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PARTE I – MARCO TEÓRICO

CAPÍTULO 1. O CONSUMO DE ROUPAS

1.1. As questões do gênero

Antes de discorrermos sobre a roupa e seus diferenciais por gênero, faz-se necessário distinguir as definições entre sexo e gênero. Gonçalves (2012) defende que sexo e gênero são categorias distintas: sexo se refere a um atributo físico de perfil anatômico e biológico, enquanto o gênero está ligado aos papéis atribuídos cultural e socialmente para cada um dos sexos, existindo assim uma diferença sociocultural entre homens e mulheres e não apenas biológica.

A partir dessa definição, Scott (1990) e Stoller (1993) defendem o conceito de

identidade de gênero, descrevendo-a como um conjunto de características construídas social e culturalmente que definem quais são os comportamentos, atitudes, gestos, modos de falar, agir e se vestir para homens e mulheres, sendo considerado um comportamento psicologicamente motivado (Stoller, 1993).

Bergamo (2004) defende que uma das distinções mais óbvias entre os gêneros é a forma de se vestir. Para o autor, o mercado da moda se diferencia mais fortemente na questão do gênero, independentemente de classe ou grupo social. O discurso, assim como a roupa, traduz uma determinada concepção de ordem social, entendida como natural pelas pessoas que estão inseridas no contexto.

Um dos pontos centrais para essa distinção está na segmentação do mercado, como as publicações e desfiles de moda, mesmo existindo outras caracterizações como idade (e.g.,

crianças e adolescentes) ou poder aquisitivo, nenhuma possui um caráter universal e inquestionável como o gênero (Bergamo, 2004).

Pomerleau, Bolduc, Malcuit e Cossette (1990) afirmam que as diferenciações são ensinadas desde os primeiros momentos da vida com a escolha das roupas, acessórios e brinquedos para meninos e meninas. Eles analisaram o ambiente físico de 120 crianças entre 5 e 25 meses de idade e notaram que aos meninos foram fornecidos equipamentos esportivos, ferramentas, veículos, chupetas e cortinas azuis e suas roupas eram predominantemente azul, vermelho e brancas. Os brinquedos das meninas eram bonecas, personagens fictícios, mobiliários, as suas chupetas eram rosa, as roupas cor de rosa e colorida com a presença de acessórios como jóias. Em ambos os casos, as mulheres eram as maiores provedoras desses materiais. A partir dessas constatações, os autores defenderam que as diferenças de gênero na infância impactam o desenvolvimento de habilidades específicas e atividades preferenciais nas crianças.

Dentro da mesma perspectiva de uma pedagogia social para a formação de uma

identidade de gênero, Souza e Simili (2013) analisaram o livro infantil Moda: uma história para crianças (Schilter & Canton, 2008) e defenderam que as definições do vestir-se masculino e feminino foram se formando a partir da história da roupa, sugerindo que no guarda-roupa histórico do livro encontram-se os indícios de como as concepções de gênero estão fortemente ligadas à moda e à forma de vestir-se, diferenciando, assim, o vestir-se masculino do feminino, relacionando-o com as características e papéis sociais.

Louro (2008) e Andrade (2003) advertem que a formação dos gêneros, das sexualidades e consequentemente dos comportamentos de consumo, é promovida por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais, como escolas, grupos sociais e religiosos, mídia, literatura, cinema, arquitetura, brinquedos, formas de arte etc., que ensinam modos de viver, ver, comportar-se, vestir-se e consumir. Soares (2003) acrescenta a educação

do corpo a esse conjunto de instâncias, afirmando que na “modelagem” social desse corpo as

roupas constituem-se um instrumento pedagógico que promovem os modos de vestir e o adestramento do feminino e do masculino.

Lipovetsky (1989) defende que uma das distinções básicas para as roupas entre os gêneros está na valorização de partes específicas do corpo. Assim, as roupas têm o objetivo de guiar o olhar, com vistas a jogos de sedução e encantamento entre uns e outros. O autor lembra que um dos momentos primordiais das diferenciações entre as roupas foi a criação, entre o fim do século XIV e durante o século XV, do gibão de couro curto para os homens, que destacava o tórax, e os calções longos, apertados nas pernas e com braguilhas que destacavam as formas fálicas.

Para as mulheres, os destaques eram para os ombros e colo, por meio dos decotes, e ainda a valorização dos quadris com a introdução do espartilho, que destacava a região, afinava a cintura e erguia o colo (Lipovetsky, 1989). Condizente com essa visão, Souza e Simili (2013) e Hollander (1996) defendem uma cultura heteronormativa da roupa, em que o

vestuário faz parte de um “dueto” entre homens e mulheres que se apresentam no mesmo

espaço social.

Garboggini (2005), analisando as questões de gênero na publicidade impressa de duas revistas semanais, sendo uma francesa e outra brasileira, verificou que existe um apelo à sensualidade e ao erotismo, tanto feminino, como nos novos tipos de representação da masculinidade. Para ele, a sexualidade se apresenta como uma herança imaterial, por meio de hábitos corporais, crenças, categorias de percepção, apreciação, interesses e gostos, que se materializam pelas diversas maneiras de ver, dizer, sentir e de agir.

Apesar do aporte teórico, que determina a preponderância do gênero nas questões relacionadas à roupa, alguns estudos começam a desconstruir esses delimitadores de gênero quanto à roupa. Hollander (1996) já defendia que chegará um tempo em que a sexualidade e o

gênero não serão mais divididos em duas categorias distinguidas pelo modo de vestir, o que significa a desconstrução de padrões histórica e culturalmente estabelecidos.

Calanca (2008) afirmou que a minissaia representou uma ruptura na determinação histórica do vestir-se feminino, pois quebrou a ordem tradicional do que devia ser exposto e do que devia ser escondido. Para ela, a utilização da minissaia representou uma libertação feminina em oposição ao modelo tradicional.

Novelli (2011), ao analisar a revista Vogue Brasil do período de 2000 a 2001, descobriu que existe um movimento de desconstrução de identidades e práticas globais de gênero na moda, identificando novas formas de subjetividade, subversões, inversões e expressões de gênero no atual contexto brasileiro. Para a autora, essas mudanças são decorrentes de fatores históricos como os movimentos feministas, LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) e o crescente interesse metrossexual masculino (Frith & Gleeson, 2004). Porém, ela destaca que o atual cenário é bastante marcado pelo padrão ideal de

“beleza-magreza-juventude”.

Batista e Rocha (2009) e Melo e Rocha (2011) apresentaram também o descontentamento das mulheres maduras, com idade acima de 50 anos, frente ao atual modelo de consumo de roupas, que tem se estabelecido por questões de marcas e influência de celebridades, características que são pouco significativas para essa faixa etária. A pesquisa revelou que essas mulheres dão importância às cores, durabilidade e facilidade na manutenção das peças de vestuário. Outra reclamação diz respeito ao tamanho e ao estilo das roupas, que não atendem aos padrões corporais e comportamento desse público.

Apesar das mudanças sociais relatadas, os pesquisadores da área de consumo de moda (Costello, 2004; Freitas, 2008; Levi, 2006; Miranda, 2008; Monteiro, 2006; Swain, 2001) e comportamento do consumidor (Lee & Burns, 1993, McCracken & Roth, 1989, Solomon, 2011, Solomon & Schopler, 1982, Thompson, 1996) destacam que, na questão de gênero, a

mulher é a grande responsável pelo segmento de moda e vestuário, definindo os padrões do seu próprio vestir e também orientando toda a família, como marido e filhos, sendo ela o foco de mercado para as propagandas, revistas e novidades da área, e sendo a maior influência para a indústria cultural da moda.

Na defesa do uso de amostras de mulheres para pesquisa no segmento de roupas e moda, Miranda (2008) relata a pesquisa de Solomon e Schopler (1982), mostrando que as mulheres são mais envolvidas com o vestuário do que os homens, sendo que a relação entre a autopercepção pública e a dimensão relativa ao vestuário é mais forte para o sexo feminino. Elas também são melhores para entender a sintaxe do código do vestuário (McCracke & Roth, 1989) e ainda existe uma construção histórica da relação entre as mulheres e a moda, que em alguns casos é usada como aparato para a construção social da feminilidade (Strey, 2000; Lipovetsky, 2008). Monteiro (2006) afirma que as mulheres apresentaram maiores tendências à compra compulsiva, inovação em moda e hábitos de moda quando comparadas aos homens. Em resumo, pode-se defender que, no geral, as mulheres são mais suscetíveis às mensagens do segmento de roupas do que os homens (Thompson, 1996).

Considerando este referencial, a presente tese analisará a existência de diferenciação entre homens e mulheres na avaliação das variáveis relacionadas às roupas e das variáveis mercadológicas frente ao consumo destes produtos, para isso faz-se necessário um melhor detalhamento sobre estas últimas categorias, sendo mais preciso sobre o diferencial da força da marca (Brandy Equity) e da influência publicitária.