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3. PRINCÍPIOS, OBJETIVOS E DIRETRIZES DA PNAS

3.2. Os trabalhadores do SUAS

O SUAS está presente em 99% dos municípios brasileiros, contando com 10 mil unidades públicas, 13 mil entidades privadas de atendimento e 590 mil trabalhadores (DOMINGUEZ, 2014). A assistência social é um campo complexo, atravessado por determinantes sociais, históricos, culturais, econômicos, políticos, éticos e subjetivos; um

lócus de atuação para diversos profissionais e em constante expansão. A inserção no SUAS de

outros profissionais além do assistente social é algo recente que tem início no período anterior à implantação desse sistema. No entanto, foi com sua implementação e regulamentação que esse campo de possibilidades se abriu para a atuação de outros profissionais: educadores sociais, advogados, antropólogos, cientistas sociais, sociólogos, terapeutas ocupacionais, pedagogos, psicólogos e professores. O assistente social, o psicólogo e os profissionais de nível médio compõem a equipe de referência34 para o trabalho nos estabelecimentos da

assistência social.

34 A formatação da equipe de referência muda de acordo com os estabelecimentos e com o número de sujeitos ou famílias referenciadas (idem, 2006).

A NOB-RH (BRASIL, 2006a; FERREIRA, S, 2011) postula que a equipe de trabalho no SUAS seja composta por assistentes sociais e psicólogos, a denominada dupla psicossocial, podendo contar também com outros profissionais. Logo, esses dois acabam por ser a base da equipe interdisciplinar nos serviços ofertados. Principalmente no CRAS e no CREAS, essa dupla tenta trabalhar em conjunto parar dar um olhar psíquico e social para os indivíduos e as famílias.

A necessidade da produção de um saber que norteie e interrogue o fazer desses profissionais é essencial dentro desse campo que tem as suas especificidades, ambiente originalmente de trabalho do assistente social, mas ampliando para outras áreas.

No tópico anterior, fizemos um rápido percurso da assistência social como política pública, passando por suas leis, tipificações, normas, portarias e seus estabelecimentos, sem desconsiderar o jogo político de sua implantação. Nos próximos capítulos, justificaremos a importância de conhecermos alguns processos essenciais, que, quase sempre, aparecem velados no discurso oficial e nas práticas, ou melhor, no dia a dia dos estabelecimentos da assistência social. Estamos nos referindo aos processos institucionais dinâmicos que ocorrem nos estabelecimentos e aos processos de subjetivação que essas práticas podem produzir.

Tais processos são essenciais para a análise dos impasses na conjuntura social e de suas incidências em um território específico, como também para traçar direções para a construção e a operacionalização de possíveis alternativas as essas situações. Esses processos atravessam a atuação dos trabalhadores do SUAS e podem determinar suas ações, reduzindo- as à reprodução de formas de controle e assujeitamento ou maximizando-as na direção da produção de subjetividade singularizada.

Os sujeitos considerados em situações de vulnerabilidade e de risco social35,

normalmente denominados de usuários, procuram os trabalhadores do SUAS com impasses, problemas, faltas, dificuldades, violações de direitos, ou seja, com situações à espera de uma resposta (encaminhamento), de uma saída. Tais encomendas sociais surgem como icebergs, cuja ponta é a parte que emerge no contato com os trabalhadores; o restante surge, muitas vezes, de forma velada, podendo ou não ser visto no decorrer dos atendimentos. Essa parte velada, ou que não aparece, pode ser considerada como demanda social. Encomenda social e

35 Os termos situação de vulnerabilidade e risco social aparecem nos documentos oficiais da política de assistência social (BRASIL, 2004a, 2005, 2009, 2011b) como um eufemismo a-histórico, despolitizado, culpabilizador e centralizador; surge como algo fixo e concreto, mesmo que sejam acompanhados da palavra “situação”, que denota algo que pode ser mudado, pois pode ser considerado uma situação entre outros possíveis. Esses conceitos distanciam-se de algumas de suas causas essenciais: pobreza, desigualdade social, desemprego, concentração de renda, etc., pois passam a ser responsabilidade do indivíduo em situação de vulnerabilidade ou risco. Não são apenas um nome substituto para conceitos como carente, assistido ou pobre.

demanda social são conceitos utilizados no campo da análise institucional (LOURAU, 1975) como analisadores singulares dos impasses da formação econômica e social e do seu modo de produção.

A demanda social pode ser considerada como algo que “falta” no conjunto de pulsações instituintes – de uma determinada formação social, econômica, subjetiva e cultural –, produzidas pelo antagonismo das forças em jogo, no contexto de lutas entre duas classes sociais que se digladiam. As demandas sociais são transmutadas em encomendas sociais após sofrer a incidência dos efeitos da ideologia capitalista contida no imaginário social (COSTA- ROSA, 2013a) ou, em outras palavras, ao serem por ela capturadas (DELEUZE; GUATTARI, 1995). Nessa forma, a encomenda social tem a potência de calar e ocultar os conflitos sociais, bem como eliminar possíveis efeitos subversivos, mantendo-se como uma estratégia de reprodução da dominação e do controle – mantendo tudo do mesmo modo que já está. “Ou seja, a tradução das pulsações da demanda social em pedidos (ajuda) depende dos modos de representação do que seja aquilo que ‘falta’ e aquilo que necessita e se deseja [o que se pede]” (COSTA-ROSA, 2013a, p. 39). Portanto, depende da representação das ofertas de atenção à disposição no território (ibidem) e, no caso da assistência social, a resposta a esses pedidos, historicamente, tem sido dada por entidades assistenciais de caridade e filantropia, ligadas à comunidade de modo geral. Apenas após a Constituição Federal de 1988, foi criado um conjunto de estabelecimentos específicos e parametrados por uma política pública.

Um exemplo bem característico da transmutação da demanda social em encomenda social é o dos sujeitos que têm uma demanda latente por inserção no mercado de trabalho, mas, após a ação da ideologia, acabam procurando apenas os benefícios assistenciais, deixando de buscar trabalho ou de pressionar o Estado pela criação de novas vagas de emprego ou de outras formas de geração de renda.

Os trabalhadores da assistência social têm papel essencial no atendimento das demandas que lhes são endereçadas pelos sujeitos de direitos: o modo como as acolhem e as atendem pode produzir efeitos para além dos já vivenciados antes desse encontro. O território é o local onde esses encontros e os processos ocorrem: tentaremos recortá-lo sob o prisma de um trabalhador-intercessor, delimitando o campo de atuação desse trabalhador e os campos com os quais faz interface.