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As protoformas da descentralização o legado da Legião

4 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO PERCURSO

4.3 O Estado do Ceará como área de estudo da investigação do

4.3.1 As protoformas da descentralização o legado da Legião

As práticas da assistência social no Estado do Ceará guardam íntima relação com os trabalhos desenvolvidos pela Legião Brasileira de Assistência, desde que essa instituição foi criada em 1942 e ao longo dos seus 53 anos de existência.

114 Esses dados foram fornecidos, pessoalmente, pelo órgão da Guarda Municipal, Defesa Civil e

A LBA trouxe para dentro do Estado do Ceará, para o âmbito dos governos Estadual e Municipal, a necessidade de encampar a diversidade das ações assistenciais mesmo que de caráter compensatório, essa é uma realidade histórica (L 01)115.

A LBA, Superintendência do Ceará contribuiu para a ampliação de programas e projetos assistenciais realizados por instituições do Governo do Estado e dos municípios, das senhoras da caridade, de obras filantrópicas, movimentos promocionais das primeiras-damas, Igreja, entre outras, identificadas, primordialmente, como ações beneméritas e/ou meritocráticas, num Estado reconhecidamente pobre, atingido pelas intempéries climáticas, fome, miséria e clientelismos. A pobreza, porém, em vez de ceder, evidenciava curvas ascendentes nas estatísticas da fome, da miséria e da desigualdade, indicando a inoperância do Estado no trato da questão social.

No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, proliferaram no Estado e municípios do Ceará os movimentos promocionais das primeiras-damas, que funcionavam ao lado e em apoio às prefeituras, ou melhor, aos prefeitos, desenvolvendo projetos, com nítidos traços assistencialistas, de caráter temporário, instituídos como projetos para uma legislatura específica e de sustentação política do governo no poder. Assim, a produção de benefícios e serviços sociais atendia ao mérito e ao favor, “desprezando os direitos dos cidadãos, enquanto as necessidades

definidas pela população e os mecanismos de controle democrático sempre cederam lugar a interesses particularistas e privados de toda ordem” (HENRIQUE,

1993, p. 276).

As atividades finalísticas da LBA tinham orientação e direção centralizada no órgão nacional, com delegação para executar ações administrativas e técnicas nos estados por meio de suas superintendências, cuja estrutura permitia realizar convênios, repassar recursos para entidades assistenciais, acompanhar a prestação de serviços e avaliar.

Ao ser alçada à condição de Fundação em 1979, a LBA passou a pertencer ao Sistema Nacional da Previdência e Assistência Social - SINPAS tendo como finalidade promover, planejar e executar a Política de Assistência, bem como

115 Estamos usando a legenda L 01, L 02, L 03 para designar entrevistados da Legião Brasileira de

orientar, coordenar e supervisionar outras entidades executoras dessa política social (PINTO, 2002).

As superintendências estaduais da LBA eram estruturadas em divisões116, cada uma com sua unidade orçamentária, desenvolvendo seus trabalhos com metas alicerçadas em orçamentos-programa. As ações dessas divisões se distribuíam em vários municípios, a maioria das vezes, dispersas e desarticuladas, porém assentadas em objetivos claros de prestar serviços àqueles desprovidos de condições dignas de vida.

A LBA do Ceará enfrentou nos anos 1980 situações dramáticas vivenciadas pela população, decorrentes da seca, e, posteriormente, das enchentes, realizando ações emergenciais de expansão para o restante do Estado, obrigando a Instituição a trabalhar num ritmo acelerado, em conjunto com várias organizações da sociedade, como igrejas, sindicatos, prefeituras, entre outros. A Instituição, na condição de provedora de recursos materiais e financeiros, foi alicerçando e estabelecendo no decorrer desses anos espaços organizados que constituíram base para estabelecimento de convênios, projetos, programas e atividades locais e que, posteriormente, passaram a fazer parte da rede conveniada de prestação de serviços socioassistenciais para a população de baixa renda.

A LBA Ceará mantinha na execução direta projetos para mães em pré-natal e nutrizes, reforçando a alimentação desses contingentes; programas de alimentação de crianças de 0 a 6 anos; assistência aos excepcionais e amparo à velhice. Desenvolvia, ainda, ações destinadas aos adolescentes e creches comunitárias, lares e creches emergenciais. Essas últimas realizadas no interior das comunidades pobres, assentando-se em dois eixos: o primeiro visava a prover as crianças de alimentação e atividades que as estimulassem do ponto de vista físico-motor, prevenindo o nanismo, o dano ao cérebro e ao físico; o segundo era uma tentativa de prevenir o êxodo rural, pois essas creches funcionavam nas proximidades das frentes de trabalho desenvolvidas na época da seca de 1980. Na verdade, de início, a preocupação era não deixar crianças morrerem de fome e de desidratação; pouco

116 A LBA Ceará organizou-se seguindo o padrão: Divisão de Serviço Social como a divisão finalística;

a Divisão de Educação para o Trabalho; Divisão de Medicina; Divisão de Serviços Jurídicos e Divisão Administrativa.

a pouco foram sendo introduzidas medidas preventivas de saúde e educativas, mudando a característica meramente assistencialista.

No período entre 1980-1985, foram atendidas em creches emergenciais em todo o Estado cerca de 195 mil crianças, com duas alimentações diárias, acrescentando-se atividades lúdicas e de desenvolvimento motor, realizadas pelas mães ou por professoras cedidas pelas prefeituras, após capacitação promovida pela Divisão de Serviço Social da LBA, com a organização local articulada entre prefeituras, entidades de assistência social e voluntários117.

Essa política de interiorização envolvia a colaboração e compromisso das mães com o desenvolvimento motor e físico das crianças, despertando-as a reivindicarem a permanência das creches118. Dessa experiência inédita, até então,

surgiram iniciativas junto aos órgãos governamentais para manter e aperfeiçoar os serviços de creches comunitárias nos distritos rurais; provocaram, também, o surgimento de associações que assumiram vários encargos na prestação dos serviços assistenciais conveniados. É inegável que “pedaços” da sociedade civil despertaram para o sentido organizativo, e coletivo, realizando e prestando serviços exigidos pelas necessidades da população, necessidade de sobrevivência e de manutenção da vida biológica e humana.

A execução indireta (convênios) foi controlada, sistematicamente, por supervisões, expandindo, assim, a interiorização e o conseqüente controle institucional. Para isso, a LBA fundou, no início dos anos 1980, cinco centros regionais119 para acompanhar os programas e projetos, buscando aumentar a qualidade e a quantidade do atendimento. Essas ações objetivavam assegurar que os investimentos nos programas sociais fossem bem utilizados localmente, atingindo as metas programadas, sendo uma forma de controle regionalizado do Estado.

Os projetos e programas eram calculados em per capita, geralmente, abaixo das despesas exigidas para sua manutenção, com as instituições conveniadas e/ou contratadas realizando ações de captação de recursos complementares no sentido

117 Nesse período (1980-1985), assumimos a Chefia de Divisão de Serviço Social da LBA-CE ará, o

que nos permite afirmar tais ocorrências.

118 Muitas creches emergenciais funcionaram em locais pouco acessíveis, em pequenos povoados,

em alpendres de casas de fazendas, anexos de escolas públicas, residências cedidas e até mesmo sob árvores frondosas.

119 Os cinco centros regionais estavam localizados nas cidades de Juazeiro do Norte, Sobral,

de cumprir as metas propostas. Assim, ao mesmo tempo em que a LBA mantinha essa capilaridade de serviços e ações em todo o Estado, não dispunha dos recursos necessários e suficientes ao desenvolvimento qualitativo de projetos e serviços.

É verdade que a instituição sempre se ressentiu da falta de um orçamento digno, capaz de dar conta das demandas da população. O acompanhamento dos programas e serviços estava sempre subordinado a essas condições, pois refletia de certa forma, a idéia de que projetos para pobres poderiam ser desenvolvidos com poucos recursos, precisando da colaboração de pessoas sensíveis que estavam à frente das entidades conveniadas, ou por parte do voluntariado.

A LBA – CE, além dos programas mencionados desenvolvia: educação para o trabalho, oferecendo cursos profissionalizantes, formando cooperativas e micro- unidades de produção, dando oportunidade à geração de renda; assistência médica aos usuários com acompanhamento nutricional a crianças, mães nutrizes, distribuição de medicamentos e alimentos prontos, campanhas de vacinação, entre outras; assistência jurídica, desenvolvida junto às entidades conveniadas requerida para adequação legal dos convênios, bem como aos usuários, concedendo-lhes registros de nascimento, atestado de óbito e orientações.

A interiorização atendeu, também, às pretensões dos governantes do período militar, que usaram a expansão dos programas assistenciais como forma de manter- se no poder. Tal expansão abrangeu projetos de massa, como creches-casulo, complementação alimentar, concessão de registros civis e iniciação ocupacional, entre outros (PINTO, 2002).

A LBA (Ceará) introduziu o ”cartão-de-crescimento”120 da criança em articulação com o UNICEF, o soro caseiro e o incentivo ao aleitamento materno expandindo essas ações por meio dos centros regionais e sociais e mobilizando as entidades conveniadas governamentais e não governamentais para se alinhar em ações conjuntas.

Essas ações foram assumidas com muito empenho, criando-se um clima de compromisso social que se expandia para além da LBA. A instituição passou a ser referência na área da saúde do menor, bem como, no que diz respeito ao trabalho com creches. (L 01)

120 O “cartão-de-crescimento” obedece a uma lógica de acompanhamento do crescimento-

desenvolvimento da criança sob os parâmetros idade, peso e altura. A criança que apresentava níveis baixos de nutrição ou crescimento em relação à média prevista passava a receber cuidados especiais até alcançar o ritmo considerado normal.

A participação da comunidade, muitas vezes requisitada nos trabalhos voluntários das mães, significava somar mão-de-obra para colaborar na operacionalização dos serviços, não lhes dando o poder de influir, muito menos, de decidir. Os projetos e programas eram ofertados de cima para baixo, em “pacotes” elaborados, geralmente, pela direção nacional da LBA, com exigências que, muitas vezes, não se coadunavam com a realidade e demandas locais. Assim, as equipes locais da LBA ajustaram medidas, alteraram metodologias e realizaram ações visando a compatibilizá-las à realidade local, pois havia na Instituição uma unidade de pensamento de não deixar voltar recurso destinado ao Ceará, dada a prevalência da pobreza e da miséria da população. Inúmeras ações criativas locais surgiram, o que denotava uma ‘reação silenciosa’ às formas prontas emanadas do Poder central, provocando uma abertura no modo de administrar os projetos. Algumas foram aceitas pela administração superior e apoiadas com recursos financeiros, como no caso das creches comunitárias emergenciais e dos grupos produtivos, que chegaram a exportar seus produtos para fora do País.

No Estado do Ceará, as ações desenvolvidas pela LBA guardavam preocupações com a qualidade dos trabalhos, com o aproveitamento dos recursos em benefício da comunidade e, principalmente, na “década perdida”, a instituição realizou enorme esforço para minorar a situação de miséria do povo, verificado pelo dinamismo que suas equipes profissionais assumiram no combate à fome e à desnutrição no Estado.

A interiorização dos serviços não suscitava a autonomia nem a decisão local; e a inexistência de uma coordenação municipal provocava a sobreposição de projetos e ações, fazendo com que usuários fossem atendidos em várias entidades de assistência no município, enquanto outros não tinham acesso. Não existia um trabalho político que despertasse para o direito; que suscitasse uma vigilância das ações por parte dos usuários. Entretanto, entendemos que o trabalho da LBA, ao lado de outras organizações governamentais e não governamentais, estabeleceu os primeiros alicerces que possibilitaram a desconcentração das ações, de modo que os benefícios e serviços chegassem mais próximos da população.

4.3.1.1 Contribuições da LBA à descentralização da assistência social:

uma elaboração baseada na fala dos servidores

Buscamos nesse estudo apreender a participação da LBA na descentralização por meio das entrevistas semi-estruturadas com servidores e dos documentos, como planos operacionais e regionais, no período de 1993 até sua extinção completa em 1996:

A participação da LBA na descentralização inicialmente, deu-se através das Associação Nacional dos Servidores da LBA e Associação dos Servidores da LBA (ANASSELBA e ASSELBA) na organização e participação em seminários nacionais, regionais e estaduais divulgando a LOAS. (L 02) A LBA adotou um plano de capacitação com três estratégias básicas: preparação dos municípios para criação dos Conselhos Estadual e Municipal; divulgação da LOAS; e implementação do BPC. (L 01)

A LBA participou de vários eventos tais como treinamentos, reuniões com entidades assistenciais promovendo a divulgação da nova política – a LOAS. (L 01 e 02)

Esses depoimentos dos servidores da LBA correspondem aos conteúdos identificados nos planos de ação (nacional) da LBA (1994) e Plano de Ação da LBA Ceará (1994):

Planejar e utilizar instrumentos pedagógicos e técnicos para fazer a LOAS ser reconhecida e assim realizar a transferência de competências e atribuições para o governo do Estado e governos municipais em respeito à municipalização, e, obedecendo aos princípios da “flexibilidade”, gradualidade, respeitando a heterogeneidade, a participação e o controle (BRASIL, MPAS, LBA, 1994).

O papel fundamental da LBA foi aproximar-se das entidades com as quais mantinha convênios e contratos a fim de prepará-las para as mudanças que se aproximavam com a assistência elevada à categoria de política pública. “Prestar

cooperação técnica para implementação do sistema descentralizado e participativo da assistência social” (BRASIL, MPAS/SAS Ofício 846/95).

Inventariamos, a seguir, as ações pró-descentralização nos documentos e nas ‘falas’ dos servidores, que expressam os esforços da Instituição em cumprir a proposta da LOAS:

• mobilização de lideranças comunitárias nos municípios para divulgar a LOAS;