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As redes de políticas públicas como abordagem metodológica

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Capítulo I – A tradução do tratado internacional do Controle do Tabaco para o Brasil:

1.5. As redes de políticas públicas como abordagem metodológica

Os debates acerca de políticas públicas e seus determinantes sociais e políticos, no Reino Unido, têm dado maior relevância às “redes sociais” por meio das noções de policy networks (redes de políticas públicas) e policy community (comunidades de política). Tal ênfase parte de um contexto em que o Estado tem se modificado em decorrência das crises econômicas geradas pelos processos de globalização, tornando-se menor e mais fragmentando, e a sociedade, em contrapartida, tem aumentado seu grau de complexidade (ROMANO, 2009).

Algumas das mudanças importantes para a formulação de políticas públicas ocorridas na sociedade que são apontadas por Kenis e Scheneider são a multiplicação de atores organizados, a transnacionalização de políticas públicas, a descentralização e fragmentação do Estado, o aumento da importância de atores privados nas ações públicas (ROMANO, 2009).

Para Romano (2009) o crescente número de atores envolvidos na discussão de políticas públicas faz com que seja necessária a análise de suas organizações, tal como, torna necessário a análise da ação pública como ação coletiva. Nesse sentido as redes de política pública se constituem em uma resposta ao estudo da ação pública e das interações entre os diferentes agentes do Estado e o grupos de interesse. A crescente complexidade da sociedade faz necessário que o estudo de políticas públicas não priorize somente o governo e seus instrumentos e sim, considere os diferentes grupos e redes que influenciam a ação governamental.

O Estado, para este enfoque, é segmentado em setores ou agências, aos quais se constituem como atores poderosos, no entanto não são considerados acima da sociedade, sua ação é considerada agindo juntamente com outros processos de elaboração e implementação de políticas. Esta visão de Estado pode levar a duas maneiras contrastantes de orientar as pesquisas,

uma considera a perda de espaço do próprio Estado na sociedade e a outra, ao contrário, considera as redes como parte das estruturas constituintes dos Estados. O enfoque das redes de

políticas, ressaltam o papel do Estado na estruturação das próprias redes na sociedade

(ROMANO, 2009).

As redes seriam o resultado da cooperação mais ou menos estável, não hierárquica entre as organizações que se conhecem e se reconhecem, negociam, trocam recursos e partilham, em medida variável, de normas e interesses. (…) Nas redes, as regras institucionais, os modos operativos que derivam das instituições de que elas são portadoras estruturam a interação entre os atores de uma política pública. Mais ou menos abertas, mais ou menos institucionalizadas, mais ou menos integrada, as redes de políticas podem tomar forma de redes pontuais laxas ou de comunidades de política pública fechadas, estáveis e integradas que se constituem numa forma de coação mais poderosa na definição e implementação de uma política (HASSENTEUFEL, 1995: 106

apud ROMANO, 2009: 103)

Acrescentamos a esta definição, que no interior de uma rede pode haver disparidade de força entre os atores, haja vista as diferenças de domínio econômico e legitimidade sociopolítica entre eles. Assim, no interior de uma rede podem existir atores mais influentes que outros, em outras palavras, atores estratégicos que organizam a rede e tornam os demais dependentes.

Para Hassenteufel (1995) os diferentes tipos de rede apresentam um continuum entre dois pólos, onde em um pólo estão as “redes temáticas” (issue networks), onde existe um número maior de participantes e os interesses representados são diversos, onde a hierarquia é ausente e os conflitos são frequentes; e em outro pólo as “comunidades de política” ( policy comunity), onde o número de participantes é limitado, alguns são excluídos a priori visando a eliminação de conflitos, os interesses defendidos, normalmente, são econômicos, a hierarquia é importante e o consenso prevalece.

Segundo Hassenteufel (1995) a abordagem de redes para o estudo da ação pública recupera os atores coletivos e a mudança na sua configuração, para ele isso trás três conseqüências:

1 – Coloca em um mesmo plano analítico os atores estatais e não estatais. Faz um retorno ao Estado já que para o pluralismo e para o neocorporativismo é central os grupos de interesse. Além disso, o Estado não é mais visto como uma entidade abstrata, de maneira monolítica ou homogênea e sim como uma entidade fragmentada, com atores estatais concretos (ministeriais, administrativos, comissões, etc) onde as diversas divisões podem gerar disputas entre os atores devido suas funções (deliberativa, regulatória, etc) ou então por terem objetivos e estratégias

divergentes. Assim podem ocorrer conflitos pelo fato dos diferentes atores perseguirem objetivos ou estratégias distintas (HASSENTEUFEL, 1995);

2 – Acontece uma ruptura com a visão linear e sequencial da análise de políticas públicas sugerida por Charles Jones (1970) (emergência do problema, introdução na agenda, formulação de soluções, decisão e início da implementação). Aqui predomina a abordagem de políticas pela base (botton up) e não pelo alto (top down). Nesta abordagem, a fase de início da implementação, onde decisões são tomadas, é priorizada. Além disso, é necessário estudar as interações entre os múltiplos atores pertinentes, assim como suas estratégias, representações e constrangimentos, tendo em vista que a ação pública não é resultado de encaminhamentos lineares e sequenciais e sim é consequência da interação entre os diversos atores envolvidos. (HASSENTEUFEL, 1995); 3 – A terceira consequência é uma visão de maior complexidade do setor público, uma interrogação sobre a visão setorial, sendo que várias redes são formadas em torno do que se chama de setores (p. ex. Política industrial, política, agrícola, política de saúde). Desta maneira, a visão da fragmentação do Estado é acentuada, ressaltando as diferenças inter e intra-setoriais e decompondo as políticas públicas a partir dos atores. Tal fragmentação é resultado da presença de grande pluralidade de atores estatais que concorrem entre si com seus diferentes objetivos e estratégias (HASSENTEUFEL, 1995).

Para Romano (2009) o Reino Unido é um dos principais espaços onde o debate acerca dos

policy networks tem se desenvolvido. As principais influências nesse debate provêm de Jordan

(1990) por um lado e de Rhodes (1990) por outro. O primeiro dá maior ênfase às relações entre indivíduos de grupos de interesse e de administrações governamentais que fazem parte da base de um governo intermediário. O estudo com base nesse olhar deveria desagregar a decisão política em subsistemas onde interagem os grupos de interesse, os agentes do governo e os parlamentares. Por este olhar, o conjunto das decisões desse sistema constitui a política pública (ROMANO, 2009).

O segundo dá ênfase as relações entre instituições e não entre os indivíduos presentes nessas instituições; se inspira nos trabalhos acerca de relações inter organizacionais. Seu modelo de redes é baseado em cinco proposições:

toda organização é dependente de outras organizações, no que se refere a seus recursos; para conseguir seus objetivos, as organizações devem intercambiar seus recursos; ainda que a tomada de decisões de uma organização esteja sempre sujeita aos constrangimentos de outras organizações, a “coalizão dominante” guarda uma margem

de manobra própria; a coalizão dominante implementa estratégias dentro das regras do jogo, a fim de regular o processo de intercâmbio; as variações de grau de margem de manobra dependem dos objetivos e do potencial relativo de poder das organizações presentes; esse potencial relativo de poder depende dos recursos de cada organização, das regras do jogo e do processo de intercâmbio entre as organizações (RHODES, 1981: 98 apud ROMANO, 2009: 109)

Para Rhodes e Marsh (1995) as redes de ação pública se caracterizam como um agrupamento ou complexo de organizações ligadas por dependências, em torno de recursos que se distinguem de outras redes pela diversidade na estrutura dessa dependência. Para ele estas redes ou complexos formam um continuum que ele classifica em cinco tipos ideais, parte da “comunidade de política pública e/ou comunidade territorial”, “rede profissional”, “rede intergovernamental”, “rede de produtores” e chega a “rede temática” (ROMANO, 2009).

A “comunidade de política pública”, de um lado, caracteriza-se por forte integração e estabilidade nas relações, seleção permanente de membros, interdependência vertical baseada na divisão de responsabilidades e articulação horizontal limitada. Já as “redes temáticas”, por outro lado, caracteriza-se por um grande número de participantes com um grau limitado de independência, estrutura atomizada, o que dificulta a estabilidade e continuidade nas políticas (ROMANO, 2009).

Para a explicação da relação entre a forma da rede e a forma da política pública, ou então da relação entre a mudança da política pública e mudança da rede é necessário uma análise “por

meio de uma perspectiva comparativa que permita relacionar as diferenças de políticas públicas com as distinções na estrutura das redes de política”(HASSENTEUFEL, 1995: 101 apud

ROMANO, 2009: 116). Por outro lado, a mudança interna nas redes de políticas também pode sugerir o porquê da mudança na ação pública, ou seja, a rede pode ser modificada em decorrência da mudança de uma política pública.

Assim, a mudança na ação pública não se reduz à adaptação de uma rede ao novo meio, podendo também ser explicada pelas transformações internas nessa rede. Por exemplo, pela reformulação das coalizões de interesses; a debilitação, fortalecimento ou emergência de atores; a modificação dos fundamentos do intercâmbio entre eles, ou a mudança nas suas estratégias vinculada aos processos de aprendizagem na rede (HASSENTEUFEL, 1995: 105 apud ROMANO, 2009: 118)

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