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Capítulo II – O percurso espiritual de Madre Teresa de Calcutá

1. A luz de um Deus presente/próximo

1.4. As sombras já existentes

É verdade que a luminosidade espiritual que Madre Teresa experimentava concorre

217 Da Madre Teresa para o Padre Neuner, provavelmente durante o retiro de Abril de 1961. B.

KOLODIEJCHUK (Ed.), Madre Teresa: Vem, sê a minha Luz, 217.

218 Da Madre Teresa para Nosso Senhor, sem data. B. KOLODIEJCHUK (Ed.), Madre Teresa: Vem, sê a minha

Luz, 98.

219 Do Padre Van Exem para o Arcebispo Périer, 8 de Agosto de 1947. B. KOLODIEJCHUK (Ed.), Madre

Teresa: Vem, sê a minha Luz, 98.

220 SÃO JOÃO DA CRUZ, Subida ao Monte Carmelo, II, XXIV, 6 in SÃO JOÃO DA CRUZ, Obras espirituais

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para um ainda maior embate quando nos deparamos com a dolorosa escuridão que posteriormente atravessou. A descontinuidade é tal que nos deixa desarmados. Contudo, mesmo estes anos do Loreto não foram pura luz ou isentos de sofrimentos espiritual. Em jeito de transição, não podemos deixar de realçar como que algumas “sombras” deste período e alguns dados que parecem já entrever esse futuro maioritariamente marcado pela desolação espiritual.

Como nos relata o Padre Van Exem, mesmo durante o período do novo chamamento, Madre Teresa chegou a deparar-se com uma forte luta interior:

“Passou por uma terrível desolação (5 dias em Maio) enquanto se encontrava em Darjeeling, altura em que a ideia da obra lhe pareceu uma estupidez […], uma traição ao instituto a que pertence e às superioras. […] Felizmente, a tentação deixou-a uns dias depois, e tudo voltou a ser luz, alegria, confiança, e a certeza de que se encontrava no bom caminho. […] Na desolação, duvidou de tudo, teve muito receio, mas permaneceu disposta a imolar-se.”221

É verdade que foram apenas alguns dias, mas estas linhas poderiam bem ser o relato da sua experiência futura. E tal como nesses anos posteriores, no meio da desolação, encontramos sempre em Madre Teresa uma vontade imperiosa de se unir a Cristo e n’Ele se abandonar em sacrifício.

Noutra altura, alguns anos antes do voto secreto, no limiar dos votos perpétuos, encontramos uma carta escrita ao seu antigo prior de Skopje. Nela, Madre Teresa dá conta da sua vida interior durante o tempo passado no Loreto:

“Não pense que a minha vida é um mar de rosas – que é flor que raramente encontro no meu caminho. Bem pelo contrário, o mais frequente é ter como companheira a “escuridão”. E quando a noite se torna muito intensa – e me parece que vou acabar no inferno – nessa altura ofereço-me a Jesus. Se Ele quer que eu vá para lá – estou pronta – mas só na condição de que isso O torne realmente feliz. Preciso de muita graça, de muita força de Cristo para perseverar

221 Do Padre Van Exem para o Arcebispo Périer, 14 de Junho de 1947. B. KOLODIEJCHUK (Ed.), Madre

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na confiança, nesse amor cego que é o único que conduz a Jesus Crucificado. […] Mas não pense que estou apenas a sofrer. Ah, não – rio-me mais do que sofro – de tal maneira que houve quem chegasse à conclusão de que sou a noiva mimada de Jesus, que vive com Jesus em Nazaré – muito longe do Calvário.”222

É difícil perceber exatamente o que significa esta “escuridão” que Madre Teresa diz ter sido sua frequente companheira. Talvez não possamos assumir estarmos já perante a mesma experiência que viverá anos mais tarde: o sofrimento interior, a falta de consolações sensíveis, a secura espiritual, uma aparente ausência de Deus combinada com uma dolorosa ânsia d’Ele. Mas podemos, pelo menos, reconhecer que Madre Teresa tinha progredido de tal forma no amor a Deus que a sua confiança n’Ele já chegava a prescindir das consolações sensíveis. Aliás, a própria reconhece, como que em tom de gratidão, que somente nessa “escuridão” lhe era dada a oportunidade de um amor totalmente cego por Cristo crucificado.223

Como vemos expresso nesse excerto, a ligação ao Mistério da Paixão parece ser um dado fulcral na vida interior de Madre Teresa até então. E, se recordarmos o novo chamamento que escutou da parte de Deus, também ele é cheio de alusões a isso mesmo. Não por acaso, a grande passagem que Madre Teresa guardou no seu coração como sendo o resumo e a lembrança desse período foi o brado de Jesus na Cruz: “Tenho sede” (Jo 19, 28). A certa altura, instruía assim as suas irmãs: “«Tenho sede», disse Jesus na cruz, quando estava privado de todas as consolações, morrendo em Pobreza absoluta, abandonado, desprezado, vencido de corpo e alma. Falou da sua sede – não de água – mas de amor, de sacrifício.”224 O confronto com esta realidade da vida de Jesus teve de tal forma impacto no seu coração que compreendeu que a sua vida e a do novo carisma teriam um grande objetivo, o de saciar a sede de Jesus. A forma de o realizar seria a partir de duas dimensões. Por um lado, Madre

222 Da Madre Teresa para o Padre Franjo Jambrekovich, 8 de Fevereiro de 1937. B. KOLODIEJCHUK (Ed.),

Madre Teresa: Vem, sê a minha Luz, 40.

223 Cf. B. KOLODIEJCHUK (Ed.), Madre Teresa: Vem, sê a minha Luz, 41.

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Teresa viveria um amor esponsal constante por Jesus. Por outro lado, cuidaria dos mais pobres dos pobres, vendo neles o mesmo Cristo crucificado, sedento de amor.225 Madre Teresa bem sabia que o próprio Jesus optara por se identificar com esses por quem ninguém olha: “O que fizestes a um destes Meus irmãos, a Mim o fizestes.” (Mt 25, 40) E assim, desenhando o novo carisma, acabou por unir as duas passagens bíblicas, tomando-as como elemento unificador da sua vida espiritual e da nova congregação.

Nesse horizonte da Paixão, Jesus avisara Madre Teresa do que estaria para vir: “Sofrerás e já sofres – mas se fores a Minha pequena esposa – a Esposa de Jesus Crucificado – terás de suportar estes tormentos no teu coração.”226 Por esta altura, Madre Teresa não tinha maneira de saber a dimensão do que significava este anúncio e o quanto teria de sofrer para cumprir esta vocação de se unir ao Crucificado, de levar a alegria ao Seu Coração e ser vítima do Seu amor. Contudo, anos mais tarde, e ainda imersa numa alegria de ver a nova congregação de pé, não deixava de declarar o seguinte: “Mas ainda falta uma parte, que é que eu terei de sofrer muito.”227 Era como se tivesse a consciência de que, embora já tivesse passado por muitos sofrimentos até então, estes ainda não correspondiam à promessa de Jesus.