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As Políticas Públicas para o Folclore a Cultura Popular

No documento O samba de roda na gira do patrimônio (páginas 72-76)

Um dos alicerces para a conformação do campo do patrimônio imaterial no Brasil encontra-se, também, no movimento folclórico e, conseqüentemente, nas instituições criadas para contemplá-lo. A partir de 1945 surgiram vários esforços no sentido de trazer à esfera federal os estudos de folclore e ações conseqüentes. Entre eles podemos citar a criação da Comissão Nacional do Folclore (CNF), a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB) e o Instituto Nacional do Folclore (INF)45

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Os estudos de folclore no Brasil datam a partir de 1870, iniciados pela geração intelectual de Sílvio Romero, considerado o pai fundador destes estudos (cf. Cavalcanti, 1992). É digno de nota que Afonso Celso, autor de Porque me ufano de meu país, tenha antecedido Romero nos estudos de folclore, no entanto, como produziu pouco devido a sua morte prematura não é considerado parte deste histórico.

. A intervenção no campo das políticas públicas de cultura, promovidas principalmente por

75 esta última entidade, hoje denominada Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, contribuíram para a consolidação da política para o patrimônio imaterial no Brasil.

O “Movimento Folclórico”, integrado por intelectuais como Édison Carneiro, Renato Almeida e Manuel Diegues Júnior, embora tenha sido relegado a um lugar secundário no pensamento social brasileiro, foi bastante ativo na conformação de uma reflexão sobre o Brasil e no tratamento direcionado ao segmento da cultura não contemplado pelas políticas patrimoniais da época. Os motivos da marginalização dos estudos de folclore podem ser explicados por duas razões: o conflito metodológico com a recém-criada ciências sociais e dificuldades de institucionalização perante o poder estatal (Vilhena, 1997).

O “fato folclórico”, definido no I Congresso Brasileiro de Folclore, em 1955, foi uma tentativa de tornar autônomo o estudo de folclore e assim alcançar o

status de ciência em conformidade com a emergente ciências sociais. Por fato folclórico

definiu-se:

As maneiras de pensar, sentir e agir de um povo, preservadas pela tradição popular e pela imitação, e que não sejam diretamente influenciadas pelos círculos eruditos e instituições que se dedicam ou à renovação e conservação do patrimônio científico e artístico humano (I CBF, 1955: 41 apud Vilhena, 1997: 140)

Desta forma, há um claro posicionamento dos folcloristas em relação ao grupo do SPHAN. Enquanto aqueles se dedicariam aos aspectos eruditos da cultura brasileira, estes se encarregariam das raízes populares. Tais raízes foram identificadas no produto resultante do encontro das “três raças” que são tomadas como originárias da sociedade brasileira. Assim, a cultura popular e o folclore seriam as manifestações sincréticas geradas pela miscigenação entre o branco, o índio e o negro, favorecendo a formação de uma nação peculiar.

O papel dos folcloristas, enquanto promotores de ações federais, era o de promover a proteção das nossas “tradições populares”. Por exemplo, a Comissão Nacional de Folclore, de 1947, que mobilizou a implantação de várias Comissões Estaduais, visava “ações locais em torno da pesquisa e da defesa do folclore” (Vilhena,

76 1997:33). Assim, por meio da criação de museus, produção de exposições, levantamento de manifestações folclóricas nos estados, realização de festivais folclóricos, seminários, cursos, ciclos de conferências e elaboração de documentários audiovisuais e sonoros, dentre outras diversas atividades (Mendonça, 2008), os folcloristas visavam defender o folclore da extinção que se apresentava patente com a modernidade.

Porém, a gestão dos anos 1980 do Instituto Nacional do Folclore46, por Lélia Coelho Frota, modificou conceitualmente a orientação dos trabalhos desenvolvidos até então e deu uma guinada na atuação da entidade.47

Sob o comando de Lélia Coelho Frota foram então desenvolvidos programas e projetos que tinham por objetivo conhecer, documentar, valorizar e preservar as manifestações culturais populares, conjuntamente com o desenvolvimento de ações específicas para a melhoria da qualidade de vida das comunidades beneficiadas (Relatórios INF, 183 e 1984 apud Mendonça, 2008).

A diretora implementou novos projetos e incorporou novos profissionais, principalmente antropólogos. Passou a tratar o folclore sob à luz da antropologia cultural, onde o foco não eram mais as manifestações folclóricas per se, mas os saberes e fazeres do brasileiro. Isto é, abarcou- se também a categoria de cultura popular, mantendo o folclore como uma de suas partes integrantes (Mendonça, 2008). Isto modificou a postura trazida pelos folcloristas de “missão abnegada de salvacionismo” para uma conduta profissionalizada de antropólogos (Lima, 2008; Carvalho, 1992 apud Mendonça, 2008).

Porém, com o desmonte promovido pelo governo Collor na área cultural, o INF, vinculado a Fundação Nacional de Artes (Funarte), foi extinto juntamente com várias outras vinculadas e o próprio Ministério da Cultura. No entanto, os funcionários imbuídos do caráter de resistência de seus antecessores folcloristas, mantiveram-se pressionando o governo e não permitiram o soterramento do Instituto. No final de 1990 foi criado o Instituto Brasileiro de Arte e Cultura, que trouxe de volta a Funarte e o INF, renomeado como Coordenadoria de Folclore e Cultura Popular (Mendonça, 2008).

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Entidade nascida com o nome de “Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro”, criada pela presidência da república em 1958, com caráter temporário. Em 1975 se torna permanente e recebe o nome de Instituto Nacional do Folclore.

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Lélia Coelho Frota foi indicada ao cargo por Aloísio Magalhães, criador e dirigente do Centro Nacional de Referências Culturais (CNRC), que também defendia a perspectiva antropológica para a compreensão de bens culturais. O CNRC e Aloísio Magalhães serão apresentados no próximo tópico.

77 Embora a integração da categoria “cultura popular” demonstre a amplitude de atuação de uma instituição que havia sido criada para a “defesa do folclore”, sua renomeação como “coordenadoria” rebaixava seu escopo de atuação. Contudo, mesmo sendo um período de profundas transformações estruturais e nenhum investimento federal na área da cultura, a Coordenadoria, dirigida agora pela museóloga Claudia Marcia Ferreira, intensificou o processo de reestruturação de suas unidades que estavam padecendo com a passar dos anos e indefinições governamentais. Assim, o Museu Edison Carneiro, parte integrante de sua estrutura, pode abrigar uma exposição permanente, as exposições da Sala do Artista Popular foram reativadas [exposições para mostra e venda de produtos fabricados por artistas populares] e a biblioteca Amadeu Amaral teve seu acervo expandido e ampliação de visitação pública (Mendonça, 2008).

Entre as idas e vindas governamentais, em 1994 a Funarte foi reinstituída e em 1997 a Coordenadoria de Folclore e Cultura Popular tornou-se o Centro Nacional de Cultura Popular (CNCP). Apesar da retirada do termo ‘folclore’, a instituição passou a utilizar o nome fantasia Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) como homenagem aos antecessores folcloristas que sempre estiveram engajados na conformação deste campo em âmbito federal.

O CNFCP foi, durante muitos anos, o único órgão federal a tratar específica e sistematicamente das questões relativas ao folclore e à cultura popular no país. Com mais de cinqüenta anos de existência, a atuação desse órgão tem-se pautado prioritariamente na pesquisa e análise, no apoio e difusão das expressões de folclore e cultura popular em nível nacional (Ferreira, 2001).

As idéias de folclore e cultura popular com as quais o CNFCP opera passaram, ao longo dos anos, por importantes reformulações, garantindo ao órgão a continuidade e o aprofundamento da atuação. Hoje, a ação institucional se faz tendo em vista que cultura é um processo global que reúne as condições do meio ambiente àquelas do fazer do homem. O agente social e seu produto – habitação, templo, artefato, dança, canto, palavra, entre outros – estão necessariamente inseridos num quadro social e ecológico no qual a atividade humana ganha significação. Entendendo o folclore como os modos de agir, pensar e sentir de um povo, ou seja, como

78 expressões da cultura desse povo, o CNFCP, consoante com o que preconiza a Unesco, considera equivalentes as expressões folclore e cultura popular (Ferreira, 2001).

Tendo em vista esta perspectiva e a experiência acumulada do CNFCP, no momento em que se reuniu no país um grupo de trabalho responsável por implementar um instrumento jurídico que trataria especificamente daquelas expressões culturais não contempladas pelo tombamento, ou seja, as expressões culturais populares,48 o CNFCP foi uma das instituições indicadas para participar do processo de elaboração e teste deste instrumento. Ademais, tornou-se, juntamente com o Iphan, a principal executante da política federal do patrimônio imaterial, vindo em 2003 tornar-se sua vinculada como uma unidade do Departamento do Patrimônio Imaterial.49

No documento O samba de roda na gira do patrimônio (páginas 72-76)