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O Poder de Escolher

No documento Download/Open (páginas 30-35)

O homem tem a capacidade de transcender sua realidade por meio da escolha, da busca de realização. Neste caso, a liberdade13 seria a condição que usufruímos quando nada oprime ou impõe resistência aos nossos projetos humanos.

Ainda que para Sartre (1999, p. 596-597), o homem esteja condenado a ser livre, porque não se criou a si mesmo, no entanto, é livre, e uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo que faz. O homem não pode ser ora livre, ora escravo. Ele é totalmente e sempre livre ou não. “De fato, somos uma liberdade que escolhe, mas não escolhemos ser livres: estamos condenados à liberdade”. Liberdade é essencialmente capacidade de escolha. Onde não existe escolha, não há liberdade. O homem convive permanentemente preso a sua escolha; ele não é livre para deixar de sê-lo. Sartre levou essa concepção ao ponto limite.

13 Este termo tem três significados correspondentes a três concepções: (1) liberdade como autodeterminação ou

autocausalidade, segundo a qual a liberdade é ausência de condições e limites; (2) liberdade como necessidade, que se baseia no mesmo conceito precedente, a autodeterminação, mas atribuindo-a a totalidade a que o homem pertence (Mundo, Substância, Estado); (3) liberdade como possibilidade e escolha, segundo a qual a liberdade é limitada e condicionada, isto é finita (ABBAGNANO, 1998, p. 605-606).

A liberdade é a escolha incondicional que o homem faz de seu ser e de seu mundo, de acordo com Sartre (1999). Assim, conformar-se ou resignar-se é uma decisão tão livre quanto não se resignar nem se conformar com as situações dadas. Ou seja, coloca-se em relação à facticidade14. As condições impostas pela facticidade conjugadas ao significado dado pela liberdade é que se combinam para criar a situação.

O ato livre é, necessariamente, um ato pelo qual o homem deve responder e se responsabilizar. Porque sou livre tenho de assumir as consequências de minhas ações e omissões. Coelho (1999, p. 86) esclarece:

Mesmo nas situações mais difíceis e aparentemente sem saída, a liberdade não desaparece, continuando sempre possível a transcendência, a emancipação. Liberdade radical, ‘responsabilidade total’, pois cada ato vai definindo nosso ser, nossa essência, além de envolver e compreender os outros homens.

Outra concepção de liberdade, diferentemente da de Sartre, não a coloca no ato da escolha realizado pela vontade individual, mas na atividade do todo do qual os indivíduos fazem parte. O todo ou a totalidade pode ser a natureza, como para Espinosa, ou a cultura, como para Hegel, ou uma formação histórico-social, como para Marx, como explica Chauí (1997): liberdade não é alguma coisa dada, mas resulta de um projeto de ação. Concorda-se com Chauí, Duarte e Marx que liberdade é uma árdua tarefa cujos desafios nem sempre são suportados pelo homem, daí resultando os riscos de perda de liberdade quando o homem se acomoda não lutando para obtê-la. Para Duarte (2004), no marxismo a liberdade do gênero humano só será alcançada pela superação da divisão espontânea do trabalho, da organização espontânea da liberdade.

Marx tinha clareza de que enquanto continuassem a existir as relações sociais de exploração, enquanto a maior parte da humanidade vivesse sob o jugo espoliador de uma classe dominante, tanto os conhecimentos quanto as escolhas estariam associados a este tipo de dominação. Enquanto a sociedade continuar a ser presidida pelas relações sociais alienadas e opressoras, e em conseqüência a vida cotidiana da grande maioria das pessoas continuar essencialmente fetichista, não ocorrerá um processo de escolha genuíno e consciente.

14 A facticidade, segundo Heidegger, é o que caracteriza a existência como lançada no mundo, ou seja, à mercê

dos fatos, ou no nível dos fatos e entregue ao determinismo dos fatos. (...) De modo análogo Sartre deu o nome de facticidade ao fato da liberdade, ou seja, ao fato de que a liberdade não pode não ser livre e não pode não existir: nesse caso liberdade identifica-se com necessidade do fracasso. (ABBAGNANO, 1998, p. 424). O corpo é facticidade no sentido de estar lá com as coisas. Mas nunca é facticidade pura, pois é acesso s coisas e a ele mesmo.

Estamos diante de posições divergentes, na primeira destaca-se a autonomia do indivíduo e sua capacidade de determinar os rumos do processo educativo; na segunda, evidenciam-se as determinações sociais da educação, considerando-as individuais, inteiramente condicionados por essas determinações. Deve-se esclarecer que aqui se propõe uma análise dialética dessa realidade, da relação recíproca entre ambos os aspectos considerados, tal qual proposto por Saviani (2004), que tanto leva em consideração as determinações sociais da educação quanto a possibilidade da autonomia do individuo até certo ponto e sua capacidade de determinar os rumos de seu processo educativo.

Na terceira posição, a liberdade é um ato de decisão e de escolha entre várias possibilidades. Todavia, não se trata da liberdade de querer, mas de fazer. As escolhas são condicionadas pelas circunstancias econômicas, históricas, culturais e psíquicas em que o ser humano esta situado. Nesta concepção, há a possibilidade objetiva, o possível, aquilo que é criado pela nossa própria ação. “A liberdade é a consciência simultânea das circunstâncias existentes e das ações que, suscitadas por tais circunstancias, nos permitem ultrapassá-las”, ou não segundo Chauí (1997, p. 362-363). Os alunos de pedagogia e de psicologia também tiveram o seu ato de escolha do curso circunscrito às condições concretas materiais acima mencionadas.

No caso aqui considerado, em vez de decidir entre duas proposições excludentes, a saber: “ou os homens determinam as circunstâncias ou os homens determinam as circunstancias ao mesmo tempo em que são determinados por elas. Em vez do pensar formal, esta é a forma dialética de pensar. É este o método de Marx” (SAVIANI, 2004, p. 26).

A realidade material de hoje tem por base o capitalismo, em que Marx interpreta os fenômenos como fenômenos sociais totais, nos quais se sobressaem o econômico e o político como manifestações mais importantes e inter-relacionadas das relações entre pessoas, grupos e classes sociais (IANNI, 1979).

Neste sentido, para apreender o indivíduo, do ponto de vista do marxismo, tem-se de analisá-lo em termos concretos, considerá-lo nas suas múltiplas determinações, na síntese de relações sociais, tese assim enunciada por Marx e Engels (2002, p, XXIV): “o homem é o conjunto das relações sociais”. A definição de homem como conjunto das relações sociais indica que o indivíduo se põe, na concepção marxista, como um sujeito histórico e social, ou seja, só pode constituir-se como homem e, dessa forma, como sujeito de seus próprios atos, nas relações cotidianas com outros homens. Assim a questão da subjetividade se manifesta como indissociável da intersubjetividade.

Ao pensar a individualidade na tradição marxista é impossível concebê-la deslocada das relações sociais de produção da existência. Marx e Engels, no livro Ideologia Alemã, fazem referência a três pré-requisitos para compreender a relação indivíduo/coletividade: os indivíduos reais, sua atividade e suas condições materiais de vida (MARX & ENGELS, 2002) e estes três pré-requisitos condicionam a individualidade humana. Nesta perspectiva, “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (MARX, 1996, p. 21).

Para isto deve-se refletir sobre o indivíduo concreto, o que significa considerá-lo um “ser-no-mundo”, síntese de múltiplas determinações, de relações sociais que são relações históricas. A história se processa por meio das ações dos indivíduos reais. Cada época e cada classe social forma os homens de uma determinada maneira, mas estes homens não são iguais em suas capacidades e possibilidades. Assim, para compreender esta relação entre objetividade e subjetividade, entre indivíduo e sociedade, é necessário compreender os tempos, os ritmos, as simbologias dos indivíduos que se articulam, as formas como as sociedades produzem e sua existência material.

De acordo com Cheptulin (1982), os homens são todos diferentes uns dos outros, mas ele distingue a “diferença real” da “diferença essencial”. A diferença real diz respeito às personalidades, aos gostos, que não se originam apenas de fatores orgânicos, da consciência do indivíduo isolado e das relações concretas vividas pelo sujeito. Já a diferença essencial se refere a estágios de alienação15, de estranhamento entre os sujeitos, estando articuladas às diferenças de classe e também ao lugar que o indivíduo ocupa na produção coletiva. Entre as diferentes escolhas que os sujeitos realizam ao longo de suas vidas, uma delas é a sua própria

15 As cláusulas do “contrato social”, na concepção de Rousseau (1712-1778), reduzem-se a uma só: “a alienação

total de cada associado com todos os seus direitos a toda comunidade” (Do Contrato Social, I, VI). A partir de Marx (1818- 1883), vários enfoques têm tido o tema da alienação, quer sob o prisma da economia, quer sob o da antropologia. Às interpretações do marxismo-leninismo dos primeiros tempos, sucederam-se as dos revisionistas do marxismo na Polônia, na Hungria, na Tcheco Eslováquia, na Iugoslávia. Com a problemática dessa mesma questão preocuparam-se o belga Henri de Man (1885-1953), o italiano Gramsci (1891-1937) e os franceses Sartre (1905-1980) e Merleau-Ponty (1908-1961), entre tantos outros. O que Marx escreveu sobre alienação acha-se esparso em sua obra, tendo os trabalhos da primeira fase, só publicados muitos anos depois da sua morte, contribuído para maior esclarecimento dessa teoria. A seu ver, o homem, nas condições em que tem vivido, não pode dispor livremente de sua pessoa, da natureza, da cultura, da arte, dos prazeres, em virtude da própria estrutura social que o torna, assim, um alienado de si mesmo. Da alienação econômica resultante da transferência do fruto do trabalho do operário para o patrão derivam as demais alienações: a religiosa (com a expectativa da felicidade eterna como lenitivo para as injustiças terrenas, de onde vem a expressão “a religião é o ópio do povo”), a política (o poder é um mero instrumento de domínio das classes inferiores) e a classe social (as classes são marginalizadas por efeito do domínio dos mais fortes) (SOUSA; GARCIA; CARVALHO, 1998, p. 14).

forma de educação, ou seja, o curso superior, entretanto só podem fazer esta opção cerca de 10% dos jovens brasileiros. Os demais são alijados economicamente desta possibilidade.

Aqueles jovens que podem cursar o ensino superior ainda têm de escolher entre os cursos de licenciatura (Letras, Pedagogia, Historia, Geografia, Matemática, Física, Química, Filosofia) com em média três a três anos e meio de duração, que são ainda os mais em conta financeiramente, e o bacharelado (Psicologia, Sociologia, Economia, Medicina, Serviço Social, Enfermagem, Administração, Direito) com em média cinco anos ou mais de duração, sendo cursos mais caros e que exigem tempo integral ou quase integral de dedicação.

Como se pode constatar, a escolha do curso está circunscrita à classe social à qual o sujeito pertence. Neste sentido, os alunos dos cursos de Pedagogia e Psicologia também escolhem segundo sua classe social e poder aquisitivo, por isso a questão da classe é essencial, uma vez que não se trata de uma identidade construída pelo sujeito. Ainda assim os indivíduos reais são classificados, julgados, rotulados por uma série de fatores: gênero, geração, cor da pele, opção sexual, diferenças reais, mas que não são essenciais na lógica do capital para a organização da vida, pois no nível da produção/reprodução do capital e do consumo (distribuição da riqueza material e imaterial) não é, por exemplo, o fato de ser branco ou negro que determina o acesso aos bens de consumo, mas a própria possibilidade de produzir e consumir.

Nas sociedades capitalistas, as contradições que interferem na construção das diferenças essenciais são várias, podendo-se citar a contradição capital/trabalho; produção coletiva/apropriação individual, entre outras.

Para Ianni (1979, p. 8), no capitalismo, “os antagonismos fundados nas relações econômicas adquirem preeminência sobre todos os outros, enquanto determinação estrutural”. Assim, em cada época as determinações econômicas interferem, de modo diferente, na vida de cada um, nas suas relações com as pessoas e com as coisas. Continuando, Ianni (1979, p. 8) afirma que, “em essência, o capitalismo é um sistema de mercantilização universal e de produção de mais-valia. É ele que mercantiliza as relações, as pessoas e as coisas ao mesmo tempo, pois mercantiliza a força de trabalho, a energia humana que produz valor”. Dessa forma, mercantiliza a força de trabalho das pessoas, transformando-as em mercadoria.

O valor de troca da força de trabalho do professor (cursou licenciatura), e principalmente do pedagogo, que tem sido preparado para trabalhar na educação infantil e no ensino fundamental, corresponde a um salário cuja variação encontra-se entre R$ 900,00 e R$ 1500,00, por quarenta horas de trabalho, semanais. Já com relação aos psicólogos, apesar do grande leque de especialização, a clínica tem sido a primeira escolha, pois, além de status,

possibilita ser profissional liberal e cobrar de R$ 30,00 a R$ 200,00 pela hora de trabalho. Se se levar em consideração as condições concretas do professor, ele é um trabalhador, mas, muitas vezes, acredita que poderá ser um profissional liberal. Levando em conta o piso salarial de R$ 900,00, ele receberá cerca de R$ 22,50 bruto, por hora, fora os descontos e os impostos.

Na mercantilização da força de trabalho, essas relações surgem como sistemas de relações antagônicas/contraditórias. Nisto se funda o caráter essencial do regime capitalista: seus componentes mais característicos – a mercadoria força de trabalho que produz mais-valia e o operário e o capitalista produzem-se, desde o princípio e se reproduzem antagonicamente, de acordo com Ianni (1979).

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