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3. PRINCÍPIOS, OBJETIVOS E DIRETRIZES DA PNAS

3.4. Campo de intercessão

Antes de falarmos sobre o campo de intercessão, conceituaremos o que seria uma intercessão e o que seria esse agente que a executa, que denominaremos trabalhador- intercessor, cujo propósito é driblar a divisão social do trabalho criada a partir dos especialismos, isto é, da divisão dos saberes disciplinares, como a psicologia, o serviço social, o direito e outros. O trabalhador-intercessor, precavido por referenciais ético-políticos e teórico-técnicos de campos transdisciplinares, assume uma posição intercessora que visa a produção de um trabalho e de um conhecimento de mesmo estatuto (transdisciplinar) e a construção de um saber singular (COSTA-ROSA, 2015), cuja potência permite repensar constantemente o seu fazer à medida que o faz. Em um segundo momento, após o fim da intercessão, pretende construir uma reflexão sobre sua práxis como trabalhador-intercessor- pesquisador.

A intercessão é realizada por esse trabalhador em um campo de vinculação (transferencial) previamente construído e em constante construção, no qual ele se utiliza do seu saber para propiciar o surgimento do saber dos próprios sujeitos envolvidos na ação (idem, 2013), ou seja, um saber ajudar o sujeito a saber (idem, 2015). Depois disso, pode ocorrer a reconfiguração entre o antes e o depois, abrindo-se a possibilidade para a produção de outros sentidos, cuja potência permite produzir sentido a posteriori, depois que a intercessão ocorreu. Não se espera apenas a criação de sentido imediato, mas também a abertura para a construção de alternativas viáveis, que o sujeito ainda não pode pensá-las. O campo de intercessão em tese seria o local onde o intercessor produz intercessões, o seu local de trabalho.

O saber é um dos temas de análise mais caros ao trabalhador-intercessor, pela importância dada ao conceito de práxis e da crítica à divisão social do trabalho entre saber e fazer, razão que levou à sua invenção. O saber em questão tem a especificidade de apenas poder ser apreendido no momento da produção pelos atores que estão implicados (envolvidos)

em sua elaboração, isto é, um saber determinado pelas condições de sua elaboração, inteiramente fundado na práxis; por isso, leva elementos do materialismo histórico, mas, sobretudo, contribuições advindas da psicanálise do campo de Freud e Lacan. Para a produção desse saber, seria necessário um dispositivo, o dispositivo analítico. Lacan elucidou esse dispositivo, aliás, o seu modo de produção, identificando-o como discurso do analista (1992), ou seja, como um modo de produção que permite produzir um saber não-sabido, já que é um saber de estatuto inconsciente, saber sempre novo que tem a possibilidade de reatualizar os acontecimentos passados.

Retomando a conceituação de campo de intercessão, esclarecemos que a política da assistência social divide a atenção em proteções sociais. O CRAS é responsável por fazer a gestão e servir de referência para as unidades da proteção básica e o CREAS tem a respectiva responsabilidade com proteção especial. Como trabalhamos na proteção especial de média complexidade, ou seja, no CREAS, focaremos nossas reflexões no trabalho desenvolvido nesse estabelecimento. Dentre os diversos serviços complexos ofertados por esse centro, discorreremos sobre a abordagem social e o atendimento ofertado à PSR.

O CREAS é uma unidade pública estatal, de abrangência municipal ou regional, referência para a oferta de trabalho social a famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social, por violação de direitos, que demandam intervenções especializadas no âmbito do SUAS. Sua gestão e funcionamento compreendem um conjunto de aspectos, tais como: infraestrutura e recursos humanos compatíveis com os serviços ofertados, trabalho em rede, articulação com as demais unidades e serviços da rede socioassistencial, das demais políticas públicas e órgãos de defesa de direitos, além da organização de registros de informação e o desenvolvimento de processos de monitoramento e avaliação das ações realizadas (idem, 2011c, p. 8). Outra unidade importante a destacar é o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua37 (BRASIL, 2011a).

O trabalho do CREAS é organizado para atender demandas “específicas” e complexas que necessitam de intensa reflexão; são situações de vulnerabilidade, risco, violações de direitos, violências, negligências e abandono que demandam atenção especializada. O município onde a práxis de intercessão-pesquisa ocorreu é composto de diversas redes. O CREAS tem a responsabilidade de articular a rede territorial de proteção especial de média complexidade e trabalhar diretamente com os seguintes parceiros: serviços de acolhimento institucional, CRAS, Gestão Dos Programas de Transferência de Renda (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, Bolsa Família, Renda Cidadã, Benefício de

37 O Centro POP é um Centro de Referência Especializado pra PSR e deve ofertar obrigatoriamente os serviços especializados para PSR e o serviço especializado em abordagem social. Quanto a esses serviços, deve ofertar também local para higienização pessoal, lavagem de roupa, guarda de pertences, local para animais, local para estacionamento de carrinhos (BRASIL, 2011a).

Prestação Continuada – BPC), estabelecimentos de saúde e saúde mental (CAPS II, CAPS ad, consultório de rua, SAMU, hospital geral, pronto-socorro, residência terapêutica (RT) e centro de convivência), órgãos de defesa de direitos (Conselho Tutelar, Ministério Público, Poder Judiciário, Defensoria Pública, Delegacias específicas), rede de educação (escolas, salas de ensino e alfabetização de adultos em outras instituições), projetos habitacionais e instituições da sociedade civil.

Portanto, o campo de intercessão do CREAS é amplo e complexo, podendo compreender todo o território de um município, uma sub-região ou vários municípios previamente pactuados38. Em nosso caso, a intercessão ocorreu no primeiro caso, isto é, o

CREAS era responsável por todo um território municipal e pela fronteira com outros municípios39. No capítulo quatro, faremos uma reflexão a respeito da práxis no CREAS em

um município que está iniciando o trabalho com PSR e tentando estabelecer um norte para o trabalho com esse segmento populacional. O atendimento à PSR pode ocorrer em duas formas: a primeira, quando os sujeitos se apresentam no estabelecimento, buscam ajuda para lidar com os impasses cotidianos e tentam, de certo modo, sair da situação em que se encontram ou buscam acessar direitos ou algo de que possam precisar. A segunda forma é quando o trabalhador vai ao encontro (em busca) dos sujeitos para ofertar atendimento e acesso aos direitos violados.

Na próxima parte do texto, na tentativa de circunscrever minimamente seu campo de atuação, dividiremos a assistência social em dois paradigmas. O propósito é conhecer e situar duas direções: uma que mantenha tudo como está e outra que possibilite a subversão (outras versões) das práticas e saberes instituídos. Tal subversão é alcançada por meio de um posicionamento crítico, avisado por referenciais teórico-técnicos complexos, tanto de análise quanto de intercessão, visto que uma realidade multifacetada exige esse procedimento.

38 O SUAS determina que a implantação e o número de CREAS sejam proporcionais ao tamanho da população

em situação de vulnerabilidade e risco social adstrita ao território.

39 As PSR, pela proximidade entre municípios, vão de um a outro; usando os serviços que possam atender às suas demandas, transitam entre municípios, fazendo a sua rede e percorrendo territórios diversos.

Capítulo 2

A INSTITUIÇÃO ASSISTÊNCIA SOCIAL E SEUS PARADIGMAS

1. PROCESSO DE ESTRATÉGIA DE HEGEMONIA: AS INSTITUIÇÕES EM