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As Questões de Gênero

No documento Download/Open (páginas 110-121)

O curso de Pedagogia conta com 94,6% de mulheres e o de Psicologia com 85,5% ficando claro que estas são profissões feminilizadas, que evidenciam a necessidade de uma abordagem específica das questões de gênero, o que será feito a seguir. Muitas vezes, durante o curso, há a constituição de uma família, com o nascimento de filhos, como é caso das depoentes Ana e Clara. Entretanto, veremos que também as mulheres solteiras incumbem-se dos trabalhos domésticos além de suas atividades profissionais.

As mulheres que investem na carreira desde o início, são poucas, seja com o preparo profissional, seja com o cultivo de relações sociais que viabilizem o exercício profissional; na verdade, falta-lhes consciência de gênero. Veja os depoimentos a seguir em resposta à questão: “como é que você concilia o trabalho e o estudo?”

Ana/ Pedagogia - É difícil. (...) É muito complicado, então eu tento o máximo, no momento em que estou trabalhando, não me preocupar com minhas outras atividades, até para não atrapalhar no meu trabalho, saindo de lá eu tenho a minha obrigação em casa, que é digamos que até umas 22 horas eu tento organizar uma coisa ou outra, e aí quando eu estou muito cansada eu durmo tantas horas, aí acordo e vou estudar, é na madrugada que eu estudo, que eu desenvolvo os meus trabalhos escolares.

Ana sacrifica seu corpo: o sono, por exemplo, para dar conta de todas as suas funções, enquanto mãe, dona de casa, estudante universitária e trabalhadora. Sobra muito pouco tempo para dedicar-se ao estudo, como vimos no depoimento. Clara afirma que:

Clara/Pedagogia - Assim, então, não tenho muito tempo para dedicar aos meus filhos agora estudando, tem muito... Como é que fala? Assim, muitas aulas, fora (na escola campo), não é? Essas aulas integradoras, projetos; então, se eu for realmente aprofundar mesmo e estudar vou ter que realmente abrir mão da minha família. Até para participar do projeto eu tive que parar mesmo por causa de tempo, e também o meu marido achava que eu estava traindo ele. Não tinha como, tinha que ser fim de semana, tinha que ser sábado, às vezes até domingo, tinha que estar reunindo com as colegas, não é? Então estava prejudicando o outro lado, o lado emocional, não é?

Clara tem dificuldade de se dedicar aos filhos, aos afazeres domésticos e não consegue se envolver nas atividades do curso sente-se pressionada tanto pela família, quanto pelo curso que frequenta. Há neste fato um conflito entre a realidade interna e a realidade externa. Clara deixa as atividades relacionadas à vida matrimonial e maternal suspensas, prejudicando suas relações afetivas, suas emoções, trazendo-lhes cobranças internas e externas.

Nestes dois casos, percebe-se que a sociedade constrói representações sociais de como homens e mulheres devem pensar, agir, sentir. Na construção destas representações do universo feminino, aparecem conteúdos que sustentam as crenças e as suposições fundamentadas em conceitos científicos ligados à procriação. Esta é complementada, simbolicamente, pela prescrição do papel de ser mãe, pela devoção feminina pelos filhos e pelo marido. Neste sentido está expresso o amor e a entrega total, o instinto e sacrifício materno e o cuidado com o casamento. A mulher deve incorporar (in-corporar isto é, deve submeter o seu corpo aos requisitos ditados pela sociedade) as qualidades associadas à feminilidade, como ternura, paciência, acolhimento, maternagem, perfeição, dedicação integral (BRZEZINSKI et al, 2006).

As entrevistadas Marinete e Patrícia explicitam a dificuldade vivenciada pela mulher na conciliação trabalho/estudo/trabalho doméstico, o conflito entre a incorporação do saber e/ou as tarefas domésticas. Percebe-se um consenso de que o trabalho desenvolvido em casa, além de não ser considerado trabalho, é responsabilidade apenas da mulher.

Marinete/ Pedagogia - Eu procuro ajudar [no serviço doméstico]. Sempre que eu estou em casa eu procuro ajudar. Eu ajudo no serviço de casa, na limpeza, aquela coisa toda. Eu sempre procuro ajudar. E reconheço que se a casa fica por conta da minha mãe, também, eu a valorizo.

Quando questionada sobre as obrigações domésticas, Marinete responde:

Marinete/ Pedagogia - Minha mãe, sobretudo assim, ela não cobra, porque ela percebe também o esforço da gente de ajudar em casa financeiramente. E aí o tempo que eu tenho eu procuro ajudar também, [no serviço doméstico]. [...] Meu pai não, [ele acha que devo trabalhar em casa também].

Marinete acredita e explica que o trabalho doméstico é uma atividade feminina e que, apesar de trabalhar fora, ajuda a mãe neste trabalho. Ela valoriza o trabalho da mãe, principalmente porque sabe que ele não é fácil e é pouco valorizado. Ainda fica evidente a prescrição do pai, que não assume qualquer trabalho doméstico, pois são afazeres que a mulher e a filha devem executar.

A construção social dos significados (do trabalho) é situada em circunstâncias sócio- históricas particulares e é mediada pelas práticas discursivas específicas em que os participantes estão posicionados em relação ao poder, de acordo com Foucault (1998).

Patrícia afirma que possui um irmão de quatro anos e que cuida dele, obrigação que pensa ser dela, por ser mulher, como se vê em seu depoimento:

Patrícia/Pedagogia - Eu cuido do meu irmão, porque minha mãe é separada do meu pai, mas a gente vive com meu pai (...). Minha mãe mora em

Goiânia, mas ela tem os problemas dela lá, ela é alcoólatra, e então não deu muito certo o casamento e depois dele [nascimento do irmão], ela voltou a beber, aí a gente preferiu afastar. Meu pai disse: ‘porque a gente já cresceu nisso e a gente não queria isso para ele [irmão]’, aí separou, e ele vive com a gente muito bem, graças a Deus, e até eu, eu criei ele [o irmão] até o meio do ano passado. [...] Aí eu falei para o meu pai – para assustá-lo – que ele ia ter que dar um jeito, pois com o tempo, eu quero arrumar um serviço. Foi quando eu comecei a trabalhar, e ele [irmão] fica no Centro Municipal de Educação Infantil CEMEI.

Patrícia afirma ter convivido com a mãe alcoólatra, mas o irmão não poderia conviver, pois isso constitui um perigo, ou seja, o irmão homem é preservado deste tipo de convivência “prejudicial”, mas ela – mulher – foi exposta a esta convivência. No mínimo esta avaliação foi preconceituosa e machista.

Devido à pressão do pai, Patrícia, com o intuito de conseguir um espaço público para si e dessa forma poder trabalhar fora, em uma atividade com retorno financeiro e mais confiabilidade, afirma ainda que “para dar um susto no pai” começou a trabalhar.

As relações de gênero constituem uma totalidade dialética e as contradições interagem de distintas formas. Essas relações de gênero, dizem respeito ao sexo, ao corpo anatômico organicamente constituído, e nele se inscrevem relações sociais, tanto no plano macro como no micro, entre as pessoas, e por isso é necessário analisá-las para entender esta dinâmica social. “Concepções de gênero, organicamente construídas, inter-relacionam-se dialeticamente, dando, assim, ensejo à superação das contradições nelas contidas através da prática política”, de acordo com Saffioti (1992, p. 193). Isto constitui a razão nuclear para não se distanciar do conceito de poder, pois o pai de Patrícia exige que ela exerça a maternagem sem que seja de fato mãe, apenas porque é mulher. Esta situação é um exemplo de uma das formas concretas de como vão sendo construídas as relações de gênero e, portanto da corporeidade/subjetividade, que dominam nossa vida privada, pública e nossas instituições.

Assim é que, como afirma Almeida Filho (2006, p. 6),

O modo como as mulheres [e homens] vivem o seu corpo, sua sexualidade ou maternidade, maneira como se comportam e pensam o trabalho, a escola, a família, o lazer, os papéis e funções sociais que desejam e se preparam para exercer são concretizados através de modelos e de normas sociais que visam a manutenção da ordem social vigente, na qual os homens não só exercem o poder econômico, político e ideológico, mas o fazem em nome de valores e regras sociais que preservam as diferenças e a dominação masculina e para as quais se monta um enorme aparato institucional com vistas ao controle da sua produção e reprodução.

O trabalho/estudo da mulher, principalmente da mulher casada, aqui o das estudantes do curso de Pedagogia, nas entrevistadas, em sua maioria, apareceu como secundário em

relação ao trabalho masculino. Tal desvalorização do trabalho profissional dessas mulheres, mesmo quando o salário é maior do que o do homem, quer seja pai, quer seja marido, faz parte da representação de que apenas complementam a renda masculina. Essas mulheres são em primeiro lugar mães, e é enquanto tal que exercem uma ocupação, quando necessário. Isto é fundamental para validar sua representação na condição de trabalhadoras secundárias (FERRETTI, 1988). As mulheres, ao conceberem o trabalho fora de casa como ajuda e exceção, deixam de se perceberem como trabalhadoras de fato.

A perspectiva das trabalhadoras/alunas de encararem o “ser trabalhadora” como exceção torna opaca e confusa sua identidade de trabalhadora; é como se fossem apenas “parcialmente trabalhadoras”, um semi-profissional, um ser corpóreo que está sendo, mas não se considera profissional. E assim, a formação profissional é secundarizada e a carreira fica fragilizada.

Encontramos em Marx e Engels (2002, p. XXVIII) já “a primeira divisão do trabalho, aquela [...] existente entre homem e mulher para a procriação”. Segundo Engels, a primeira oposição de classe que se encontra na história coincide com o caráter contraditório atribuído às relações de gênero, ocorrendo entre homens e mulheres no casamento, quando a primeira opressão se instaura, a opressão do sexo masculino sobre o feminino.

Assim assinalamos que as relações sociais de sexo ou as relações de gênero travam- se no terreno do poder, onde tem lugar a exploração dos subordinados e a dominação dos explorados, duas faces do mesmo fenômeno, segundo Saffioti (1992). A mulher, graças ao sistema de representações e de atribuições, ao nascer torna-se um ser submisso à supremacia masculina. É importante sublinhar que se pode atribuir um mesmo estatuto teórico ao conceito de classe social e ao de opressão do sexo feminino pelo sexo masculino, ou seja, há relações sociais de sexo e de gênero.

Sobre a perspectiva do trabalho feminino, é útil analisar os depoimentos de Esmeralda, Marinete e Elizabeth. Esmeralda explica que não gosta do serviço doméstico, mas o divide com sua mãe, apesar de a mãe trabalhar fora:

Esmeralda/Psicologia - Minha mãe é a única que trabalha lá em casa. Trabalho mesmo, de salário e carteira assinada, só minha mãe (...).

Quanto às funções domésticas, Esmeralda explica:

Esmeralda/Psicologia - A gente divide não é?! A gente divide funções. Algumas coisas ela faz. Não que eu não saiba, mas ela tem mais destreza e faz melhor. Então a gente divide. Eu faço muitas coisas em casa, como faço fora também. Então, é dividido, mas ela [a mãe] faz mais.

Marinete vive com o pai e a mãe, trabalha fora, mas tem responsabilidade frente às tarefas de casa. Afirma que:

Marinete/Pedagogia - Eu procuro ajudar. [...] E reconheço o esforço que ela [a mãe] faz para limpar a casa. Minha mãe [...] percebe, também, o meu esforço de ajudar financeiramente, em casa.

Marinete retribui com gratidão e reconhecimento as tarefas feitas pela sua mãe em casa, pois, segundo ela, a mãe percebe a sua contribuição financeira para a família. Este fato parece não ser valorizado pelo pai.

Já o pai de Elizabeth afirma que ela deve investir na carreira de confecção de bijuterias artesanais, atividade que ela já exerce e lhe dá, um certo, retorno financeiro, como ela explica:

Elizabeth/Psicologia - Às vezes, também, meu pai diz que eu podia ter uma banca em uma feira, sabe?! Alguma coisa assim. Expandir mesmo. Aí às vezes eu fico pensando, até penso nessa possibilidade, mas aí eu não sei se é uma coisa assim que eu gostaria de trabalhar e de viver disso. É uma coisa assim, um hobby mesmo pra mim. É uma forma, enquanto eu não estou formada, não estou ganhando dinheiro com a Psicologia e com a música é uma forma de ganhar uma graninha. É a necessidade!... É muito difícil.

Para Elizabeth, trabalho mesmo são atividades que demandam preparo profissional anterior, através de cursos, principalmente o curso superior. Há o constrangimento, de um lado, pelo trabalho que executa e, de outro, resistência à valorização do trabalho feminino pela própria mulher, como ficou explicito nos dois últimos depoimentos acima.

Existe uma dicotomização entre a natureza e a cultura, mas homens e mulheres são prisioneiros de gênero, embora de maneira diferenciada, e não se pode esquecer que são inter- relacionados. Dessa forma, a organização social de gênero afeta os processos e as estruturas psíquicas conscientes e inconscientes, mas o resultado disso não é tranquilo, pois este mesmo padrão dominante traz tensões capazes de minar esta organização social de gênero.

Saffioti (1992) chama a atenção para que, nós, os educadores, não contribuam para incrementar a distância entre as diferenças que separam os gêneros, pois o aumento das diferenças pode obscurecer as identidades de classe, estabelecendo fissuras político- ideológicas nestes agrupamentos verticais, introduzindo cunhas em suas lutas. Este autor assinala também a necessidade de análise concreta dos fatos reais, afirmando que eles podem mostrar como a vivência humana apresenta tanto um colorido de classe quanto de gênero.

Os estudantes de Pedagogia e Psicologia com renda menor ingressaram mais cedo no mercado de trabalho e foram em primeiro lugar trabalhadores para depois serem estudantes, até mesmo porque cursam o ensino privado. O caminho da profissionalização é apontado como necessidade, porém as alunas do curso de Pedagogia colocam a família como questão privilegiada, vindo o curso a ser uma semi-profissionalização. As questões de gênero são mais contundentes para as estudantes casadas.

Por outro lado, constatou-se que os (as) estudantes de Psicologia com renda mais alta podem pensar e realizar a sua profissionalização como um tempo importante de suas vidas, assim como as questões de gênero são minimizadas, dadas às condições concretas materiais. Entretanto, é prudente, segundo Saffioti (1992), não esquecer que as relações sociais e de gênero travam-se no terreno do poder, onde têm lugar a exploração dos subordinados e a dominação dos explorados, duas faces do mesmo fenômeno, que conformam profissionalizações, corporeidades e subjetividades diferenciadas.

É interessante assinalar que Petrelli (1999, p. 51-53), em relação às profissões e aos gêneros, nos alerta que eles não respondem apenas a exigências mercadológicas, mas a valores humanos, o gênero masculino reproduz o homo faber, isto é, produz instrumentos e processos de trabalhos, inventa tecnologia, seja para as mais simples como para as mais complexas operações. Isto exige competência e criatividade do autor no seu próprio fazer. Assim temos que viver e sobreviver no tempo-espaço que ocupamos, participando ativamente de sua organização, como produtores e não só como consumidores de serviços alheios. Somos artífices do mundo da cultura, deixando as nossas obras. O gênero feminino reproduz homo

ludens, dimensão lúdica em que a alegria acompanha a atividade e a atenção está localizada

sobre a ação, intencionando uma competência por si mesma, fora de qualquer concorrência. O ludo deveria ser o “tônus” de qualquer atividade erótica, científica e estética, acompanhada de originalidade e a criatividade. Há também, o homo eroticus que se constitui em o prazer no desejo do outro e o outro, razão e ator do meu desejo. O erotismo é aquela conjunctio

animarum (união das almas) que alimenta a conjunctio corporum (união dos corpos). O Eros

acompanha todas as idades, tem sua forma própria de se expressar, no ludo, na arte e até na mais pura mística. A escolha da profissão, não podemos esquecer, é também motivada e mobilizada por estes valores humanos, de um humanismo ontológico. O que significa dizer que as escolhas são também orientadas por questões ontológicas, que incluem, é claro, todas as questões de classe, de gênero, o lúdico, o erótico, de que participam o ser humano encarnado.

SILENCIAMENTOS E FRACIONAMENTOS CORPO/MENTE

Ao longo da história, os indivíduos fazem determinados usos de seus corpos, de tal modo que mostram a marca que a estrutura social lhes imprime, direta ou indiretamente, sobre a sua própria estrutura individual, sobre a forma do psíquico, do físico e do coletivo como algo único.

Os corpos foram e são objeto de atenção não apenas na escola mas em várias instâncias sociais. São o alvo central de muitas pedagogias culturais que, além das instituições escolares, e por vezes de forma sedutora e eficiente, acabam por produzir os sujeitos sociais. Com um olhar mais atento, pode-se ver que os processos educativos estiveram e ainda estão preocupados em vigiar, controlar, corrigir, modelar os corpos de meninos, meninas, jovens, homens e mulheres, de acordo com Louro (2003).

A educação do corpo na escola percorre múltiplos caminhos e elabora práticas contraditórias, ambíguas e tensas. A escola prescreve, dita normas e formas de contenção, até mesmo, das necessidades fisiológicas, contrariando a “natureza”.

Concordamos aqui com Breton (2006) quando afirma que a corporeidade humana é um fenômeno social, cultural, [econômico e político] e, como tal, as ações que tecem as contradições cotidianas, das mais simples às mais complexas, envolvem a mediação da corporeidade. Até mesmo o uso do corpo físico do homem depende de um conjunto de sistemas simbólicos, de onde nascem e se propagam as significações da existência tanto individual quanto coletiva.

O corpo é uma realidade mutante de uma sociedade para outra: as imagens que o definem e dão sentido à sua extensão invisível, os sistemas de conhecimento que procuram elucidar-lhe a natureza, os ritos e símbolos que o colocam socialmente em cena, as proezas que pode realizar, as resistências que oferece ao mundo, são incrivelmente variados (BRETON, 2006, p. 28).

Muitas são as sociedades, muitas também são as representações e as ações que se apóiam nesta percepção de corpo. Assim, a tarefa da sociologia, segundo Breton (2006), é compreender a corporeidade enquanto estrutura simbólica, destacando as representações, os simbolismos, as estruturas imaginárias que aparecem em cada sociedade.

Na atualidade o corpo se revela não só enquanto componente orgânico/físico, mas também social, psicológico, filosófico, educacional, científico e até mesmo tecnológico e vai sendo construído no cotidiano, nas relações de produção e de troca, e assim vai se transformando.

Para Merleau-Ponty (1996, p. 122), “o corpo é o veículo do ser no mundo, um corpo é, para o ser vivo, juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar- se continuamente neles” isto implica uma visão relacional-dialética do corpo, que internaliza os efeitos dos próprios processos que o criam, ao mesmo tempo em que estes processos são criados por ele.

Nesta mesma linha de pensamento, Harvey (2009, p. 137) explicita que “o conjunto de atividades performativas disponíveis ao corpo num dado momento e lugar não é independente do ambiente tecnológico, físico, social e econômico em que esse corpo tem seu ser.” Assim, o corpo traz a marca do tempo e do espaço em que está inserido e das atividades que exerce como, por exemplo, o corpo do professor trás uma tipologia, uma postura corporal, um modo de vestir, um olhar, um modo de prestar atenção, de analisar, de avaliar e até mesmo as reações psicossomáticas do exercício da sua profissão.

Continuando, Harvey (2009, p. 137) afirma que “também as práticas representacionais que operam na sociedade moldam o corpo” e as formas de vestir, de cuidar de si e de pensar o corpo, propõem sentidos simbólicos que são apreendidos por este sujeito. Como exemplo, pode-se citar a vestimenta branca do psicólogo ao atender o cliente no hospital ou na clínica, que o diferencia do cliente. Como bem explica a depoente Priscila (p. 136) em resposta a mudanças ocorridas a partir do curso de psicologia.

Foucault (1979, p. 147) trabalha a questão do corpo-poder e afirma que:

Nesse sentido o poder não se restringe à consciência, às idéias, mas também ao corpo, aos efeitos que provocam nele, não apenas por meio da censura velada, do recalcamento, mas da influência que exerce sobre o próprio desejo desse corpo, como também em nível do saber.

O poder, para Foucault, não deve ser entendido como uma “ideia” ou uma “identidade teórica”, mas como exercício, como prática que só existe na sua “concretude”, multifacetado e no cotidiano. O poder não atua só no exterior, mas trabalha o corpo dos homens, manipula seus elementos, produz seu comportamento, enfim, fabrica o tipo de homem necessário ao funcionamento e à manutenção da sociedade industrial capitalista. O

corpo só se torna força de trabalho quando manipulado pelo sistema econômico e político de dominação característico do poder disciplinar44 e do bio-poder45.

O processo educativo, ao formar/profissionalizar para o trabalho, tem por objetivo uma formação que prepare para a utilização dos conhecimentos, das tecnologias e das técnicas que correspondem às necessidades das relações sociais de produção de cada tempo histórico. Nesse processo educativo são construídos conhecimentos, universos simbólicos e

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