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1 O TRÁFICO DE SERES HUMANOS: A HISTÓRIA DIALOGANDO COM A CONTEMPORANEIDADE

3 O TRÁFICO DE SERES HUMANOS NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS MIGRATÓRIAS DA UNIÃO EUROPÉIA E DO BRASIL

3.3 Os esforços brasileiros no enfrentamento ao tráfico de seres humanos

3.3.1 O tráfico de seres humanos no Brasil

O ato de se traficar seres humanos esteve presente, de maneira emblemática, em grande parte da história brasileira. Primeiramente, em razão do tráfico de escravos africanos trazidos para trabalharem nas lavouras canavieiras. Atualmente, constitui-se, em movimento inverso, um dos principais países de origem de pessoas traficadas para outras localidades onde serão exploradas das mais diversas maneiras.

De fato, o governo brasileiro apenas se viu compelido a atuar no enfrentamento do problema relacionado ao tráfico de pessoas quando, em 2001, uma Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes (PESTRAF)73 exibiu números alarmantes desta prática no Brasil, além de traçar seu perfil e principais grupos afetados. O país viu-se afetado pelo problema, sendo-lhe imputado o título de um dos principais fornecedores de pessoas para este comércio global.

Ressalte-se que, aos poucos, a questão veio ganhando notoriedade e preocupando tanto o governo quanto a sociedade. No ano de 1991, apenas cinco inquéritos policiais haviam sido instaurados para apurar supostos casos de tráfico de pessoas, enquanto que, no ano de 2007, o número cresceu para 11174.As causas atribuídas à ocorrência deste crime, no Brasil, são basicamente as mesmas já mencionadas anteriormente, que acometem os países subdesenvolvidos, grandes fornecedores de material humano para esta prática. Destacam-se entre as diversas causas:

[...] a baixa escolaridade do povo, os gritantes níveis de pobreza e o hiato entre os mais ricos e os mais pobres; a falta de perspectiva de vida das pessoas pertencentes às classes menos favorecidas; a facilidade com que os estrangeiros chegam, se alojam e constituem seus negócios no país; as dimensões territoriais- que facilitam o uso das rotas internas e externas; a utilização do casamento como meio de regularizar a presença de estrangeiros

73 Esta pesquisa foi encomendada pela OEA (Organização dos Estados Americanos). 74 Dados fornecidos pelo Departamento de Direitos Humanos da Polícia Federal.

em nosso território e como instrumento de captação de confiança da vítima (SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA, 2004, p. 16).

Muito embora as razões para a ocorrência do crime de se traficar pessoas apresentem semelhanças entre os países que se afiguram como celeiro de vítimas para o exterior, o perfil do mesmo pode variar tendo em vista os condicionantes sociais de cada localidade.

A pesquisa do Ministério da Justiça sobre o tráfico de pessoas, em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Ceará, que analisou 22 processos judiciais e 14 inquéritos (Justiça Federal), servirá de base para que se possa apresentar algumas peculiaridades desta prática no território brasileiro75.

O gráfico 1 evidencia que as vítimas brasileiras são predominantemente do sexo feminino, como apontou pesquisa do Ministério da Justiça, uma vez que dos 36 casos analisados, apenas um deles apresentou uma vítima do sexo masculino.

75 As localidades escolhidas para a pesquisa mostram razões diferentes, pois enquanto São Paulo e Rio de Janeiro

possuem os dois mais importantes aeroportos do país e atraem grandes quantidades de estrangeiros tanto para o turismo quanto para negócios, já Goiás e o Ceará apresentam alto índice de pessoas traficadas provenientes desses Estados.

Gráfico 1– Sexo da vítima de tráfico de seres humanos (em números)

Fonte: SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA. I diagnóstico sobre o tráfico de seres humanos. São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Ceará. Brasília: Ministério de Justiça, 2004.

A maioria dessas vítimas encontra-se entre as faixas etárias de 18 a 21 anos, tendo em vista as dificuldades em embarcar menores de idade. Este recorte etário pode ser explicado por certos fatores, como cor de pele, dotes artísticos, porte físico, ou seja, é a demanda que comanda o feitio desses parâmetros. Destaque-se, também, que 68 % delas são solteiras (SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA, 2004, p. 27-28).

Vale pontilhar o interessante fato de que a maior parte das vítimas apontadas na mencionada pesquisa eram empregadas domésticas, ficando as “profissionais do sexo” na segunda posição, seguidas por estudantes e, por último, encontram-se as mulheres desempregadas, conforme pode ser observado no gráfico 2. (SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA, 2004, p. 29).

Gráfico 2– Ocupação das vítimas do tráfico de seres humanos (em números)

Fonte: SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA. I diagnóstico sobre o tráfico de seres humanos. São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Ceará. Brasília: Ministério de Justiça, 2004.

Quanto aos réus, algumas considerações mostram-se interessantes. Trata-se de um crime praticado predominantemente por homens, embora haja uma significativa presença de mulheres, o que possibilita uma maior credibilidade na captação das vítimas, como pode ser verificado no gráfico 3. A pesquisa aponta que a maioria desses réus possuía mais de 30 anos, assim como se percebeu um grau de escolaridade superior ao apresentado pelas vítimas. Quanto às suas ocupações, a categoria de empresário aparece com mais freqüência (47% dos casos), incorporando negócios como casa de show, bar, agência de turismo, cassino, salão de beleza, entre outros. Por fim, infere-se relevante salientar que esta fase de obtenção de vítimas para o tráfico internacional de pessoas é quase totalmente praticado por nacionais, embora o financiamento provenha de estrangeiros (SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA, 2004, p. 30-36).

Gráfico 3– Sexo do réu indiciado por tráfico de seres humanos

Fonte: SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA. I diagnóstico sobre o tráfico de seres humanos. São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Ceará. Brasília: Ministério de Justiça, 2004.

Os gráficos 4 e 5 apresentam números de duas pesquisas diferentes acerca dos principais destinos das vítimas brasileiras. Assim, a maior demanda por pessoas traficadas no Brasil é proveniente de países da União Européia, notadamente países de língua latina. Essa característica pode ser explicada em virtude da grande incidência de vítimas com baixo grau de escolaridade, as quais são enviadas para localidades com língua e cultura compatíveis, visando, assim, evitar transtornos maiores no momento da exploração a que as mesmas serão submetidas. Daí, a Espanha vê-se a frente neste ranking, seguida por Portugal, Itália e França (SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA, 2004, p. 37). Ressalte-se que a PESTRAF também apresentou resultados semelhantes com respeito aos principais destinos das vítimas brasileiras.

Gráfico 4– Destino da vítima de tráfico de seres humanos

Fonte: SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA. I diagnóstico sobre o tráfico de seres humanos. São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Ceará. Brasília: Ministério de Justiça, 2004.

Gráfico 5 – Principais rotas por país de destino

Fonte: LEAL, Maria Lúcia; LEAL, Maria de Fátima Pinto. Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial – PESTRAF. Brasília: Dezembro, 2002.

Com respeito à atividade na qual a vítima foi explorada no estrangeiro, a prostituição aparece com o percentual de 68%, seguida do trabalho doméstico, este em 29% dos casos (vide gráfico 6). Por fim, destaque-se que o tempo de permanência da mesma no exterior varia de um a dois meses, na maioria dos casos, configurando-se raros, os casos de vítimas que permanecem por mais de um ano (SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA, 2004, p. 40).

Gráfico 6– Atividade desenvolvida pela vítima no estrangeiro

. Fonte: SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA. I diagnóstico sobre o tráfico de seres

humanos. São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Ceará. Brasília: Ministério de Justiça, 2004.

Os dados acima mencionados não podem ser avaliados de forma inexorável, mas sim, mediante análise flexível e consentânea com a real amplitude da pesquisa referida. O fato de se haver limitado à coleta de dados em apenas quatro Estados de um país de enormes dimensões como o Brasil exemplifica esta ressalva, devendo estes números serem utilizados apenas para traçar um perfil geral sobre do tráfico de pessoas no Brasil.

Outro problema a ser sublinhado é a dificuldade na obtenção dos dados, acerca do tráfico, mediante relatos das pessoas traficadas. Um enorme percentual destas nega haverem sido vítimas do tráfico, muito em razão da situação humilhante à qual foram submetidas. Assim, as agências de proteção às vítimas desempenham papel preponderante nesse contexto, haja vista que o patamar de credibilidade das mesmas influencia o nível de envolvimento da vítima no sentido de

divulgar as características, assim como as pessoas responsáveis pela mencionada prática. Após delinear certas peculiaridades do crime do tráfico de pessoas no Brasil, por meio da análise de relatórios tanto em nível governamental quanto não governamental, abordar-se-á, em seguida, a atuação do Estado brasileiro no enfrentamento a este crime.