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3. PRINCÍPIOS, OBJETIVOS E DIRETRIZES DA PNAS

3.1. As Proteções Sociais

26 Centralidade ou foco na família: as ações são tomadas pensando na família como um a priori, como “[...] núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social” (idem, 2005, p. 17). Isso, independentemente do papel que a família assume na produção ou na causa da vulnerabilidade ou do risco para o sujeito, ou dele desejar ou não voltar para a família e de esta querer acolhê-lo.

27 O Ministério Público tem sido um grande parceiro na hora de obrigar o Estado a cumprir o seu papel, no entanto, em razão do grande número de processos, demora muito tempo para dar respostas. Outro impasse encontrado pelos trabalhadores é a dificuldade de acionar esse órgão, pois alguns gestores dada a sua conduta omissa, colocam-lhes uma série de empecilhos.

O SUAS é dividido em níveis de proteção, similares aos do SUS28. Neste, a atenção

aos sujeitos divide-se em três níveis, básico, médio e alto, cada um com sua complexidade. Conta com um conjunto de estabelecimentos (unidades básicas, centros de saúde, ambulatórios, hospitais, prontos-socorros, etc.) que ofertam procedimentos, exames, consultas, cuidados, etc. O SUAS é dividido em proteção social básica (PSB) e proteção social especial (PSE), de média e alta complexidade. Segundo a PNAS (2004), para cada tipo de proteção, oferta-se um conjunto de serviços que atende a um conjunto de demandas diferentes, ou similares em momentos diferentes, até mesmo momentos em que ainda não ocorreram as violações de direitos, a fragilização ou o rompimento dos vínculos. As proteções sociais devem garantir a sobrevivência (rendimento e autonomia), a acolhida e o convívio familiar ou comunitário, quer dizer, deve-se proteger e proporcionar que “todos tenham uma forma monetária de garantir a sua sobrevivência, independentemente de suas limitações para o trabalho ou para o emprego” (ibidem, p. 31).

Ainda de acordo com a PNAS (ibidem), a PSB destina-se às pessoas ou populações consideradas em situação de vulnerabilidade social, seja em decorrência da pobreza; da privação de renda, do precário ou nulo acesso aos serviços públicos (mesmo estes sendo gratuitos), seja da fragilização de vínculos afetivos de pertencimento. Seus objetivos são identificar e prevenir situações de risco social, desenvolver potencialidades, aquisições e fortalecer os vínculos familiares e comunitários.

Conforme a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (idem, 2009), a PSB oferta os seguintes serviços: serviço de proteção e atendimento integral à família, mais conhecido como PAIF; serviço de convivência e de fortalecimento de vínculos (SCFV)29,

28Em sua organização por níveis de proteção, o SUAS tem similaridades com a versão do SUS que toma como

base a medicina preventiva, organizada por níveis de complexidade e risco, segundo a qual, os estabelecimentos se organizam no território de forma a prevenir situações que estão na iminência de ser desencadeadas. Logo, atua no atendimento da prevenção de situações limites e não no contexto social que a produziu, ou seja, a sociedade produz as situações de vulnerabilidade e risco social e depois oferta atendimento e prevenção de situações já dadas. Por exemplo, o sujeito não teve acesso ao ensino nos períodos “certos de sua vida” e, quando ele necessita trabalhar, exige-se dele um curso superior, mas ele só terá acesso à Educação de Jovens e Adultos (EJA). Como ele precisaria se alfabetizar, aprender uma série de conhecimentos que já deveria ter apreendido, acaba acessando apenas empregos que exigem pouca escolaridade e com baixa remuneração.

29 Como o nome já diz, serviço de convivência e fortalecimento de vínculos, o objetivo é fortalecer grupos e coletivos. Por fazer parte da PSB, esse serviço tem uma dimensão preventiva, visa superar possíveis vulnerabilidades e desenvolver potencialidades, como também a proteção familiar e comunitária. Tais serviços são direcionados para crianças e adolescentes em contra turno escolar, as quais passam um período na escola e ou nesse local, é também para idosos em situação de vulnerabilidade. Nesses espaços são desenvolvidas atividades nas mais diversas áreas, considerando as peculiaridades de cada um desses grupos (BRASIL, 2009a). Em metrópoles como São Paulo e Campinas, esses serviços são quase todos terceirizados e executado por organizações sociais e supervisionados pelos CRAS; no caso do nosso município esses serviços funcionavam dentro do próprio CRAS, porém a falta de recursos e a péssima gestão deixaram estes serviços extremamente precarizados, não é raro os trabalhadores contribuirem constantemente com recursos próprios para a compra de matérias para as atividades.

muito conhecido como Pró-jovem e Ação jovem; serviço de proteção social básica no domicílio para pessoas com deficiências e idosas. O PAIF obrigatoriamente deve ser ofertado pelo Centro de Referência da Assistência Social (CRAS30). Os serviços da PSB são ofertados

diretamente pelo CRAS ou indiretamente por entidades sem fins lucrativos e organizações sociais referenciadas ao CRAS.

O Centro de Referência da Assistência Social – CRAS é uma unidade pública estatal (de gestão municipal), descentralizada, responsável pela organização e oferta de serviços de Proteção Social Básica. É a referência, no seu território de abrangência, da oferta da atenção às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade social no âmbito do SUAS. Deve estar localizado nos municípios e no Distrito Federal em áreas de fácil acesso a estas famílias e indivíduos. Todo CRAS, obrigatoriamente, desenvolve ‘a gestão da rede socioassistencial de proteção social básica do seu território’ (MDS, 2009, p. 11). E oferta o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (BRASIL, 2011, p.17).

Os estabelecimentos da assistência social da PSB ofertam um conjunto de serviços, benefícios, programas e projetos para indivíduos e famílias considerados em situação de vulnerabilidade social por violação de direitos. Seu objetivo é evitar situações de risco social e pessoal, “[...] por meio do desenvolvimento das potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários” (ibidem). Portanto, suas ações apresentam um caráter preventivo.

Cada significante desse nome, Centro de Referência da Assistência Social, pode assumir um significado: “centro”, porque centraliza e concentra pessoas de um dado território e também serviços, benefícios, programas e projetos em um só local; “referência”, porque é o local que oferta serviços de assistência social para a população ou se constitui modelo para outros serviços e estabelecimentos da rede; “assistência”, porque “presta ajuda”, auxílio, socorro; e “social”, porque se refere a um conjunto de pessoas ou a uma sociedade. No entanto, os dois significantes “assistência” e “social”, juntos, tornam-se um conceito que, dependendo do paradigma em questão, assumem um sentido específico, que pode ser o de ajuda e caridade ou o do acesso aos direitos para pessoas consideradas em situação de vulnerabilidade e/ou risco social, além de poder expressar a possibilidade de os sujeitos lutarem por seus direitos e acessarem outras formas de viver e fazer laços sociais.

Os serviços de PSE dividem-se em de média e alta complexidade, sendo destinados às crianças, adolescentes, adultos, idosos, pessoas com deficiência e PSR31, os quais tiverem

seus direitos violados e/ou ameaçados e cuja convivência no seio familiar é considerada

30 Antigo Núcleo de Apoio às Famílias.

31 De acordo com a PNAS (idem, 2004a), os serviços da PSE para PSR terão como norte a organização de um

prejudicial à sua proteção e ao seu desenvolvimento. A PSE também abarca lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, mulheres e suas famílias, os quais tenham seus direitos violados.

A PSE é a modalidade de atendimento destinada a indivíduos que estavam ou não em situação de vulnerabilidade e estão em situação de risco pessoal e social, por razão de abandono, negligência, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual e exploração, uso de substâncias psicoativas, violência física, psicológica e moral, cumprimento de medida socioeducativa, de viver em situação de rua, em comunidades indígenas e quilombolas, ser vítima de trabalho infantil e de tráfico de pessoas, entre outras situações. Segundo a PNAS (idem, 2004a), o atendimento dessas situações requer um acompanhamento individual, especializado e sistematizado, mas com flexibilidades nas ações, e que tenha como horizonte a construção de processos que assegurem tanto a qualidade na atenção protetora quanto a reinserção social efetiva32.

A proteção social especial de média complexidade conta com o serviço de proteção e atendimento especializado às famílias e indivíduos (PAEFI), o qual obrigatoriamente deve ser ofertado pelo CREAS33; o serviço especializado de abordagem social; o serviço de proteção

social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade; o serviço de proteção social especial para pessoas com deficiência, idosas e suas famílias; e o serviço especializado para pessoas em situação de rua (idem, 2009a).

O CRAS e o CREAS devem estar situados no território, facilitando seu acesso às pessoas e o de seus trabalhadores às pessoas, o que nem sempre acontece: muitas vezes, esses estabelecimentos ficam afastados das residências dos sujeitos, ou melhor, do local de maior concentração de pessoas que demandem os serviços da assistência social o que dificulta muito o acesso e o acompanhamento. Isso ocorre por diversos motivos, dentre os quais relações

32A palavra reinserção conota um certo tipo de fazer laço social e de habitar uma realidade sócio simbólica que pode não existir como um modelo a priori, pois é uma construção que o sujeito fará, já que poderá se “inserir” mesmo na rua, ou estar excluído em casa ou nos estabelecimentos. O que poderia definir se ele está inserido ou não seria o seu modo de fazer laço social, ou seja, o modo como se relaciona com os sujeitos no território ou como habita a realidade. Consideramos que a reinserção não deva partir de um a priori, supondo o que seria melhor para o sujeito, muito menos deveria ser uma simples inserção no contexto que o exclui, sendo o da família, da comunidade ou do mercado de trabalho, já que em alguns casos ele deverá construir ou subjetivar outro modo de habitar esses espaços. Temos a hipótese de que a reinserção necessariamente deve passar pela subjetividade do sujeito, o que em parte explica o porquê de determinados locais e lugares serem desejados por alguns e insuportáveis para outros, por exemplo: a permanência em “instituições totais” (GOFFMAN, 2001). 33 O CREAS incorporou o antigo programa Sentinela que atendia crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual.

obscuras entre o locatário e o governo e a falta de análise do território onde o estabelecimento deveria ser implantado.

Tais estabelecimentos são similares ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II) em sua fase histórica, quando era considerado o coordenador da atenção à saúde mental no território. Atualmente, Costa-Rosa propõe a estratégia da atenção psicossocial (COSTA- ROSA, 2013a), um modo de organização tanto do CAPS quanto de outros estabelecimentos de saúde mental, de modo a construir ações similares às da estratégia de saúde da família (ESF). Assim, as ações de atenção de um dado estabelecimento seriam desconcentradas de forma que a demanda seja atendida e referenciada por outros locais, não apenas pelos estabelecimentos da atenção básica.

As políticas de saúde e assistência social propõem a territorialização e a descentralização político-administrativa. Para o SUAS: “O princípio da territorialização significa o reconhecimento da presença de múltiplos fatores sociais e econômicos, que levam o indivíduo e a família a uma situação de vulnerabilidade, risco pessoal e social” (BRASIL, 2005, p. 19). O mesmo se afirma da intersetorialidade dos estabelecimentos que ofertam serviços para a população “na perspectiva do alcance de universalidade [...]; na aplicação do princípio de prevenção e proteção pró-ativa de cobertura entre indivíduos e famílias [...]; e no planejamento da localização da rede de serviços [...]” (ibidem). A descentralização político- administrativa é a possibilidade de os estados e municípios tomarem decisões e organizarem estratégias políticas segundo suas características regionais ou locais e considerando diversidades e singularidades (BRASIL, 1990a, 1993, 2004, 2005, 2009a; GARCIA, 2011).

Por fim, para a proteção social especial de alta complexidade conta-se com os serviços de acolhimento em estabelecimentos institucionais, cujas modalidades são: abrigo institucional, casa-lar, casa de passagem e residência inclusiva. Conta-se também com serviços de acolhimento em espaços transitórios entre a instituição e a família: serviço de acolhimento em república, serviço de acolhimento em família acolhedora, serviço de proteção em situações de calamidades públicas e de emergências (BRASIL, 2009a).

As mesmas críticas feitas ao SUS, em sua vertente baseada na medicina preventiva, por níveis de organização e complexidade, cabem ao SUAS. É o caso da conceituação da complexidade por níveis, seja a da atenção de alta complexidade seja a da proteção especial de alta complexidade, no caso do SUAS. Considera-se que a complexidade existe em todos os níveis de atenção ou de proteção, pois é inerente ao sujeito e ao território: a realidade é “sempre mais rica do que o conhecimento que temos dela” (KONDER, 2008, p. 36), pois algumas situações exigem rearranjos estruturais que não são simples e nem básicos. Em

alguns casos, apenas uma ação é suficiente para resolver um impasse ou violação, que, segundo essa classificação (atenção de alta complexidade ou proteção especial de alta complexidade), seria mais complexa.

Por exemplo: Buenos chegou há alguns meses do interior do estado do Maranhão, onde moram todos os seus familiares e amigos. Ele começa a trabalhar em uma empresa na capital do estado de São Paulo e, quando recebe o primeiro salário, é assaltado. Levam sua carteira, juntamente com todo o salário e ele, sem ter como pagar o aluguel, fica em situação de rua. Sua família não tem meios de ajudá-lo financeiramente e ele começa a pernoitar no albergue. Com os atendimentos realizados pelos trabalhadores da assistência social, ele faz novamente seus documentos e, após o recebimento do segundo salário, aluga um quarto em uma pensão e sai da rua.

Isso é diferente das ações que o CRAS e o CREAS deverão desenvolver e realizar junto aos sujeitos e famílias num território onde há grande incidência de trabalho infantil e exploração sexual de crianças e adolescentes, os quais são acobertados pelas autoridades locais que fingem desconhecer a situação. Essas complexas problemáticas não são apenas da assistência social, já que exigem ações na comunidade e articulações com outros setores, além da criação de novas possibilidades de trabalho e geração de renda.