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As prescrições da REP para o Ensino Agrícola

No documento GLEICE IZAURA DA COSTA OLIVEIRA (páginas 182-186)

Diante desse cenário, urge recorrermos a uma das questões norteadoras desta pesquisa para estabelecer a relação deste contexto com a educação profissional agrícola, ou seja, Quais as influências deste contexto mais amplo sobre as prescrições curriculares que foram adotadas na EAFC-PA?

Para analisarmos essa questão, primeiramente vamos contextualizar alguns aspectos. Ianni (1977 citado por SOARES; OLIVEIRA, 2005, p.182) ressalta que estas mudanças de paradigma no mundo do trabalho refletem no ensino agrícola porque a partir do processo de globalização da economia

O mundo agrário está tecido e emaranhado pela atuação de empresas, corporações e conglomerados agroindustriais. Ainda que subsistam e se recriem as mais diversas modalidades de organização do trabalho e produção, muito do que se faz no mundo agrário está subsumido pelo grande capital flutuante pelo mundo afora. Por conseqüência , o perfil do agricultor também assume características diferenciadas. A realidade do campo, hoje, aponta para a necessidade de articular diferentes formas de organização e desenvolvimento da agricultura e do agricultor para atender as múltiplas faces que configuram o rural sem perder a sua singularidade.

Segundo Souza (2005) os propósitos consubstanciados na REP para a educação profissional agrícola estão centrados na lógica mercantil; pois o modelo de agricultura desenvolvido atualmente refere-se à agricultura capitalista patronal baseada na monocultura exportadora em detrimento da agricultura familiar. Estes constituem modelos distintos de

59 O curso Pós-Médio são destinados aos alunos que estão cursando o Ensino Médio ou já concluíram em qualquer estabelecimento de ensino.

organização de trabalho e, evidentemente, possuem interesses políticos e econômicos diferentes.

Embora a agricultura familiar61 seja apontada como uma alternativa para os problemas

econômicos do meio rural, não se investe em tecnologia voltada para esta modalidade de produção agrícola, que necessita de um modelo educacional diferenciado do que está prescrito na REP.

Nos últimos anos, intensos debates têm acontecido por diversos segmentos sociais a respeito da realidade do meio rural, polarizando as discussões na busca de alternativas para formação dos sujeitos do campo.

Na década de 1990, a política agrícola do governo priorizou a agricultura capitalista patronal baseada na monocultura exportadora. Em contra partida marginalizou a agricultura familiar destinada à subsistência e ao mercado local, mesmo que o discurso demonstrasse que havia ações propositivas como a criação da SAF ( Secretaria de Agricultura Familiar) órgão ligado ao MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário). Considerando a leitura dos tempos, percebe-se ainda em nossos dias onde a esperança venceu o medo, ampliação da relação de dominação entre agricultura patronal e agricultura familiar que possuem interesses distintos. (NASCIMENTO, 2003, citado por SOUZA, 2005, p.47)

De um lado “os defensores ferrenhos do atual paradigma tecnológico, fruto do modo de produção capitalista, apontam no mesmo a solução dos problemas da humanidade. Este paradigma ainda influencia fortemente a formação profissional no campo das ciências agrárias” (FAVACHO; SOUSA, 2006, p.4)

A outra dimensão dos debates é representada pelos membros dos movimentos sociais62 e entidades da sociedade civil, que defendem a agricultura familiar como alternativa para formação do profissional em ciências agrárias.

61 Wanderley (1997, citado por FAVACHO; SOUSA, 2006, p.5) conceitua agricultura familiar como “aquela em que a família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo. É importante insistir que este caráter familiar não é um mero detalhe superficial e descritivo: o fato de uma estrutura produtiva associar família-produção-trabalho tem conseqüências fundamentais para a forma como ela age econômica e socialmente. No entanto, assim definida, esta categoria é necessariamente genérica, pois a combinação entre propriedade e trabalho assume, no tempo e no espaço, uma grande diversidade de formas sociais.”

62 Desde 2003 a EAFC-PA participa dessas discussões com representantes no Fórum Paraense de Educação no Campo. Como resultado concreto dessa participação a EFC-PA firmou convênio com a Universidade Federal do Pará para implantar cursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e Saberes da Terra. Atualmente a EAFC-PA coordena 5 turmas do Projeto PRONERA nas cidades de Altamira (2 turmas, 80 estudantes), Marabá (2 turmas, 80 estudantes), Ipixuna (3 turmas, 120 alunos), Ourém ( 1 turma, 40 alunos), Irituia(1turma, 40 alunos). Com o Projeto Saberes da Terra a EAFC-PA coordena 15 municípios, e tem 760 alunos no Ensino Fundamental com Qualificação Técnica. No Projeto Saberes da Terra a escola também participa da capacitação dos professores da rede municipal que trabalharão no projeto. Os cursos técnicos na área agropecuária implementados pela EAFC-PA em convênio com o PRONERA e o Projeto Saberes da Terra se

A EAFC-PA vive esta polaridade, pois:

A formação tecnicista ainda é uma realidade bastante presente na maioria dos cursos de ciências agrárias no país. O fato das políticas públicas nacionais para o desenvolvimento rural estarem sendo conduzidas a partir de uma lógica dualista, ou seja, de um lado tem-se o Agronegócio como uma das pilastras da política econômica do país, baseada na exportação de grãos. Do outro lado tem-se uma agricultura familiar, que a partir de sua organização social consegue imprimir um ritmo de negociação com o governo que possibilita algumas políticas públicas compensatórias e necessárias ao seu desenvolvimento. Neste campo de disputa a formação em ciências agrárias sofre pressão de ambos os lados na busca por profissionais que contribuam com os processos de desenvolvimento relacionados aos diferentes níveis de compreensão. (FAVACHO; SOUSA, 2006, p.15)

Os preceitos estabelecidos com a REP acirraram esta dualidade na EAFC-PA, pois a política educacional estabelecida no governo de FHC tem nas prescrições oficiais um modelo de educação profissional, “que capacite o técnico a manter-se em atividade produtiva e geradora de renda em contextos sócio-econômicos cambiantes, transitando entre variadas atividades produtivas de sua área profissional”(BARBOSA, 2004 citado por CAMPOS, 2005, p.33).

No ano de 2000, a SEMTEC, vinculada ao MEC, publicou os Referenciais Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico (RCNEPNT). Neste documento a área agropecuária foi definida da seguinte forma:

Esse segmento envolve atividades de produção agrícola propriamente dita (lavoura, pecuária, e extração vegetal). É a soma total das operações de produção agrícola, armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos. Dessa forma, o agronegócio engloba os fornecedores de bens e serviços à agropecuária, os produtos agrícolas, os processadores, transformadores e distribuidores envolvidos na geração e fluxo dos produtos agropecuários, até o consumidor final. (BRASIL, MEC, 2000, p.9)

O conteúdo da RCNEPNT reflete o modelo do ensino agrícola pautado na complexidade do agronegócio, pois considera-se a atividade agrícola numa perspectiva globalizada, onde se privilegiam as relações entre agropecuária, indústria, transformação e distribuição.

Desta forma, o técnico, para atender às novas exigências, precisa ser possuidor de uma série de habilidades relacionadas a uma ampla variedade de competências comportamentais baseiam numa proposta pedagógica articulada com os conceitos da agricultura familiar, currículo integrado e a Pedagogia da Alternância.

de base tecnológica relacionadas “às tendências mais recentes do mercado de trabalho (racionalização, flexibilidade, produtividade, etc.)” (OLIVEIRA, p.4, 2004).

Nos RCNEPNT, o perfil de formação do técnico em agropecuária, sistematizado após uma pesquisa realizada com vários segmentos do setor agrícola, confirma a tendência da formação consubstanciada nos documentos da REP,

Controle de produtos acabados; registro de produção; coordenação de pessoal de tarefas; gerenciamento de abatedouro de aves; classificação de grãos; vigilância sanitária, animal e vegetal; inspeção em laticínios e frigoríficos; comercialização agrícola e assistência técnica no campo; levantamento econômico da propriedade; testes regionais; variedades; armazenamento (da chegada dos grãos à expedição); supervisão incubatório industrial; supervisão de produção de ovos férteis; gerenciamento da área administrativa da empresa; gerenciamento da produção de sementes; execução de projetos de pesquisa; vendas de máquinas; peças e implementos; regulagens de máquinas e implementos; responsabilidade por

todas as fases da produção agrícola- desde o plantio até a colheita; responsabilidade pelo patrimônio e manutenção de instalações; manejo de animais. (BRASIL, MEC, 2000, p.22, grifos nossos)

Para elaborar esse perfil, de acordo com as informações encontradas nos RCNEPNT, o MEC realizou uma pesquisa para verificar se as funções do técnico em Agropecuária estavam de acordo com as novas demandas do mercado de trabalho. Nessa pesquisa, o MEC consultou: “empresas líderes que empregam técnicos agrícolas, técnicos agrícolas em efetivo exercício profissional, pequenos produtores rurais” (BRASIL, MEC, 2000, p. 22)

As empresas enumeraram uma série de dificuldades que os técnicos agrícolas enfrentam quando ingressam no mercado de trabalho. Diante dessas dificuldades se elaborou um novo perfil.

Entre as sugestões dos RCNEPNT podemos destacar: a organização dos currículos, a gestão dos recursos educacionais e a seleção de recursos humanos.

Constata-se nas recomendações dos RCNEPNT o vínculo com as políticas implementadas durante os anos 90 para a educação profissional, pois a respeito dos currículos para o Ensino Agrícola, os RCNEPNT recomendam que estes devem ser:

[...] caracterizado por “aulas operatórias”, por workshops e oficinas nas quais os alunos trabalhem em projetos concretos e experimentais característicos da área, por oferecer espaços de discussão fundamentada do que está fartamente disponível para ser ouvido, visto e lido no mundo fora do espaço escolar, por seminários e palestras com profissionais atuantes, por visitas culturais e técnicas. (BRASIL, 2000, p.25)

Com relação aos recursos educacionais para operacionalizar esses currículos, recomenda-se que esses recursos sejam obtidos também através de convênios, patrocínios ou parcerias, que viabilizem constante renovação ou atualização tecnológica, sendo esta uma das condições essenciais para que o ensino agrícola esteja atualizado com as demandas do mercado de trabalho.

O último aspecto recomendado nos RCNEPNT foi com relação à formação dos professores para trabalharem no ensino agrícola mediante a proposta da REP. Recomenda-se que esses profissionais sejam selecionados entre aqueles que estejam “efetivamente engajados nas atividades produtivas” (BRASIL, 2000, p.25). Ou seja, exercendo atividades no mercado de trabalho para que possam contribuir com a formação dos alunos.

No documento GLEICE IZAURA DA COSTA OLIVEIRA (páginas 182-186)