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concentração de serviços públicos, da complexidade da máquina burocrática, e da oferta de serviços de educação e de saúde (MONBEIG, 1984).

Segundo Bueno (2003, p.40), na década de 1940, surgem novas classes no meio urbano e rural, com “evidente importância dos pequenos sitiantes como clientela para os negócios e para o desenvolvimento urbano”, e identifica-se a “emergência de uma classe média rural que sustentará o poder econômico urbano”.

Formou-se nesse período entre fazendeiros, comerciantes e profissionais liberais, a classe dominante econômica e política, que atuou fortemente sobre o poder executivo e poder legislativo municipal, desde então compondo uma classe conservadora ligada ao governo estadual (nas primeiras décadas da república) e com o governo federal (no período militar). (TEODÓZIO, 2008, p.16)

O polo regional no desempenho de seu papel passa a atrair “a atenção e os interesses da especulação imobiliária na sua própria construção física”, e posteriormente, quando sua influência estiver solidamente consolidada, “uma parte do excedente vai se dirigir para alimentar o seu processo de crescimento e expansão física, é o outro momento de especulação” (BUENO, 2003, p. 38).

Na década de 1950, o Município de São José do Rio Preto foi favorecido pelo transporte rodoviário - por meio da implantação da rodovia Washington Luis (SP-310), que faz a ligação com São Paulo, e da rodovia Transbrasiliana (BR -153), que segue em direção à região Centro-Oeste – e, graças às políticas desenvolvimentistas dos governos estadual e federal, presenciou com maior intensidade a expansão urbana e o desenvolvimento econômico.

A economia da cidade se estabeleceu basicamente sobre a prestação de serviços e abastecimento do comércio, tornando-se um centro dinâmico da economia regional, atraindo a população da região por meio da concentração da oferta de empregos, o que acarretou uma ampliação na demanda por infraestrutura física e a valorização da terra urbana (TEODÓZIO, 2008). O fluxo migratório campo- cidade, acelerando o crescimento populacional na cidade, juntamente a uma cultura

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“fortemente influenciada pela especulação imobiliária em seu processo de colonização”, impulsionaram um “vigoroso processo de loteamento da terra urbana” (BUENO, 2003, p.41).

Em decorrência desse processo, surge a defesa, por parte da imprensa e da Câmara Municipal, da elaboração de um plano urbanístico para a ordenação do território. Desde 1948, várias notícias foram veiculadas nos jornais locais, assim como foram registradas em atas da Câmara, afirmando a vinda de profissionais renomados que faziam parte do corpo técnico da Prefeitura de São Paulo, como Carlos Lodi e Luis Carlos Berrini, e também Prestes Maia35, ex-prefeito de São

Paulo. Em um dos trechos publicados no Jornal A Notícia36, dizia que a partir da

elaboração de tal plano: “uma vez feito, Rio Preto se desenvolverá, doravante, harmoniosamente e em conformidade com os lineamentos traçados pela ciência e técnica urbanística desses jovens engenheiros” (TEODÓZIO, 2008, p.45).

Em São Paulo, o zoneamento foi muitíssimo influenciado pelo zoning americano, contudo, um grupo de profissionais37, funcionários municipais, introduz

uma série de ideias e práticas baseadas nos trabalhos desenvolvidos por Anhaia Mello, Prestes Maia e Padre Lebret (FELDMAN, 2005).

Até aquele momento, entretanto, nenhuma daquelas informações se concretizou. Apenas três anos depois, foi contratado o arquiteto Luiz Saya para este elaborasse o primeiro Plano de Urbanização da cidade, quando também foi realizado o primeiro levantamento aerofotogramétrico. O plano foi entregue em 1952, porém não foi nem ao menos votado pela Câmara Municipal, e por fim, foi engavetado.

E, assim como o primeiro traçado urbano, também a primeira lei de zoneamento da cidade foi elaborada fora da administração municipal, por meio de consultoria externa. Em 1956, o engenheiro e urbanista Heitor José Eiras Garcia,

35 Jornal A Notícia, 09/06/1948. 36 Jornal A Notícia, 11/07/1948.

37 Entre 1947 e 1961, um grupo de engenheiros municipais assume, alternadamente, o cargo de direção do Departamento de Urbanismo: Henrique Neves Lefèvre, Carlos Brasil Lodi, Carlos Alberto Gomes Cadim Filho, Rogério de Andrade Filho e Heitor Eiras Garcia (FELDMAN, 2005).

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funcionário do Departamento de Urbanismo da Prefeitura Municipal de São Paulo, foi convidado pelo prefeito para elaborar o Plano Viário e o Zoneamento.

A ideia de que as referências e os modelos externos são símbolos de uma modernidade a ser atingida, e que os profissionais de "fora" são mais competentes, é recorrente no urbanismo brasileiro, mas principalmente, na cultura local. Em documento38 enviado à Câmara, o prefeito dizia que a lei de zoneamento iria

“harmonizar a cidade” tal como vinham fazendo os “países civilizados”, e justificava a opção por um profissional externo dizendo que o executivo “não poderia enfrentar os graves problemas que assoberbavam o Município, pelos nulos conhecimentos que temos de urbanização ou engenharia”, contudo, o projeto de lei elaborado por Eiras Garcia foi primeiramente submetido à avaliação da Associação de Engenheiros de Rio Preto, a qual apresentou uma série de emendas acarretando nova redação do PL (TEODÓZIO, 2008, p.69). Na exposição de motivos da Lei Municipal nº 535 de 1958, os dimensionamentos utilizados não eram nem de cidades brasileiras, como mostra o seguinte trecho:

No plano de Londres foi estabelecido o critério de fazer corresponder a cada habitante 16m2 de espaço livre. [...] Nos Estados Unidos a

porcentagem adotada de espaços livres em relação à área total da soma residencial é de 13,8%. No plano de Detroit foi estudada a distribuição dos espaços de tal forma... [...] Na Rússia a cada habitante corresponde 60m2 de espaço livre. (Lei nº 535/58, fls 46)

No relatório sobre os “Estudos da Urbanização da Cidade”39, apresentado

por Eiras Garcia, apontava-se uma série de problemas, como: a falta de espaços livres, a falta de legislação de controle urbano e de regulamentação específica para edificações, dimensões inadequada de quadras e lotes, a abertura de novos arruamentos e a venda dos respectivos lotes sem nenhum melhoramento público, falta de preocupação por parte dos profissionais com a qualidade dos projetos das novas áreas, e, principalmente, a especulação imobiliária que tomava “vulto desviando capitais de outras atividades que maiores benefícios trariam à cidade”.

38 Ofício nº 699, de 16 de novembro de 1957.

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Dessa forma, a lei tinha como objetivos principais: seguir o modelo urbanístico adotado nas grandes cidades do mundo, promover a industrialização, dar início ao processo de elaboração do Plano Diretor, e principalmente, conforme colocado por Bueno (1979), organizar e “conter em níveis civilizados a especulação imobiliária”. Contudo, a dinâmica verificada entre loteadores, a Câmara Municipal e a Administração Municipal no que se refere à qualidade da expansão urbana e ao controle da especulação imobiliária não se alterou.

No plano urbanístico de Eiras Garcia, foi traçada a ocupação das margens dos córregos Canela e Borá, com a implantação de avenidas de fundo de vale, denominadas Bady Bassit e Alberto Andaló40. Os trechos de ambos os córregos

foram canalizados e retificados, quadra a quadra, sem preservar nenhuma área de margem.

Figura 2 - Imagens da implantação da Avenida Alberto Andaló

Fonte: LODI, 2009a41 e 2009b42.

40 Inicialmente, era chamada Avenida Duque de Caxias, e recebeu a nova denominação após a morte do prefeito Alberto Andaló, idealizador da sua canalização.

41 Diário da Região, 18 de janeiro de 2009. 42 Diário da Região, 10 de maio de 2009.

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Os proprietários cederam parte de seus terrenos para a implantação das avenidas, aproveitando a valorização dos fundos de lote que passaram a ser frentes para as novas avenidas. Inicialmente, estritamente residencial, a Avenida Alberto Andaló terá seu perfil modificado, nas décadas de 70 e 80, tornando a principal avenida da cidade, onde atualmente concentram-se prédios de escritórios, agências bancárias, comércio, bares e restaurantes e o paço municipal (LODI, 2009).

Na definição do perímetro urbano, com algumas exceções, não restaram áreas disponíveis para novos loteamentos dentro da Área Urbana, ficando disponível para a abertura de novos arruamentos, praticamente, apenas a Área Agrícola. A Lei Municipal n° 535/1958 determinava que para os novos arruamentos com finalidade urbana localizados na zona rural seriam exigidas uma série de obrigações por parte do loteador (Art. 35):

c) Os arruamentos R1 na Zona Agrícola A serão dotados dos seguintes melhoramentos públicos, a serem executados às expensas do arruador, sob fiscalização da Prefeitura:

c1) pavimentação adequada das ruas.

c2) abastecimento de água potável a todos os lotes e necessária rede distribuidora.

c3) iluminação domiciliar em todos os lotes e pública em 20% das ruas, pelo menos, determinada esta porcentagem sobre a extensão total das ruas projetadas.

c4) rede de esgotos em todo o arruamento.

c5) galerias de águas pluviais em ruas com menos de 0,5% ou mais de 7% de declividade.

Todos os melhoramentos referidos serão executados pelo arruador, às suas expensas, de acordo com as normas técnicas julgadas adequadas pelos poderes públicos municipais competentes.

No entanto, a lei nada mencionava sobre as exigências aos novos arruamentos dentro da zona urbana. E por isso, tanto o legislativo quanto o executivo consideravam que a área contida no perímetro urbano estariam isentas das determinações mínimas. Nesse período, foram frequentes as aprovações de expansão do perímetro urbano para implantação de novos loteamentos desprovidos de qualquer serviço de infraestrutura, pavimentação asfáltica, áreas públicas

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mínimas e equipamentos públicos. Em 1965, foi aprovada uma lei43 que exigia

elementos de coleta de águas pluviais e as mesmas áreas públicas para a área urbana, mas, em 1969, com a justificativa de que “estava sendo impossível ao loteador atender a exigência das construções de guias e sarjetas”, tal exigência é revogada44 (BUENO, 1979 e 2003).