• Nenhum resultado encontrado

A inadequação das taxas de mercado atualmente divulgadas pelo Banco Central como

No documento UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE DIREITO (páginas 165-169)

4 A REVISÃO JUDICIAL DAS TAXAS DE JUROS EM PERSPECTIVA CRÍTICA

4.1 A superficialidade do juízo de abusividade proposto: as peculiaridades da atividade

4.1.2 A inadequação das taxas de mercado atualmente divulgadas pelo Banco Central como

Outro grande equívoco nos parâmetros revisionais em voga está relacionado à expressão do próprio paradigma utilizado pela jurisprudência, qual seja, a “média de mercado”, que toma por base as taxas divulgadas pelo Banco Central para cada segmento do mercado de crédito.

Desde já, é importante frisar que o objetivo da autarquia jamais esteve associado a fornecer dados voltados à construção de um juízo de abusividade das taxas praticadas no mercado. A coleta e divulgação dessas taxas é medida imersa no contexto de ações adotadas pelo BCB desde 1999, no âmbito do “Projeto Juros e Spread Bancário”, já estudado nesta dissertação, e se propõe a atender a dois objetivos básicos: (i) oferecer instrumentos aos tomadores para comparar as taxas de crédito praticadas no mercado, fomentando a concorrência; e (ii) subsidiar a tomada de decisões do BC na condução da política econômica do país (LEMOS; ROMAN; ANDRADE, 2008).

Em decorrência de tais objetivos, os próprios dados divulgados pelo BCB não recebem um tratamento estatístico mais aprofundado, tampouco detalhado, para que possam ser considerados tecnicamente como uma taxa média de mercado. Embora tomem por base informações prestadas pelas próprias instituições que operam no mercado de crédito e sejam segmentadas por tipo de cliente, operação e período, as “taxas médias” divulgadas são calculadas a partir da ponderação das taxas de juros praticadas em cada contrato de crédito pelos respectivos valores concedidos,236 sem qualquer distinção entre os diferentes tipos de tomadores. Como o próprio BCB (2010) destaca,

As taxas de juros de cada instituição financeira representam médias geométricas ponderadas pelas concessões observadas nos últimos cinco dias úteis, período esse apresentado no ranking de cada modalidade de operação de crédito. Como, em geral, as instituições praticam taxas diferentes dentro de uma mesma modalidade de operação de crédito, a taxa média pode diferir daquela cobrada de determinados clientes. Nesses casos, o cliente deve procurar a instituição financeira respectiva para obter maiores esclarecimentos.

236 O Manual de Estatísticas Agregadas de Crédito e Arrendamento Mercantil, editado pelo Banco Central, determina que “a taxa média de juros deve ser calculada ponderando-se as taxas de juros praticadas em cada contrato de crédito ou de arrendamento mercantil pelos respectivos valores concedidos”. (BCB, 2010, p. 10)

Em nota técnica elaborada especificamente sobre o tema, parcialmente reproduzida em parecer jurídico elaborado por Lemos, Roman e Andrade (2008),237 a área técnica do BCB trouxe à baila detalhes ainda mais importantes e esclarecedores:

9. Por fim, esclarece-se que a taxa média geral divulgada pelo Banco Central, por envolver modalidades de diferentes escopos e características, não deve ser visualizada como uma medida unívoca, mas sim como parâmetro de tendência das taxas de juros das operações de crédito. Nesse espectro, há modalidades que praticam taxas muito acima da média, caso do cheque especial, bem como modalidades com taxas relativamente baixas, caso do crédito consignado. Além disso, há a prática da reciprocidade, na qual clientes com maior relacionamento com a instituição tendem a ser „bonificados‟ com taxas de juros mais atrativas. Assim, como cada modalidade contratual possui características próprias em virtude das diferentes finalidades, origens de recursos e garantias, considera-se inapropriada qualquer tentativa de padronização ou aplicação de uma taxa única a todas operações.

[...]

Adicionalmente, as taxas de juros divulgadas pelo BCB incluem outros custos imputados ao devedor como é o caso dos encargos operacionais (seguros e quaisquer outros valores cobrados por serviços necessários à realização das operações, previstos contratualmente) e fiscais (os valores percentuais referentes aos tributos incidentes sobre as operações e que são pagos pelos tomadores dos créditos). Quando esses custos são incluídos, as instituições financeiras divulgam a taxa com a denominação de Custo Efetivo Total (CET), conforme dispõe a Resolução nº 3.518, de 6 de dezembro de 2007.

Finalmente, ante todos os fatos expostos, as taxas divulgadas pelo BCB visam apenas estimular a concorrência com base na transparência das taxas praticadas, não recebendo tratamento algum para que possa ser considerado como taxa média do mercado. (LEMOS; ROMAN; ANDRADE, 2008, p. 236-237).

Como se vê, as taxas médias divulgadas pelo BCB são, na verdade, dados absolutamente genéricos, impessoais e não segmentados, que não levam em conta as especificidades que são próprias da concessão de crédito, como o risco inerente a cada operação. Na média informada, está contemplada, portanto, toda a coletividade de tomadores indistintamente – ainda que separados em pessoas físicas ou jurídicas –, o que não permite atribuir um perfil senão meramente ilustrativo ou indicativo aos dados divulgados pela autarquia. Examinando tal circunstância, Lemos, Roman e Andrade (2008, p. 236) foram enfáticos em concluir que

237 O Parecer PGBC-207/2008, aqui referido, foi elaborado para servir de base às informações encaminhadas pelo Banco Central ao Superior Tribunal de Justiça, a título de subsídios para julgamento do REsp 1.061.530/RS, que, como já se viu, constitui o principal precedente daquela corte acerca da revisão judicial de taxas de juros em contratos bancários.

As informações técnicas coletadas esclareceram, com sobra de razão, que os números consolidados divulgados envolvem operações com perfis completamente distintos, daí a impossibilidade de se cotejar esse taxa com a praticada em contrato específico, no qual o preço (taxa efetivamente praticada) refletirá as idiossincrasias das pessoas e empresas envolvidas no caso concreto.

Diante dessa advertência metodológica, e das inúmeras variáveis envolvidas na precificação do contrato de crédito, adotar a “média” informada pelo BCB como referência de abusividade para todo e qualquer tomador, independentemente de sua condição pessoal, importa, no mínimo, um crasso erro metodológico: o que se faz, portanto, é comparar situações e condições que tendem a ser absolutamente diversas.

Essa afirmação ganha base empírica quando se examina o ranking de taxas divulgado pela própria autarquia, a partir das taxas mínimas, máximas e médias cobradas por cada instituição do mercado de crédito. Para tanto, buscaram-se os dados mais recentes de operações de crédito pessoal contratadas a taxas prefixadas, que estão plotados no gráfico 10, a seguir colacionado.

Gráfico 10 – Taxas de crédito pessoal por instituição financeira (fev/2010)

Fonte: Elaboração do autor a partir de dados constantes em BCB (2010)

No período pesquisado (fevereiro de 2010), a taxa média verificada para essa operação foi de 3,07% ao mês. O gráfico demonstra que, a despeito de certa convergência nas taxas médias cobradas pelas instituições concedentes, há uma grande diversidade na

0,00 3,00 6,00 9,00 12,00 15,00 18,00 21,00 24,00 27,00 Tax as d e ju ro s (% a. m .) Instituições Financeiras

amplitude no espectro de cobrança de taxas dentro de cada instituição. Ou seja, embora a taxa média cobrada pela maioria das instituições seja relativamente próxima à média de mercado divulgada pelo BCB, há taxas, mesmo nessas instituições, que podem se distanciar em muito desses patamares médios.

Dentre outros fatores que poderiam ser apontados como explicativos dessa heterogeneidade de taxas cobradas por uma mesma instituição, dois em especial são dignos de registro. Em primeiro lugar, o fenômeno pode ser tido como decorrente da própria metodologia adotada pelo BCB para a divulgação dessas taxas, em que as taxas máxima e mínima informadas por cada instituição não precisam ter sido efetivamente contratadas.238 Logo, a diversidade de taxas não seria efetiva, mas, sim, potencial, porque os percentuais, apesar de informados, podem não ter sido contratados. Há, no entanto, uma segunda e talvez mais consistente hipótese: considerando que os demais componentes da taxa de juros são constantes e uniformes para todos os clientes de uma instituição operadora do mercado de crédito, os números sugeririam, por exclusão, que a diferença entre as taxas finais cobradas dos tomadores por essa mesma instituição está associada aos diferentes perfis de risco apresentados por cada tomador.

Prosseguindo nessa linha, seria possível afirmar, então, que a amplitude dessa variação dentro de uma mesma instituição decorreria da própria diversidade de perfil dos tomadores de crédito que constituem o público-alvo da instituição. De tal assertiva, decorre um importante fundamento para que se conclua que, ceteris paribus, a cobrança de taxas médias pressupõe “condições médias” de risco, isto é, condições minimamente assemelhadas entre os tomadores de crédito que a contratam. Em consequência, a utilidade da taxa média como paradigma de abusividade se restringiria aos casos em que as condições de contratação fossem relativamente semelhantes.

Em face disso, o grande e inarredável obstáculo ao uso das “médias” divulgadas pelo BCB consiste no fato de que elas não refletem as condições diferenciadas que, como já se viu, determinam o patamar cobrado por cada instituição a cada um de seus tomadores.239

238 Segundo o já citado “Manual de Estatísticas Agregadas de Crédito e Arrendamento Mercantil”, do BCB, “as taxas mínimas e máximas devem representar o intervalo no qual a instituição concede crédito em cada modalidade, independentemente de terem sido pactuadas aquelas taxas na respectiva data-base”. (BCB, 2010, p. 10).

239 É preciso frisar que isso não invalida o uso da média como instrumento de comparação de taxas na pesquisa de mercado que deve ser feita pelo consumidor. O ponto nodal da questão é que essas taxas não

Sua adoção como paradigma equivale, portanto, a implementar aquilo que, no dito popular, seria definido como “comparar bananas com laranjas”. E isso somente seria arrefecido se o BCB, como forma de reduzir ainda mais a assimetria de informações, passasse a adotar critérios objetivos para classificação de risco dos tomadores e divulgasse as médias de mercado segmentadas por nível de risco.

Os dados apresentados e as considerações anteriores autorizam, assim, concluir que, diante da especificidade e do caráter personalíssimo da concessão de crédito, as “taxas médias” divulgadas pelo BCB não constituem parâmetro metodologicamente adequado a servir de base a um juízo de abusividade, porque não consideram a diversidade de níveis de risco apresentados pelos diferentes tomadores de crédito.

No documento UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE DIREITO (páginas 165-169)