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3. RECURSOS II: MÚSICA E ELECTRÓNICA

7.1. O Pavilhão Philips como Instrumento Musical

7.1.3. As Possibilidades de Espacialização: Loudspeaker Groups e Routes du

du Son

Um dos aspectos em que o Pavilhão Philips representa um aproveitamento inédito e até ao limite da tecnologia existente é a sua implementação específica de facilidades de espacialização sonora.

Para a reprodução da componente visual (luz, projecções) e sonora (a música de Varèse, bem como a obra a reproduzir entre apresentações, ConcretPH de Xenakis), os técnicos da Philips (em particular Jan W. De Bruin) desenvolveram um sistema de controlo e reprodução extremamente complexo. Eram dois sistemas idênticos (com excepção dos altifalantes e cablagens) para permitir exibições contínuas encadeadas e evitar problemas em caso de avaria. Cada sistema era constituído por:

1.Um gravador de áudio, cuja fita, de 35 mm, tinha perfurações de sincronização semelhantes às das películas de cinema, que reproduzia uma fita com 3 pistas. 2.Um gravador de sinais de controlo, também com fita de 35 mm com orifícios de sincronização, que reproduzia 15 pistas, em que cada uma podia ter 12 sinais de frequências diferentes, usadas como sinais de controlo.

3.Circuitos electrónicos de comutação, à base de relés e comutadores telefónicos , que controlavam, para além das luzes e projecções:

a) o roteamento dos sinais de áudio de cada uma das três pistas para os amplificadores que serviam diferentes conjuntos de altifalantes; b) quais os altifalantes de um dado conjunto que em cada instante estavam

altifalantes, a uma cadência pré-definida, formando as chamadas routes

du son.

Os sinais de controlo eram frequências de áudio, entre 900 e 10500 Hz (havia 12 frequências distintas), gravadas em cada uma das 15 pistas da fita de controlo, e que eram separadas, na reprodução, por filtragem (Bruin 1958/59: 45). Podia-se assim obter 12x15=180 sinais independentes.

No pavilhão Philips foram utilizados dois tipos de recursos para criar espacialização:

1.Distribuição de diferentes sons por grupos de altifalantes colocados em diversos pontos do espaço, os loudspeaker groups (LG).

2.Reprodução de sons ao longo de linhas de altifalantes que são sucessivamente ligados e desligados, criando as sound routes ou routes du son (RS).

Para cada Route du Son (RS) o sinal era enviado sucessivamente aos cinco primeiros altifalantes, depois do segundo ao sexto, do terceiro ao sétimo, até chegar aos cinco últimos. A distribuição de alguns sinais sucessivamente pelos vários altifalantes ao longo de uma RS levanta dois problemas:

1.O sinal acústico é emitido por fontes que funcionam como se se tratasse de uma fonte móvel, produzindo potencialmente efeito Doppler. Este fenómeno pode ser visto como um inconveniente, mas pode também funcionar como um efeito de ilusão de movimento, comparável às curvas sonoras das sirenes que Varèse usava desde Amériques.

2.O processo de comutação utilizado pode produzir clics.96

Na realidade este problema existiu durante as primeiras experiências de espacializaçao, na garagem-estúdio onde a obra foi produzida, mas foi depois solucionado.97

Fig. 7.16 – Localização dos Loudspeaker Groups e das

Routes du Son. Esboço de Xenakis (Treib 199 6: 206).

A disposição dos LG e das RS pode ser analisada a partir de três fontes:

1.Um esboço realizado por Xenakis das

routes du son (fig.7.16).

2.Uma «schematic representation of the recorded sounds and associated control signals in the time interval from 2 min 05 sec to 2 min 35 sec» [«representação esquemática dos sons gravados e sinais de controlo associados no intervalo de tempo de 2'05" a 2'35"»] publicada em Bruin (1958-59: 48; anexo C)

juntamente com uma explicação do significado das abreviaturas (ibid.: 49). No anexo D incluo uma interpretação gráfica do mesmo esquema, organizada não por pistas mas pela relação funcional dos sinais.

3.Fotografias e filmes do interior (como a fig.7.7), que nos mostram a disposição dos altifalantes. Um número significativo encontra-se publicado em Treib (1996).

No seu conjunto, estas fontes permitem-nos reconstruir hipoteticamente as possibilidades de espacialização que o Pavilhão Philips proporcionava. Delas se pode deduzir a existência provável de 9 LG e 10 RS:

LG Fig.7.16 Sons dos Anexos C / D Localização

A Sim Tja-tju (I) Pico mais baixo (13,5 m)

B Sim Tja-tju (III), Pss-pss (III) Pico médio, na saída (18 m)

C Sim Oemp ang (II) Pico mais elevado, na entrada (20,5 m)

D Sim — no ângulo da RS O

E Sim — no ângulo da RS III (não é certo que seja um LG)

J Sim Tju-tja (I) sobre a entrada

N – way-way (III) — [sem elemen tos]98

U Sim Perc (II) sobre a saída

140 – Tjukketjuk (III) — [sem elemen tos]

RS Fig.7.16 Sons dos Anexos C / D

I Sim Tok-tok (II)

II Sim Parabool (I)

III Sim Tjukketjuk (III); Parabool (II)

IV Sim Parabool (III)

V Sim — [não é usada aqui]

VI Sim — [não é usada aqui]

VII Sim — [não é usada aqui]

VIII Sim — [não é usada aqui]

IX Sim — [não é usada aqui]

O Sim Whistle finger (II->I)

As figs.7.17 e 7.18 representam a minha tentativa de reconstruir a geometria aproximada de cada RS e LG em dois planos ortogonais – um horizontal (planta), outro vertical. Estes esquemas poderiam servir de ponto de partida para uma reconstituição do que poderá ter sido a espacialização original do minuto 2 do Poème Electronique. Servem também para tirarmos algumas conlusões, quanto à possibilidades de espacialização, e tendo em conta a posição que especifiquei para o ouvinte:

Fig. 7.17 – Localizaçao

geomética, no plano horizontal, dos LG e das RS . As coordenadas (x, y) são em metros. O símbolo no centro (coordenadas 0, 0) repre senta um eve ntual ouvin te, olhando para uma das superfícies de projecção.

Fig. 7.18 – Localização

geométrica, em corte vertical (coordenadas x, z), dos LG e das RS.

1.As RS proporcionam especialmente facilidades para produzir movimentos rápidos e amplos esquerdo-direito, ou vice-versa (RS O, II, III, IV).

2.As facilidades das RS incluem a criação de um movimento rotativo à volta do público (RS I), de movimentos verticais (RS VI, VII, XIX), ou que mudam de direcção a meio (RS O, III).

3.Os LG estão situados nos três picos (dois quais dois ficam à direita e à esquerda do ouvinte, o outro quase atrás, para a posição especificada, ou quase à frente se estiver a observar a outra área de projecção) e em baixo precisamente dos dois picos opostos, permitindo assim efeitos de alternância esquerdo-direito, cima-baixo ou lado-atrás.

Os efeitos laterais estão assim representados de forma privilegiada, uma solução eficaz tendo em conta que é nesta direcção que a nossa capacidade de discriminação direcional é mais acentuada, já que dispomos de informações relativas ao atraso interaural, à diferença de intensidades entre os dois ouvidos e às variações de resposta em frequência em função da direcção de incidência. Por outro lado, os efeitos verticais não só são possíveis como estão bem representados, quer no estado puro, quer formando percursos oblíquos. O movimento frente-trás é comparativamente sacrificado, aparecendo sobretudo em combinação com o movimento lateral, sob a forma de rotação (RS I), e ao nível da alternância ou simultaneidade entre uma RS situada à frente do ouvinte e outra atrás.

Embora segundo Bruin (1958/59: 49) os comutadores que produzem o movimento nas RS sejam capazes de mudar de altifalantes em períodos de 0,1s, os valores que encontramos no esquema do anexo C vão de 0,25 a 0,4s. Tendo em conta que cada comutador tem 26 posições, cada RS demorará tipicamente entre 6,5 e 10,4s a ser percorrida, embora em teoria o pudesse ser em apenas 2,6s.

A geometria do pavilhão reflecte-se nas rotas, tornando idiosincráticas as suas possibilidades de movimentação espacial, se comparadas com o que normalmente esperamos de um simples sistema de 4 pistas como o Stockhausen usou em Kontakte. Apesar disso, em

Kontakte os movimentos limitam-se ao plano horizontal,99

enquanto que no Poème

Fig. 7.19 – O estúdio improvisado a um canto de uma garagem,

onde Varèse realizou o Poème Electronique. Note-se na parede alguns altifalantes, usados pa ra as primeiras experiências de espacialização son ora . Foto de A. Buczynsk i (Tazelaar e Raaijmakers 2004: II, 20).

trajectórias curvilíneas e oblíquas, sem qualquer referência ortogonal – tal como visualmente acontece a quem se encontra dentro do pavilhão.