• Nenhum resultado encontrado

1 O TRÁFICO DE SERES HUMANOS: A HISTÓRIA DIALOGANDO COM A CONTEMPORANEIDADE

2 O TRÁFICO DE SERES HUMANOS E SEUS CONTORNOS NA GLOBALIZAÇÃO

2.2 O crime organizado transnacional

2.2.2 As principais causas do tráfico

A Organização Internacional do Trabalho aponta como principais causas do tráfico a pobreza, a ausência de oportunidades de trabalho, a discriminação de gênero, a instabilidade política, econômica e civil em regiões de conflito, violência doméstica e a emigração indocumentada (OIT, 2006, p. 15-16).

Assim, além do problema gerado pela falta de perspectivas laborais no país de origem e pela extrema pobreza, à qual muitas dessas vítimas se vêem submetidas em muitos desses países subdesenvolvidos, também devem ser sublinhados fatores como a marginalização da mulher e o crescimento da demanda por mulheres exóticas, provenientes do turismo sexual, o qual

28

Fundación contra el Tráfico de Mujeres, Grupo Jurídico Internacional de Derechos Humanos y Alianza Global contra el Tráfico de Mujeres. Las normas de Derechos Humanos para el Tratamiento de Personas Sujeto de la

Trata de Personas. 1999.

29 Art. 9, item 3, do Protocolo de Palermo estatui que: “As políticas, os programas e as demais medidas que se

adotem em conformidade com o presente artigo incluirão, quando proceda, a cooperação com organismos não governamentais, outras organizações pertinentes e outros setores da sociedade civil”.

possibilita um maior incremento do tráfico de mulheres (VILLALBA, 2003, p. 61). Os traficantes procuram se aproveitar das idiossincrasias dos fatores sócio-culturais de suas vítimas, adequando sua atividade às condições de vulnerabilidade anteriormente expostas, o que corrobora para explicar sua complexidade criminológica30.

Indubitavelmente, as referidas situações fragilizam e tornam as vítimas do tráfico suscetíveis à situação de aliciamento: “A pobreza e a incapacidade de ganhar ou produzir suficientemente para a própria subsistência ou da família são as principais razões por trás do movimento de pessoas de um Estado para outro em busca de trabalho (CUNHA, 1998, p. 498)”.

O artigo 9, item 4, do Protocolo de Palermo, explicita que as políticas anti-tráfico dos Estados devem tomar em consideração aspectos como a pobreza, o subdesenvolvimento, a falta de oportunidades equânimes que tornam as mulheres e as crianças especialmente vulneráveis a serem traficadas. Também salienta a importância da cooperação bilateral ou multilateral, tendo em vista que muitos dos países a partir dos quais se originam as vítimas desta prática, não possuem recursos materiais suficientes para o desenvolvimento de programas de combate à pobreza (JORDAN, 2002, p. 34-35).

No entanto, o relatório da OIT (2005, p. 15), acima mencionado, também explicita que não se pode apontar essas questões sócio-econômicas e estruturais como as únicas determinantes para que ocorra o crime, uma vez que outros aspectos também devem ser considerados como de vital importância. Assim, estatui que:

As raízes do problema encontram-se muito mais nas forças que permitem a existência da demanda pela exploração de seres humanos do que nas características das vítimas. Essa demanda vem de três grupos: os dos traficantes – que, como visto acima, são atraídos pela perspectiva de lucros milionários-, os empregadores inescrupulosos que querem tirar proveito de mão-de-obra aviltada e, por fim, os consumidores do trabalho produzido pelas vítimas.

Nessa ótica, os países destinatários destas pessoas traficadas apresentam-se como sociedades de consumo, haja vista que contribuem com prática deste crime, pela demanda dos diversos serviços forçados que serão desempenhados pelas mesmas.

30 Informe do Secretário Geral das Nações Unidas acerca do funcionamento de seus órgãos e de outras organizações

Essas dinâmicas são usualmente designadas push and pull factors, estabelecendo que o tráfico de seres humanos é integrado por fatores que interagem tanto do lado dos requisitos que atraem a vítima a deslocar-se para outra localidade, quanto daqueles que a repelem de seu lar originário.

Dessa maneira, os push factors encorajam muitas dessas pessoas a ultrapassarem as fronteiras de seu país para buscarem novas oportunidades, procurando se livrar das precárias condições de vida que as acometem. E os pull factors são aqueles que geram atrativos e a expectativa de melhores condições de vida, além da demanda por tais serviços. Estes fatores são enumerados pela Europol (2006, p. 14-15) da seguinte forma:

PUSH FACTORS: Unemployment or lack of employment opportunities; Labour market not open to women; Poor salary and poor working conditions; Poverty; Inadequate or poor education; Gender, sexual or other discrimination; Escaping persecution, domestic violence or abuse; Natural disasters and environmental conditions; Perception of increased opportunity elsewhere. PULL FACTORS: Promise of employment or better employment opportunities; Regular pay, higher salary and improved working conditions; Better quality and/or standard of life; Better education prospects including higher education; No discrimination or abuse The opportunity to work abroad; Demand for those services for more lucrative markets and higher earnings; The opportunity to support family/relatives at home through ‘foreign remittance.

Um problema usualmente pontilhado ao se abordar a questão do tráfico de seres humanos é a questão do grau de responsabilidade das vítimas, principalmente quando relacionadas ao tráfico de mulheres para a prostituição. Dessa forma, indaga-se sobre o grau de discernimento das mesmas, acerca da natureza da atividade que deverá ser desempenhada no exterior.

Nesse sentido, apontam-se duas possibilidades, sendo uma delas o esclarecimento da suposta vítima, sobre o viés sexual do trabalho oferecido, embora desconheça totalmente as condições de exercício de tal atividade e que, muitas vezes, assemelham-se ao exercício da escravidão. A vítima, muitas vezes, exercia a prostituição previamente e vislumbrava um melhor retorno financeiro com aquela oferta de trabalho eivada de engano. Já a outra categoria dessas vítimas desconhece por completo tanto a essência sexual do trabalho quanto as condições para a consecução desta atividade (VILLALBA, 2003, p. 74).

No entanto, não se pode discriminar as vítimas enquadradas na primeira possibilidade hipotética, uma vez que este crime pressupõe o cometimento de graves violações dos direitos

humanos básicos das mesmas. Deve-se, assim, desconsiderar o fato de a pretensa vítima possuir conhecimento da essência da atividade que desempenhará.