• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I RELAÇÕES ENTRE PROBLEMÁTICA AMBIENTAL E EDUCAÇÃO

1.4 As visões de mundo fragmentadas e integradas e suas correlações com os

Muitos pensadores contemporâneos têm sugerido que nossas diversas crises globais são manifestações de uma crise cultural mais profunda, na qual percebemos a realidade com uma visão distorcida e incompleta, de forma que nossas interpretações das crises e nossas propostas de solução possuem as mesmas deficiências e são, portanto, ineficazes (PIKE e SELBY, 1999).

Pike e Selby (1999) citam outros autores para explicitar melhor as idéias destacadas acima. Colocam que:

Friljof Capra escreve sobre “nossa crise cultural multifacetada”. a qual em essência é uma crise de percepção. Jermy Rifkin convida a “uma completa autópsia da visão de mundo atual”. Stephen Sterling descreve nossa crise ecológica contemporánea como “essencialmente uma crise cultural". “Nossos problemas atuais” sugere Jean Houston “não são fundamentalmente de ordem política ou econômica, mas possuem suas raízes no uso inadequado de nossa humanidade ou, mais exatamente, em nossa persistência em utilizar algumas de nossas capacidades que não são mais apropriadas aos tempos atuais” . (PIKE

e SELBY, 1999, p. 46-47, grifo meu).

Neste contexto, lanço uma questão acerca das considerações de Jean Houston (apud PIKE e SELBY, 1999): Será a nossa capacidade de percepção atual do mundo em que vivemos inapropriada em termos de comportamentos e ações para os nossos tempos? Certamente.

Segundo Pike e Selby (1999) a visão de mundo predominante, que divorcia a humanidade da natureza, tem origem nos séculos XVII e XVIII com o nascimento da

ciência moderna, onde Descartes, destacado matemático, traduziu seu conhecimento e compreensão das máquinas em uma nova visão de mundo material, o que levou à emergência de um novo paradigma ou estrutura de pensamento, eclipsando a visão de mundo da cristandade medieval.

A própria natureza era considerada uma máquina perfeita, constituída por uma multidão de peças separadas podendo ser explicada em termos de sua organização e movimento. Seria possível, com perfeita precisão e certeza, compreender os fenômenos através da análise e redução deles às suas partes constituintes. Descartes apresentava sua filosofia “reducionista” ou “mecanicista” juntamente com a teoria da separação entre mente e matéria, por ele defendida. Sua famosa máxima era “Cogito, ergo sum” - “Penso, logo existo”. Para ele, a razão era mais real do que a matéria. Era ela que distinguia os seres humanos da natureza. Portanto, os seres humanos, possuindo a capacidade de raciocinar e analisar, estavam separados da natureza e podiam investigar o mundo objetivamente. Poderia existir completa neutralidade entre o observador e o objeto de observação. Isaac Newton, físico influenciado pelo pensamento cartesiano também influenciou profundamente a visão de mundo ocidental atuai de mundo.

Podemos agora entender melhor, a partir do contexto em que encontram-se inseridas as visões de mundo predominantes que separam os seres humanos da natureza, de que forma surgiram as visões fragmentadas de mundo, que consideram que: “nós, seres humanos estamos aqui e a natureza está lá. Meio ambiente é compreendido como sinônimo de natureza e daí pode resultar, o entendimento predominante de que nós, seres humanos, não pertencemos ao meio ambiente, por julgá-lo como algo sagrado, separado do profano; ou ainda, por entendê-lo como um meio que existe para suprir nossas necessidades vitais”.

A visão mecanicista também reforça a separação entre mente pensante e emoções, bem como a ascendência do poder intelectual sobre outras formas de mediação da realidade. Fortaleceu também a natureza patriarcal da sociedade através do racionalismo e da dominação da natureza, considerando a intuição e sintonia com a natureza como qualidades “subjetivas” e secundárias (PIKE e SELBY, 1999).

Os críticos do paradigma mecanicista segundo Pike e Selby:

Não sugerem que ele seja basicamente errôneo; apenas que seu campo de atuação e aplicabilidade é muito limitado, produzindo resultados adversos e até mesmo consequências desastrosas, quando utilizado além de seus próprios

limites. A orientação da cultura para a análise e reducionismo, objetividade e exploração de um mundo físico considerado como uma máquina, produziu avanços tecnológicos imensos. É uma boa orientação para se fabricar carros e colocar o homem na Lua. No entanto , é uma orientação perigosa quando aplicada de forma generalizada e monopolizadora à soma total da experiência e atividade humanas. (PIKE e SELBY, 1999, p. 48).

Fritjof Capra numa citação encontrada em Pike e Selby (1999) considera que:

A crença de que todos esses fragmentos - em nós mesmos, em nosso meio ambiente e em nossa sociedade - estão de fato separados, pode ser considerada a causa essencial da série atual de crises na cultura, na ecologia e na sociedade. Ela nos alienou da natureza e de nossos semelhantes. Ela produziu uma distribuição desigual de recursos naturais, criando uma desordem econômica e política, uma onda crescente de violência, tanto espontâneas como institucional, e um meio ambiente feio, poluído, no qual a vida se toma física e mentalmente insalubre. (FRITOJ CAPRA apud PIKE e SELBY, 1999, p.48).

Críticos do paradigma mecanicista acreditam que ele tornou-se tão implícito, que a maioria de nós o aceita inconscientemente, considerando suas muitas manifestações como expressões da própria natureza humana. Pontuam, que ele permeia os objetivos e decisões tanto das sociedades capitalistas quanto das socialistas.

Muitos desses críticos vêm percebendo os abalos recentes de uma visão paradigmática, um processo de transformação nos modos de pensar e perceber, até então vigentes.

A pesquisa do mundo atômico e subatômico estilhaçou todas as principais convicções da visão cartesiana/newtoniana de realidade. As partículas não fazem nenhum sentido, a menos que sejam estudadas como eventos integrados em um todo dinâmico e unificado. Para David Bohm (apud PIKE e SELBY, 1999, p. 49) “o pesquisador é levado a uma noção de realidade indivisível que anula a idéia clássica de um mundo passível de análise em partes independentes e separadas”. Para Werner Heisemberg (apud PIKE e SELBY, 1999, p. 50), o criador do princípio da incerteza, “o que observamos não é a própria natureza, mas sim a natureza exposta aos nossos métodos de questionamento”. Portanto o que o observador observa também revela algo a respeito do próprio observador: suas prioridades e valores.

A física atômica moderna nos fala portanto de uma totalidade sistêmica, inseparável e dinâmica que também inclui essencialmente o observador. Assim como as modernas descobertas da física atômica e os progressos recentes das ciências biológicas influenciaram e vêm fortalecendo o Paradigma Sistêmico, ele também foi

inspirado em grande parte na visão de mundo das filosofias e religiões orientais e dos povos indígenas, segundo Pike e Selby (1999).

David Bohm (apud Pike e Selby, 1999, p. 50) considera que “o “holomovimento” (o fluxo total e indivisível da realidade) significa, em última instância, que tudo causa tudo e o que acontece em um lugar afeta o que acontece em todos os lugares”. Fala também da realidade em dois níveis: implícito e explícito. No nível implícito, considera que precisamos considerar a totalidade como “contida” em cada uma de suas partes, sugerindo que os seres humanos precisam tornar-se mais conscientes e responsivos à existência desse nível em seus relacionamentos sociais e em seu relacionamento com o meio ambiente. No nível explícito, nós consideramos os objetos como (relativamente) separados e os tratamos como tal por razões práticas.

Os sistemas modernos de biologia também contribuem para o fortalecimento do Paradigma Sistêmico, pois, consideram os organismos como totalidades integradas, com propriedades que não podem ser reduzidas a partes separadas e que maximizam sua chance de sobrevivência por meio de uma integração dinâmica ou complementaridade entre a tendência à auto-afirmação e a tendência à integração no sistema ecológico mais amplo.

Para Pike e Selby (1999), adeptos do Paradigma Sistêmico percebem os fenômenos e acontecimentos como dinamicamente interconectados. A verdadeira compreensão reside na aceitação de que, independentemente do grau de compartimentalização por razões práticas, tudo se encontra fundamentalmente entrelaçado em uma teia multidimensional e multiestratificada de interações. Destacam que, um dos axiomas do paradigma sistêmico é que nós podemos nos tornar “inteiros” novamente se reintegrarmos as dualidades criadas pela visão mecanicista, reunindo em interação dinâmica os pares que Descartes divorciou (sujeito e objeto, valor e fato, mente e corpo, intuição e razão, espírito e matéria, sentimento e pensamento, síntese e análise), bem como, local e global eu acrescentaria. Eles ainda alertam para o fato de que “a humanidade deveria buscar relações “corretas”, nas quais o equilíbrio entre o auto-interesse e as tendências à integração fosse mantido e nas quais a “unidade de sobrevivência” não seja o indivíduo ou a parte, mas o sistema como um todo” (PIKE e SELBY, 1999, p. 51).

Cabe dizer que as idéias de Pike e Selby (1999) acerca dos Paradigmas Mecanicista e Sistêmico podem levar ao entendimento de que as visões fragmentadas

de mundo e as visões integradas de mundo podem estar fundamentadas, respectivamente, nestes paradigmas.

Pressupõe-se desta forma, que a construção de visões integradas de mundo pelos seres humanos contemporâneos, requerem a percepção e a compreensão das relações que se estabelecem no mundo complexo em que vivemos.

A construção de visões integradas de mundo, entretanto, constitui-se em idealizações e objetivos a serem alcançados e um dos caminhos para esta construção, pode ser a criação de estratégias educacionais que permitam alcançá-las.

Neste sentido, Moraes (2001a, 2001b) vem considerando que a construção de um conhecimento da integração possa ser uma estratégia que, ao levar à percepção e ao entendimento de como os elementos que integram o mundo estão interrelacionados por meio do uso do conceito de Dimensão Relacional e via processo educacional, venha resultar na alteração do conjunto de crenças e valores, de forma que passe a fundamentar: visões de mundo rumo à integração; atitudes ou posicionamentos rumo ao relacional, comportamentos ou ações que considerem o histórico e o prospectivo; modelos de desenvolvimento justos, prudentes e viáveis; e organizações humanas calcadas na solidariedade e na participação.

Vale ressaltar que uma revisão aprofundada, na História da Ciência, que fundamente de forma consistente as origens das visões de mundo fragmentadas e das visões de mundo integradas, não foi feita aqui. Pretendeu-se, neste momento, apenas chamar a atenção para o fato de que as visões fragmentadas e integradas de mundo podem estar fundamentadas nos Paradigmas Mecanicista e Sistêmico, respectivamente. Diante disso, passo a explicitar o papel da Educação na construção de visões integradas de mundo.