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Capítulo I A vida de Madre Teresa de Calcutá

5. Gotas de amor no oceano de Calcutá

À medida que ia percorrendo a cidade, para responder às necessidades dos pobres, Madre Teresa encontrava, frequentemente, pessoas a morrer pelas ruas.125 Consta que, certo dia, encontrou uma mulher a morrer no meio do lixo, com o corpo já um pouco devorado pelos ratos e formigas. Pegando nessa mulher pelos braços, levou-a a um hospital. Para grande deceção, ao princípio, não a queriam receber, mas, fruto da firme insistência daquela

118 Cf. K. SPINK, Madre Teresa de Calcutá – Missionária da Caridade, 34. 119 Cf. G. WATTS, Mother Teresa – Faith in the Darkness, 45.

120 Cf. B. KOLODIEJCHUK (Ed.), Madre Teresa: Vem, sê a minha Luz, 158.

121 Era um grande edifício, composto de três andares e um pátio interno. (Cf. F. ZAMBONINI, Madre Teresa –

A mística dos últimos, 88.)

122 A rua situa-se mesmo no coração de Calcutá e está em constante turbilhão, dando lugar ao movimento

alucinante de peões barulhentos, elétricos, etc. (Cf. K. SPINK, Madre Teresa de Calcutá – Missionária da

Caridade, 34.)

123 Cf. J. L. GONZÁLEZ-BALADO, Madre Teresa do mundo inteiro, 52-53. 124 Cf. B. KOLODIEJCHUK (Ed.), Madre Teresa: Vem, sê a minha Luz, 158. 125 Cf. B. KOLODIEJCHUK (Ed.), Madre Teresa: Vem, sê a minha Luz, 154.

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freira, lá acabaram por ficar com ela.126 Na maioria das vezes, os hospitais simplesmente não aceitavam estes casos desesperados, estando as pessoas destinadas a confrontar o fim da vida, sozinhas, desprezadas e abandonadas. Face a este drama, Madre Teresa começou a procurar uma casa onde estas pessoas pudessem receber alojamento e cuidados médicos básicos, mas acima de tudo, fossem recebidas com amor e dignidade, pelo menos no pouco tempo que ainda tinham para viver.127 Um local onde, independentemente do credo professado, cada um pudesse partir em paz com Deus. No momento de partir, receberiam, inclusive, os rituais próprios da sua fé. Madre Teresa tinha o desejo de que estas pessoas, habituadas a viver como animais, pudessem morrer como anjos, amadas e acarinhadas.128

A câmara de Calcutá acabou por disponibilizar uma casa que tinha servido de abrigo para os peregrinos do Templo de Kali129, à qual Madre Teresa deu o nome de Nirmal Hriday, que em Bengali significa “Coração Puro”, em referência ao Coração Imaculado de Maria. Em Junho de 1952, aquela que Madre Teresa considerava a “Casa do Tesouro” da congregação, já se encontrava em funcionamento.130 No entanto, os primeiros tempos de Nirmal Hriday foram de grande hostilidade. Os locais atiravam pedras às Missionárias da Caridade, enquanto estas tentavam levar os moribundos para o seu lar.131 Não aceitavam a ousadia de uma freira católica instalar-se mesmo ao lado do templo e, ainda para mais, tratar daqueles que eram considerados intocáveis. O ódio foi crescendo de tal forma que os monges do templo chegaram a planear matar aquela religiosa. Ao saber desse plano, Madre Teresa não hesitou em confrontá-los, afirmando que, se quisessem, a poderiam matar naquele segundo mas apenas pedia que não causassem qualquer sofrimento aos seus pobres. O líder religioso, impressionado e desarmado com tal bravura, teve a sensação de ver naquela mulher a própria

126 Cf. K. SPINK, Madre Teresa de Calcutá – Missionária da Caridade, 36. 127 Cf. B. KOLODIEJCHUK (Ed.), Madre Teresa: Vem, sê a minha Luz, 154-155. 128 Cf. K. SPINK, Madre Teresa de Calcutá – Missionária da Caridade, 37.

129 O distrito de Kalighat é um núcleo religioso muito popular para os hindus. Assenta nas margens do rio

Hooghly, para onde correm as águas sagradas do Rio Ganges. Kali é considerada a Deusa da Morte e da Fertilidade, e esposa de Siva. Na verdade, qualquer hindu devoto da cidade tem o desejo de vir a ser incinerado em Kalighat. (Cf. K. SPINK, Madre Teresa de Calcutá – Missionária da Caridade, 36.)

130 Cf. B. KOLODIEJCHUK (Ed.), Madre Teresa: Vem, sê a minha Luz, 155-156. 131 Cf. K. SPINK, Madre Teresa de Calcutá – Missionária da Caridade, 39.

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deusa Kali.132 Aos poucos, as relações foram melhorando, mas tudo ganhou realmente paz quando Madre Teresa encontrou um jovem monge, que tinha servido no templo, abandonado e envolto num charco do seu próprio vómito e fezes. Levou-o logo para Nirmal Hriday para ser tratado e finalmente morrer em paz. Desde então, cessaram todas as rivalidades e ameaças, e muitos dos peregrinos hindus começaram a parar a caminho do templo para oferecer presentes às Missionárias da Caridade.133

O crescimento da obra das Missionárias da Caridade não seguia propriamente um plano prévio de ação. À medida que se iam cruzando com os sofrimentos de Calcutá, tão variados, iam percebendo que exigiam uma resposta concreta da sua parte. Nas necessidades concretas viam o chamamento de Deus. Como sabemos, o primeiro serviço de Madre Teresa foi junto das crianças pobres do bairro de Motijhil. Mas a sua atenção a estes mais pequenos não terminaria aí. Foi tomando conhecimento de situações inquietantes. Muitas das crianças que encontrava não tinham lar nem família. Não raras vezes deparava-se com crianças na rua que choravam junto dos cadáveres do pai ou da mãe. Soube também que muitas delas eram ensinadas a roubar para depois lhes ser retirado o produto do roubo.134 Crianças completamente abandonadas, que tratariam da vida por si mesmas ou morreriam nas ruas. Algumas eram encontradas em baldes do lixo ou canos do esgoto. Crianças órfãs doentes e mentalmente debilitadas. Crianças cujos pais morreram em Nirmal Hriday.135

Em todos os casos, Madre Teresa via o próprio Menino Jesus a quem se impunha proporcionar uma Nazaré onde fossem amados. E assim, em 1955, num edifício de dois andares com um grande pátio, a umas centenas de metros da casa-mãe, nasceu Shishu Bhavan, um refúgio para todos estes bebés e crianças sem esperança.136 Desde cedo, polícias, assistentes sociais e outras pessoas começaram a levar crianças para lá e, algumas delas, eram

132 Cf. E. DEBIASI (Coord.), A verdadeira fisionomia dos Santos – Doze Santos indicam caminhos para Deus,

132.

133 Cf. K. SPINK, Madre Teresa de Calcutá – Missionária da Caridade, 39. 134 Cf. J. L. GONZÁLEZ-BALADO, Madre Teresa do mundo inteiro, 61-62. 135 Cf. K. SPINK, Madre Teresa de Calcutá – Missionária da Caridade, 41. 136 Cf. K. SPINK, Madre Teresa de Calcutá – Missionária da Caridade, 41.

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posteriormente adotadas por famílias indianas ou de outros países. Madre Teresa via na adoção uma forma de combater o drama do aborto.137

Madre Teresa estava atenta a outro flagelo que atingia muitos em Calcutá: a lepra. Considerados os mais intocáveis dos intocáveis138, os leprosos estavam condenados a viverem isolados, e muitas vezes acabavam expulsos das suas famílias ou eram mesmo convidados a cometer suicídio. Com efeito, lidava-se com esta doença a partir do medo de contágio e muita superstição.139 Ora, Madre Teresa começou por desenvolver clínicas móveis, pequenas camionetas abastecidas de equipamento médico, que se movimentavam pela cidade ao encontro dos leprosos. Depois, rapidamente começou também a fundar leprosarias permanentes. 140 Uma das grandes alegrias foi a construção de Shanti Nagar, “O Lugar da Paz”. Era uma espécie de cidade autónoma onde os leprosos podiam viver e morrer com dignidade, podiam viver com as suas famílias, podiam dedicar-se a um trabalho remunerado, em suma, ter uma vida próxima daquilo que se consideraria a normalidade. Parte desta obra foi financiada pela venda de um Lincoln Continental branco, carro que o Papa Paulo VI usara na sua visita à Índia, em 1964, e que decidira oferecer a Madre Teresa.141