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As (re)visitações ao campo-(além)mar-periférico de Fortaleza, o Grande Bom

No documento Programa de Pós-Graduação em Psicologia (páginas 47-59)

1. A composição de uma pesquisa encarnada entre imersões e contágios em um território

1.1 As (re)visitações ao campo-(além)mar-periférico de Fortaleza, o Grande Bom

Diante do meu contínuo processo de cultivo e coconstrução enquanto pesquisador de mim e do campo, fui atravessado pelas múltiplas implicações, vetores e afetações, resultantes do assombro provocado pela carnificina contra as populações que habitam as periferias urbanas cearenses, sobretudo adolescentes e jovens negros(as) e, diante disso e em contrapartida, a presente pesquisa surgiu como esforços compartilhados, numa coprodução de pessoas comprometidas e implicadas com esse cenário de guerra contra as pessoas sobreditas. Desta feita, nos fortalecemos cotidianamente e nos aliançamos às juventudes empoderadas (Berth, 2019), objetivando clarificar problemáticas, potencialidades e, a partir disso, pensarmos alternativas para o campo problemático.

Nessa conjuntura de embrutecimento da violência letal, é relevante que nos interroguemos sobre quais atores e atrizes sociais estão se importando com essa realidade (im)posta de modo histórico e estrutural, cujo motor da máquina de moer gente e de fazer morrer preto(a) é o racismo colonial contra essas populações racializadas e que habitam as zonas periféricas da morte (Agamben, 2004) e, para além disso, se faz necessário interrogarmos e problematizarmos sobre quais práticas de resistência estão sendo coproduzidas no território do GBJ, na periferia de Fortaleza (Ceará), implicadas e comprometidas estrategicamente com o enfrentamento à letalidade das juventudes?

As principais experiências cartografadas nessa pesquisa foram algumas ações da Rede DLIS do GBJ e do Fórum de Juventudes da Rede DLIS, instâncias que têm por esse território

o lugar de atuação entre batalhas e glórias. A primeira representa uma aliança de mais de trinta entidades, dentre elas, movimentos sociais, coletivos e entidades comunitárias locais, sociedade civil organizada e demais atores, como as Universidades parceiras (UFC, UECE, UNILAB). A segunda representa um dos três pilares que estruturam a Rede, lócus de luta política e representatividade juvenil dentro do território, composto por 12 coletivos de cultura e arte periféricos. Ambas têm por desafios afirmar os direitos humanos, enquanto norteadores das estratégias e práxis de luta por políticas públicas, participação popular democrática e coletiva para o desenvolvimento sustentável do território, não renunciando à garantia e defesa dos direitos. Paiva (2014) afirma a importância desses movimentos, no tocante a desvelar problemáticas sociais, tornando possível o fomento de novas ações em prol da defesa da vida e cidadania dos moradores do território. Em síntese, lutar por políticas públicas para a região do GBJ, denunciar violações de direitos, ousar em propor e monitorar políticas sociais têm sido uma marca característica da organização popular nesse território.

Estivemos co-habitando o campo-(além)mar-periférico e acompanhando os processos (Passos & Barros, 2009), tanto em relação às violências letais infligidas contra as juventudes residentes desse lugar, quanto aos processos de mobilização e enfrentamentos dos movimentos sociais, coletivos, entidades e instituições diante dessas mortes e da inoperância, por parte do Poder Público, no que tange a resolução desses casos. Essa difícil tarefa, construiu-se à medida que acompanhava os processos e tomava consciência em relação à inseparabilidade entre eu e o campo, portanto, eu-mar ou naturalmente eu-(além)mar-vivências-periféricas.

A preocupação e comprometimento ético e político com essa população (da qual fazia parte) alijada de políticas públicas garantidoras de direitos e dignidade humana, se deu antes mesmo da escrita desta dissertação, como narrei anteriormente. Estive presente no sexto Encontrão de Planejamento, Monitoramento e Avaliação (PMA) da Rede DLIS, ocorrido nos dias 02, 03 e 04 de Fevereiro de 2018, quando foi anunciada a criação do Fórum de Juventudes

da Rede DLIS e a entrada de novos membros.

As resistências juvenis do GBJ não se resumem a criação do Fórum, ou seja, ainda no ano de 2018, estivemos aliançados, enquanto representante da Rede DLIS, as juventudes e realizamos a quinta Caminhada pela Paz no território do GBJ. A primeira caminhada ocorreu no ano de 2013 - pois no ano anterior tínhamos experienciado o maior número de homicídios já registrados no estado do Ceará, denotando e denunciando um aumento significativo em relação ao extermínio das juventudes que habitam esse lugar e demais regiões periferizadas da cidade de Fortaleza.

No ano de 2019, após o ingresso no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGPSI/UFRN) e representando o VIESES na Rede DLIS, estivemos ao lado de outras Redes, Coletivos juvenis, Entidades, Lideranças, ONGs e Movimentos Sociais para a organização e realização da sétima caminhada da Periferia, cujo tema foi “Vidas Negras Importam? Nossos Mortos têm Voz! A Periferia Resiste!” Esta ação, assim como a Marcha, foi pensada e operacionalizada com o objetivo de denúncia do poder público e sensibilização da população quanto a problemática histórica de ataque estatal às populações periferizadas. Nos anos anteriores, a Rede esteve presente em comissões de organização de todas as Marchas e Caminhadas relacionadas a estas pautas.

No final do período de 2019.1 e parte do período de 2019.2, mais precisamente entre os meses de Junho a Setembro, tive a grata oportunidade de me engajar em algumas ações e lutas encabeçadas pelas juventudes que compunham o JAP e o Fórum de Juventudes da Rede DLIS, desde sua gênese e construção (definições de pautas, organizações dos espaços, preparação e participações de reuniões, de eventos e de atos reivindicatórios e contestatórios públicos, como marchas, caminhadas, festivais, palestras) até a operacionalização dessas atividades, que, apesar de já ter participado desse tipo de ação conduzida pelas juventudes do GBJ, esta em especial, me trazia grande expectativa e motivação. Neste momento eu não era apenas o colaborador da

ONG, mas também um pesquisador, não um pesquisador externo como de costume na academia, mas sim, uma pessoa que, antes mesmo de assumir essa tarefa, já estava inserida nas problemáticas e potências que ali estavam, antes mesmo deste projeto e que, permaneceria após a pesquisa.

A primeira ação que destaco ocorreu no dia 20 de Junho de 2019. Participei - representando a equipe da Rede DLIS - de um mutirão de preparação do espaço da sede do CDVHS para o Festival de Juventudes. Tais ações tinham por objetivos a limpeza dos espaços, consertos e reparações, adaptações e pinturas em colaboração com a equipe do CDVHS e Fórum de Juventudes. Como relatamos no diário, a missão que havíamos acordado junto a gestão da ONG era de que faríamos um mutirão de preparação do espaço para o segundo Festival de Juventudes do GBJ, iniciando com a limpeza nos espaços internos e externos da Instituição. Nesses capinaríamos a grama, pintaríamos alguns espaços, criaríamos uma sala de convivência aproveitando o espaço inutilizado dos fundos na Instituição. Enquanto atividades internas ao prédio da instituição, limparíamos os banheiros e outros espaços como biblioteca, cozinha, salas das equipes de trabalho, auditório, além disso, organizaríamos documentos novos e antigos para que fossem descartados.

Naquele dia algumas cenas me chamaram atenção como as frases grafitadas nos muros da instituição: “O afeto é revolucionário”. E, naquele momento, essa frase fazia todo sentido, pois estávamos nos afetando mutuamente em prol de um bem-comum. Outra frase que chamou atenção foi a seguinte: “Mais flor, por favor”. Frase que denotava a aspiração daqueles coletivos sedentos por viver. No meu olhar, esse desejo representava a ambiência, Toda atmosfera instalada naquele lugar, sem sombra de dúvidas, era mágica, jamais pessoalmente experienciada. Para cada espaço da ONG que olhava, havia um ou mais jovens trabalhando, cantando, se abraçando entre um trabalho e outro, produzindo mais vida para aquele lugar. O brilho no olhar daquelas pessoas contagiava, a alegria de viver estava presente em cada ação

representada nos corpos. Enfim, muitos afetos compartilhados.

O que as juventudes querem nesses ajuntamentos coletivos é “menos bala e mais flores no Grande (Bom) Jardim”. Nesse momento eu não era apenas mais um colaborador externo, fortalecemos nossos vínculos, sorrimos juntos(as), nos aliançamos, éramos todos um emaranhado de sonhos e experiências compartilhadas no lado sul da cidade de Fortaleza, melhor dizendo, um eu-(além)mar-vivências-periféricas.

Nesse mesmo de muitas pessoas, frutificaram diversas propostas, ideias e utopias na busca incansável por um território melhor de habitar e viver. As ideias e temáticas compartilhadas nos pequenos grupos de trabalhos eram diversas, plurais, representavam muitas pessoas em uma significativa análise de conjuntura, dos espaços vividos, de suas existências diante do extermínio das juventudes pretas e pobres de periferia, sobre o respeito que gostariam de ter dos mais velhos nas reuniões e participações nas lutas comunitárias. Gostariam de ter a oportunidade de organizar as reuniões de PMA das ações da Rede DLIS, de serem notados(as) e, acima de tudo, ouvidos(as).

No dia 22 de junho de 2019 aconteceu a primeira reunião organizada pelo Fórum de Juventudes com o apoio da Rede DLIS. Esta era uma pauta que as juventudes buscavam há algum tempo. Uma juventude que estava presente na reunião ressaltou a importância da ocupação desses espaços, bem como o apoio dos demais agentes que compõem a Rede DLIS nessas ações conjuntas.

Àquele momento reafirmou a capacidade inventiva, organizativa e de mobilização que as juventudes possuíam. Muitas pessoas participaram dessa reunião, um encontro intergeracional de militantes conduzidos pelas Juventudes, foi algo mágico. Era como se as juventudes estivessem proporcionando uma mística em forma de reverência, agradecimento e respeito à trajetória de lutas e conquistas dos(as) militantes ali presentes.

O local escolhido foi o bairro Conjunto Ceará, localizado na SER V. Não se incluía em nenhum dos cinco bairros que compõem o GBJ, por se tratar de uma mobilização estratégica de ocupação de um território num período em que a segurança pública do Estado estava realizando ações violentas contra seus frequentadores(as), em sua maioria jovens, racializados e empobrecidos.

O espaço anteposto foi um bar histórico e simbólico, chamado Makulelê. Um lugar rústico, com muitas esculturas de artistas locais e regionais, compartimentado por estruturas geométricas, totalmente decorado, multicolorido, artístico, aconchegante e, por mais que eu tente descrevê-lo, é indecifrável em palavras, magia talvez definisse ou se aproximasse da definição percebida ao me deparar com aquela cena. Encantamento. Esta palavra define a primeira sensação que senti ao me defrontar com esse bar, já tão conhecido pelas juventudes, mas nunca visto por mim antes dessa data. Ao adentrar aquele espaço é possível sentir uma energia maravilhosa. Todas aquelas paredes decoradas, toda aquela atmosfera. Um bar rústico, totalmente ornamentado, artístico, indecifrável em palavras, magia talvez representasse ou se aproximasse da definição.

A mística de abertura foi ao som de reggae e facilitada por artistas jovens. Fechamos a reunião com a fala de “Flor do mandacaru” um/e dos/es jovens entrevistados/es que, por sinal, será apresentado à posteriori: “quebraram aquele palco para não ocuparmos, mas, já estamos ocupando e resistindo naquele lá”.

No dia 26 de junho de 2019 aconteceu a última reunião preparatória para o II Festival de Juventudes do GBJ. Tal momento ocorreu na biblioteca do CDVHS e foi conduzida por associados dessa instituição, colaboradores externos e as juventudes do JAP e Fórum. Mediada por uma jovem, responsável pela assessoria das juventudes. A reunião teve por objetivo planejar as ações a serem realizadas no segundo Festival de Juventudes do Grande Bom Jardim, escutando o que as juventudes tinham a dizer a respeito de suas percepções, bem como, exaltar

os fatores positivos, no que tange ao primeiro festival, para replicá-los sem deixar de levar em consideração as problemáticas da territorialização implementada pelos grupos criminosos e as possíveis situações de violência decorrentes dessa conjuntura. Por fim, a autoproteção em relação a equipe organizadora e os(as) participantes também foi levado em consideração, assim como, o uso de substâncias proibidas no prédio, levando em consideração que a maioria dos(as) participantes do evento eram adolescentes.

Outrossim, estivemos pensando estratégias logísticas: transporte, alimentação, frequência e, principalmente, segurança e/ou autoproteção como supramencionado - interna, em relação aos possíveis conflitos entre jovens de diferentes territórios e externo evitando o fluxo de entradas e saídas sem as devidas identificações e justificativas -. Foi pensada também uma equipe de mediação de conflitos na qual compus enquanto Psicólogo colaborador, ao lado de outras juventudes e demais colaboradores da instituição.

No dia 29 de junho, ocorreu o primeiro encontro do Festival de Juventudes do GBJ. Tantas juventudes. Um arco-íris de cores em seus adereços. Um grande (bom) jardim florido e diversificado com um único objetivo: viver intensamente e serem felizes. Tantas juventudes, tantas vidas, tantos sonhos juntos e compartilhados na alegria de viver. Vida pulsante, encarnada. Pura possibilidade de potência. O amor emanado por aqueles corpos me afetou e definiu os primeiros instantes em que adentrei aquele lugar. Após a acolhida, a proposta foi uma ciranda, enquanto davam as mãos pra fazer a roda, os batuques do Maracatu Nação Bom Jardim e do grupo de percussão Tambores do Gueto harmonizavam os ritmos - embalando as batidas do coração - nesse bonita pancada ritmada.

O lema do Maracatu estampado na camisa na altura do coração dizia: “a alegria é a nossa maior resistência”. Pude ratificar o sentido da frase naquele momento. Portanto, o amor e a alegria definem os primeiros instantes em que cheguei naquele lugar. A ideia era relatar

tudo, fotografar tudo, mas, por vezes, esquecia completamente que era pesquisador. Eu era mais um entre tantos.

Toda a ornamentação dos espaços foi feita pelas juventudes que compunham à época o JAP, Fórum de Juventudes e ambos. Com poucos recursos financeiros, mas imensamente criativos, tornaram aquele lugar mágico. Os momentos e místicas de abertura, condução das oficinas, formações políticas, brincadeiras, alimentação, mediação de possíveis conflitos, etc. Todas essas atividades eram conduzidas brilhantemente pelas juventudes, com um apoio dos demais colaboradores. A temática desse encontro foi: “O que é ser juventude e habitar esse território existencial?” Em muitos momentos reafirmavam suas potências e resistências a partir da música, da dança, da poesia e da arte. Enfim, diversas vozes, que ali estavam, repetiam: “as juventudes querem viver”.

A última frase que recordo ter escutado foi pronunciada por um jovem negro ao final do festival: Deixe-nos viver, ter uma chance ao menos. Atentos(as) e comprometidos(as) com o enfrentamento ao extermínio das juventudes no GBJ, a Rede DLIS, o CDVHS e outros(as) militantes de diversos territórios periferizados da cidade de Fortaleza realizaram no dia 24 de Julho de 2019, a pré-conferência do Fórum Popular de Segurança Pública (FPSP) nesse território, cujas temáticas foram questões que transversalizam as violências contra as juventudes periféricas (destacando o aumento no número de meninas exterminadas). Neste dia pude fazer a relatoria do encontro. Desta feita, o eixo prioritário desta pré-conferência nos territórios foi ter uma leitura dos cenários periferizados e empobrecidos, especialmente da região sudoeste da cidade de Fortaleza a partir dos dados sistematizados pelo CDVHS por uma ferramenta chamada sala de situação. Em seguida, lutar por efetivação e ampliação de direitos e políticas públicas, especialmente, de combate às violências contra as juventudes e demais situações adversas. Como encaminhamentos foram escolhidas pessoas (delegados) como representantes do GBJ no FBSP. Contribui com a relatoria desta reunião.

Falar de Segurança Pública nesses territórios não é apenas diagnosticar os problemas sociais relacionados aos crimes e a violência, mas sobretudo, pensar o bem-estar coletivo para plena autonomia e liberdade dos sujeitos que fazem/compõem determinadas sociedades (Diário de campo 5).

No mês seguinte, no dia 12 de Agosto de 2019 participei novamente, enquanto colaborador, de outra reunião de planejamento, logística, segurança e temáticas e debatedores(as) do Festival de Juventudes. Nesse dia, me propus a acompanhar todo o processo, desde a busca das juventudes nas Escolas em um dos ônibus no dia 17 deste mês. Chegado o dia, fiz questão de acordar mais cedo e participar de toda a rota e busca dos(as) meninos(as) nas Escolas como previamente acordado. Essa logística foi dificultada, por um desencontro de informações disponibilizadas pela coordenação do evento, não ficando explícitas aos condutores dos ônibus. Tais informações não poderiam falhar devido a problemática das regiões faccionadas e a diversidade territorial dos(as) participantes.

A cena sobredita foi importante marcador para ilustrar questões como a violência e os seus condicionantes que impedem o direito de ir e vir, ou seja, transitar livremente e com segurança entre os territórios do GBJ. A busca das juventudes nos territórios onde suas respectivas Escolas estavam localizadas gerou um pouco de inquietação pessoal e dos grupos, apesar de termos planejado a rota do ônibus fretado com antecedência, antes do motorista sair a informação recebida sobre o trajeto, gerou um complicador, já que havíamos traçado uma rota entre os colégios - nas reuniões de planejamento do festival - no intuito de preservar a integridade dos(as) estudantes e colaboradores da ONG/OSC. Esse pequeno empecilho logo foi sanado e podemos caminhar mais tranquilos.

No dia 14 de Setembro de 2019, estive participando de todas as atividades do Festival de Juventudes como sobredito. Tivemos belíssimas apresentações de Professores sobre o que era o “ser das áreas”, sobre meio ambiente e colaboradores internos e externos sobre o rio

Maranguapinho, homicídio de adolescentes no Estado do Ceará. No período da tarde facilitei uma roda de conversa sobre caminhos para identificar e proteger as juventudes contra o suicídio.

No que concerne a todas essas cenas narradas à partir dos diários do pesquisador, objetivamos acompanhar as processualidades emaranhadas e seus contágios (Passos & Barros, 2009), relatando tudo o possível, fotografando o máximo de cenas, me colocando sempre a espreita (Passos & Barros, 2009, p. 137), mas, por vezes, me permitindo esquecer completamente que era pesquisador, mas sim, um entre tantos.

Guardo comigo o sentimento de que estivemos construindo um comum, entre pesquisador e o campo pesquisado, um eu-campo, “eu-mar” ou um eu-(além)mar-vivências-periféricas. Tratava-se então de acompanhar existências que teimosamente destoavam dos modos de vida hegemônicos que lhes eram impostos pelo modelo colonial e dominante, fissurando-os. Alí eu estava, alí me implicava, esse é meu lugar, eu sou um deles.

1.2 “Mais flor, por favor”. Deixa florir: os(as) participantes da pesquisa.

Desde dos meus primeiros passos dados no território denominado Grande Bom Jardim, a curiosidade por esse chão político me acompanhava. Descobri nas conversações, a partir dos relatos de moradores(as) e lideranças locais, que estiveram nos primeiros processos migratórios de ocupação da região, que ela já se encontrava rica em flora, atravessada pelo bioma da caatinga, vegetação nativa do Nordeste brasileiro.

Por se tratar de um território que possui altas temperaturas, foi visivelmente perceptível que essa espécie de vegetação, é resistente às intempéries climáticas como as altas temperaturas e a escassez de chuvas. Se o solo é arenoso, pedregoso e seco durante boa parte do ano e tem

poucos nutrientes disponíveis na superfície, suas raízes tuberosas e profundas buscam longe tais substâncias e armazenam a pouca água remanescente em nome da sobrevivência. Essa ação natural vai de encontro à morte. Para resistir e se proteger diante de tal ambiência, o processo histórico de seleção natural fez com que tivessem de criar cascas grossas em seus caules, ramos e espinhos pontiagudos. De tempos em tempos elas enverdessem, flores surgem em todo território, do mandacarú aos ipês frondosos e coloridos, abrilhantando e trazendo uma riqueza visual e sensitiva, representada em cores e perfumes.

Já nas primeiras aproximações com o campo, pudemos ratificar que a SER V e o GBJ representam potência em flor, portanto, tivemos o cuidado em relação ao(s) critério(s) de escolha da flora-juvenil que co-participaria desta pesquisa, priorizando juventudes militantes que participam ou participaram de movimento(s), coletivo(s) ou entidade(s) juvenis, que habitam o território do GBJ e que vivenciaram algum tipo de violência. Sobre a nomeação dos(as) pessoas que foram entrevistadas, já que não propuseram um nome fictício, pedi licença para nomeá-los(as) como a resistência que os enxergo.

O primeiro a ser entrevistado foi o Cacto. Este, se apresenta como artista periférico, militante, poeta, ator, compositor e cantor. Tem 21 anos, reside no bairro Bom Jardim desde os seis anos de idade, portanto, é morador do Grande Bom Jardim há quinze anos. Se considera

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