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As taxas de juros e a litigiosidade bancária

No documento UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE DIREITO (páginas 116-119)

3 FUNDAMENTOS E PARÂMETROS DA REVISÃO JUDICIAL DAS TAXAS DE JUROS

3.1 As taxas de juros e a litigiosidade bancária

Conforme já exposto na introdução desta dissertação, o estudo da litigiosidade em matéria de contratos bancários no Brasil é tarefa ainda bastante complexa, o que se deve principalmente à ausência de dados consolidados que permitam uma análise quantitativa e qualitativa das demandas judiciais e seus respectivos objetos. No âmbito do Poder Judiciário, de quem se poderia esperar, por óbvias razões, o fornecimento de números acerca da matéria, a falta de padronização na classificação e cadastro dos processos impede, ao menos por ora, a geração de estatísticas com suficiente confiabilidade nessa seara.183

A dificuldade de construção do retrato dessa litigiosidade, no entanto, não se restringe à esfera pública, já que nem mesmo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) possui dados completos e atualizados sobre tal fenômeno. Segundo informado pela entidade, a ausência de dados atuais sobre a litigiosidade bancária deve-se à “diversidade de cadastro das instituições bancárias no tocante às ações judiciais.” (FEBRABAN, 2009).

A despeito de tais restrições, o último levantamento divulgado pela entidade aponta para cerca de 1,6 milhão de ações judiciais em que as instituições financeiras figuram como parte, dos quais cerca de 450 mil se referem efetivamente às operações bancárias (VALOR, 2005). Nesse cenário de incerteza, a Febraban, em iniciativa louvável, deu início em 2009 ao “Projeto de Redução da Litigiosidade Bancária”, que tem o objetivo de “obter uma visão consolidada do contencioso bancário para propositura de formas de redução das

demandas, orientação de ações preventivas e implementação de medidas corretivas.” (FEBRABAN, 2009).

Na consecução desse projeto, a entidade reuniu um grupo de trabalho encarregado de levantar os tipos de ação judicial intentadas contra as instituições financeiras, os

183 Desde a criação do CNJ, no entanto, esse quadro vem se alterando significativamente: por meio da Resolução nº 15, de 20 de abril de 2006, foi instituído o Sistema de Estatísticas do Poder Judiciário, que integra os tribunais de todo o país, e serve de base à elaboração de um estudo semestral chamado de “Justiça em números”. O CNJ criou ainda o Departamento de Pesquisas Judiciárias, que tem como uma de suas linhas de pesquisa justamente o estudo da natureza da litigiosidade judicial.

produtos e serviços questionados ou afetados por tais demandas e os temas ou causas de pedir mais relevantes e, portanto, mais demandados contra os bancos (FEBRABAN, 2009).

Embora o projeto ainda esteja em fase de desenvolvimento, e não haja ainda números consolidados, um levantamento preliminar da entidade já apontou que a cobrança de juros nos contratos de mútuo é uma das principais causas de pedir de ações revisionais movidas em face das instituições financeiras (FEBRABAN, 2009). Tal circunstância revela a importância de um estudo mais detido sobre tais ações e, especialmente, acerca do deslinde que o Poder Judiciário vem dando a elas.

Para tal estudo, algumas razões de relevo metodológico autorizam a restrição do objeto da pesquisa sobre o posicionamento atual da jurisprudência pátria em matéria de controle judicial de taxas de juros aqui versado aos julgados do STF e ao STJ. Do ponto de vista estritamente jurídico, a primeira e mais evidente razão está relacionada ao fato de que a análise da jurisprudência dessas cortes superiores permite aferir qual deve ser o desfecho provável daquelas contendas no Poder Judiciário.

Outrossim, com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, e das reformas no regramento processual por ela desencadeadas, mais argumentos passaram a militar em favor de uma análise jurisprudencial centrada em decisões de tribunais superiores. De um lado, com a inserção do art. 103-A na Constituição Federal184 pela referida emenda, o STF passou a dispor da possibilidade de editar súmulas vinculantes sobre matéria constitucional, tendo inclusive o poder de anular, em sede de reclamação, as decisões judiciais que com ela conflitarem. De outro, com o advento da Lei nº 11.672, de 8 de maio de 2008, foi acrescido ao Código de Processo Civil o art. 543-C,185 instituindo-se

184 “Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar Súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A Súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

[...]

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a Súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da Súmula, conforme o caso.”

185“Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.

procedimento para julgamento de recursos repetitivos no âmbito do STJ, o que permite a decisão sobre um único caso representativo da controvérsia e a extensão do preceito nele contemplado aos demais que versem sobre idêntica questão de direito.

Isso equivale a dizer que a pesquisa jurisprudencial circunscrita ao STF e STJ, se naturalmente não exclui a possibilidade de existência de decisões em sentido diferente do que neles vem se adotando, ao menos permite considerá-las como posicionamentos divergentes, e, portanto, potencialmente reformáveis, diante de eventual conflito com a jurisprudência dominante. Surge daí uma segunda ordem de justificativas, agora sob o aspecto pragmático: para os fins prescritivos buscados nesta dissertação, tal pesquisa acabaria não trazendo grande repercussão diante da possibilidade de modificação de tais decisões pelo STF ou pelo STJ.

Firme em tais premissas, a análise dos julgados do Excelso Pretório tem grande importância à vista do fato de que, durante muito tempo, a limitação da cobrança de juros teve sede constitucional. Embora a redação atual da Carta Política não contemple mais expressamente tal possibilidade, o STF, no julgamento da ADIn 2.591, deixou claro que, a despeito de expressa previsão constitucional, é facultado ao Poder Judiciário aferir nos casos que lhes são submetidos a abusividade das taxas cobradas pelas instituições financeiras e, com isso, determinar sua eventual redução.

Cabe, então, revisar os precedentes da Suprema Corte acerca do tema, como forma de precisar o real sentido preconizado por sua jurisprudência atualmente vigente, fornecendo, pois, fundamentos para um exame dos limites e premissas aplicáveis às decisões do STJ.

§ 1º Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.

[...]

§ 7º Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: I – terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou

II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.

§ 8º Na hipótese prevista no inciso II do § 7º deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.

No documento UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE DIREITO (páginas 116-119)