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Debatendo os efeitos psicossociais das violências nos cotidianos infantojuvenis em

No documento Programa de Pós-Graduação em Psicologia (páginas 94-136)

2. Violência armada e homicídios em territorialidades urbanas no Nordeste brasileiro. 60

2.2 Debatendo os efeitos psicossociais das violências nos cotidianos infantojuvenis em

Figura 2. População total de Fortaleza dividida por bairros.

A figura 2, representa o mapa de Fortaleza com a distribuição populacional por bairros, onde a cor verde escura sinaliza uma menor densidade populacional e a cor vermelha a maior densidade populacional. A visualização deste primeiro mapa nos conduzirá aos outros dados em nosso propósito de análise dessa conjuntura.

Posteriormente traremos outros dados descritivos e visualmente importantes para situamos os(as) leitores(as) em relação à análise e problematização dessa conjuntura que se constitui social, cultural, histórica, política e psicossocialmente, cujos mecanismos que engendram a gestão da vida e da morte dos grupos populacionais representam investimentos em determinadas regiões por parte do poder público em detrimento de outras.

Diante desse cenário percebe-se uma contínua produção, transformação, reconfiguração e gestão nas dinâmicas sociais que envolvem o viver das comunidades, entremeado entre a maximização da precariedade, da vulnerabilidade e das tentativas de apagamento que empurram determinadas populações para a criminalidade e as visibilizam à partir das violências e dos crimes de homicídios. Tal análise será tematizada por marcadores como divisão administrativa dos bairros, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), economia/renda e homicídios por regiões, enunciando as consequências que essa gestão mortífera provoca no viver em alguns territórios da cidade (Butler, 2019).

A cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, é considerada a 5ª maior metrópole do País. Composta territorialmente por 312.353 km² em área total e contingente populacional de 2.452.185, esse total está estimado em 2.686.612 pessoas em 2020, com densidade demográfica de 7.786,44 habitantes por km² segundo o último censo realizado pelo IBGE no ano de 2010. Possui uma maravilhosa culinária típica, belas regiões praianas e diversos outros pontos turísticos como teatros, shoppings centers, museus, centros de arte, cultura e demais eventos, estádios, casas de shows, uma multiplicidade de bares e restaurantes, dentre outros. Com isso, a cada ano a capital cearense se consolida como um dos destinos mais procurados por todo o País (FORTALEZA, 2019).

Figura 3. Divisão de Fortaleza por Secretarias Executivas Regionais (SER).

Desde a década de 1990, mais precisamente no ano de 1997, a administração da Prefeitura de Fortaleza está dividida em Secretarias Executivas Regionais (SER). Ao todo são sete, que se dividem entre a SER I a SER VI além da SER do Centro (CERCEFOR). Estas são constituídas territorialmente por 121 bairros e em mais cinco distritos que, historicamente, eram vilas isoladas ou mesmo municípios antigos que foram incorporados à capital em decorrência da expansão dos limites do município. Um exemplo desses antigos municípios é o bairro de

Parangaba e Messejana com grandes contingentes populacionais anexados à capital cearense como podemos observar a seguir (FORTALEZA, 2019).

Figura 4. Índice de Desenvolvimento Humano Municipal da cidade de Fortaleza (IDHM).

A capital do Ceará possui um IDH (ou IDH Municipal) de 0,754, situando o município numa faixa de Desenvolvimento Humano considerado alto (IDH entre 0,700 e 0,799). O Produto Interno Bruto (PIB) per capita em 2016 foi de 23.045,09 R$. Os índices que mais contribuíram para o IDH elevado do município foram os da longevidade, com índice de 0,814, seguido de renda, com índice de 0,716, (PIB 37,1 bilhões de reais, quase a metade do PIB de todo o estado e o maior entre as capitais do Nordeste, superando estados como Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe) e de Educação, com índice de 0,672 (FORTALEZA, 2019; IPECE, 2019).

Com esta descrição de Fortaleza, poderíamos supor que a capital é um território perfeito para habitar e propício para o desenvolvimento das potencialidades humanas em todos os segmentos populacionais. Mas, será que toda essa bonança alcança as pessoas integralmente, mesmo as que estão domiciliadas nas áreas consideradas periféricas da capital cearense? Se não, essa constatação seria uma espécie de “maldição” recaída sobre algumas parcelas

populacionais empobrecidas em meio a uma sociedade rica e, ao mesmo tempo, desigual? (Wacquant, 1994).

Longe de termos a pretensão de encerrarmos esse debate, o que as pesquisas nos revelam é um histórico processo de urbanização na cidade de Fortaleza constituído a partir de uma proposta marcadamente segregadora. Isto posto, enquanto alguns territórios foram e permanecem valorizados estruturalmente “servindo para especulação imobiliária; outros, mais periféricos, crescem de forma caótica sem infraestrutura para garantir condições mínimas de cidadania, desconsiderando o interesse de uma grande parcela da população” (Abramovay, Feffermann & Régnier, 2012, p. 5).

Frantz Fanon (1968), em seu livro “Os condenados da terra” traz um exemplo que utilizamos como comparativo, pois, ilustra bem as segregações historicamente engendradas no estado do Ceará, especialmente, na capital cearense dividida em dois lados distintos da mesma moeda ou a duas cidades em uma, como no caso das SER II e V, onde a primeira estaria relacionada a cidade ou mundo dos “colonos” e a segunda relacionada aos “colonizados” em que os territórios se apartam, se opõem, e, a depender da localização ou população que os habitam são violentados ou protegidos pelo poder público. Assim sendo: “Estas duas zonas se opõem, mas não em função de uma unidade superior. Regidas por uma lógica puramente aristotélica, obedecem ao princípio da exclusão recíproca: não há conciliação possível, um dos termos é demais” (Fanon, 1968, p. 28).

Utilizamos metaforicamente a caracterização tecida por Fanon (1986) para ilustrar a diferença abissal entre as duas faces da mesma cidade da seguinte maneira:

A cidade do colono é uma cidade sólida, tôda de pedra e ferro. É uma cidade iluminada, asfaltada, onde caixotes do lixo regurgitam de sobras desconhecidas, jamais vistas, nem mesmo sondadas [...] A cidade do colono é uma cidade saciada, (p. 28) indolente, cujo ventre está permanentemente repleto de boas coisas. A cidade do colono é uma cidade de brancos, de estrangeiras. A cidade do colonizado, ou pelo menos a cidade indígena, a cidade negra, a médina, a reserva, é um lugar mal afamado, povoado de homens mal afamados. Aí se nasce não importa onde, não importa como. Morre-se não importa onde,

não importa de quê. É um mundo sem intervalos, onde os homens estão uns sôbre os outros, as casas umas sobre as outras. A cidade do colonizado é uma cidade faminta, faminta de pão, de carne, de sapatos, de carvão, de luz. A cidade do colonizado é uma cidade: acocorada, uma cidade ajoelhada, uma cidade acuada. É uma cidade de negros, uma cidade: de árabes (Fanon, 1968, p. 29).

Conciliando-se a descrição sugerida por Fanon (1968), acrescida das informações contidas na figura 4, à partir dos dados coletados pela pesquisa do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), visualizamos que, dos 121 bairros que compõem o município de Fortaleza, apenas oito encontram-se na faixa do melhor IDH (0,7001 a 0,9531), 21 bairros representam os segundos melhores índices de IDH (0,5001 a 0,7000), com o terceiro melhor IDH (0,3501 a 0,5000) há 28 Bairros. Do outro lado, com o segundo pior IDH de Fortaleza (0,2501 a 0,3500) conseguimos identificar 34 Bairros. Por fim, com os piores IDHs da cidade, figuram 28 Bairros (IPECE, 2019).

Todos os bairros com o IDH mais satisfatório (0,7001 a 0,9531) da cidade estão concentrados em uma única Secretaria Executiva Regional (SER II). Contrastando com essa realidade, se levarmos em consideração o outro lado periferizado ou à margem do centro da cidade, - não apenas geograficamente, mas no que tange aos serviços mantenedores da vida - encontraremos bairros com altos índices de empobrecimento, vulnerabilização sociais e violências, cujas políticas públicas não chegam ou são insuficientes, consequência dos orçamentos públicos que figuram como se “sobras” fossem advindas de outras Regionais da cidade (IPECE, 2019).

Malícia, habitante do território do GBJ (SER V) questiona o porquê dessa condição estrutural gerida por meio da segregação induzida em sua lida diária, e de um expressivo contingente de pessoas que residem em regiões localizadas à margem de Fortaleza, em detrimento de áreas consideradas nobres e desenvolvidas de uma capital com excelente IDH geral:

A gente nasce em um dos bairros que é considerado o mais pobre, mais violento e mais cheio de mazela, dentro de uma capital tão desenvolvida quanto a Fortaleza, né? (Malícia)

Destarte, as regiões localizadas ao sul da cidade, ou seja, as SER V e SER VI, respectivamente, sobretudo a primeira, ocupam as posições de territórios com o maiores números de bairros com os IDHs mais desfavoráveis, cuja localização geográfica abrange espaços apartados ou à margem das zonas de conforto, enaltecendo o caráter de cidade segregadora e desigual. Numa análise mais atenta, o desenho da malha urbana da cidade de Fortaleza, escancara suas desigualdades e segregações socioespaciais (IPECE, 2019).

Nesse contexto segregativo, o conceito de “necropolítica” (Mbembe, 2018) nos aproxima da descrição e compreensão das diferenças abismais acionadas e administradas pelos mecanismos estatais e/ou institucionais cujos objetivos são: a dignidade e direito à vida para alguns grupos geograficamente localizados e o oposto para os outros. Desse modo, Abramovay, Feffermann e Régnier (2012) sugerem que: “os impactos desta realidade de confinamento são visíveis principalmente nas populações de menor renda e nível educacional. As fronteiras tornam-se presentes, através de muros e grades, fragmentando a cidade, impedindo o contato com o outro” (p. 5).

Os(as) “outros(as)”, dos quais a citação acima retrata, são aqueles(as) que não são ou não tiveram apoio do poder público e das suas políticas para serem, ou seja, possuem o direito de ser diariamente violado, destituídos do caráter de sujeito de direitos, apartados dos serviços essenciais e mantenedores de uma vida digna. Empurrados para morrer (subitamente ou aos poucos) ou serem exterminados(as), esses(as) “outros(as)” ou as minorias/maiorias sociais, residem em zonas periferizadas da cidade. A forma com que sobrevivem em meio a essa negação é ilustrada em uma cena sob forma de desabafo de uma jovem moradora do GBJ através de sua experiência cotidiana na comunidade:

A gente entrar nas casas hoje perceber que não tem banheiro, banheiro, 2020, as casas não tem banheiro, isso é muito doloroso, olhar para nossa realidade, para nossa comunidade hoje, e perceber como que a gente é tratado pelo Estado, como que a negligência chega para a gente, perceber as nossas faltas é muito doloroso (Malícia).

Além da privação mencionada pela jovem residente da SER V (GBJ), uma série de outras carências/insuficiências relacionadas à saúde, à educação, a políticas de geração de emprego e renda, esporte e lazer, reforçadas por fatores sociais, políticos e simbólicos representam o esgarçamento no cenário de empobrecimento, bem como a proposta de indução de situações que maximizam a precarização das vidas (Butler, 2019). Tais situações sobreposição das múltiplas omissões e insuficiências de políticas para o bem-viver da população, agenciam um histórico cenário de desigualdades, opressões e mecanismos de mortificação, que maximizam a precarização das existências de determinados segmentos populacionais territorialmente localizados, especialmente, às margens da capital cearense.

A figura 4 ainda sugere ainda, que, dos 18 bairros que constituem a SER V, oito são detentores dos piores IDHs de Fortaleza. Nenhum bairro dessa SER aparece destacado com a cor azul (IDH mais alto), enquanto na SER II (região mais rica da cidade), abriga apenas dois bairros com o pior IDH, destacados em vermelho na figura 4, número 350% maior do que na SER V com nove bairros, ou seja, 50% dos bairros que compõem essa Regional respondem pelos piores IDHs da Cidade (Bom Jardim, Canindezinho, Genibaú, Granja Lisboa, Granja Portugal, Parque Presidente Vargas, Parque Santa Rosa, Planalto Ayrton Senna e Siqueira).

Embora entendamos que as situações de pobreza não se elucidam apenas por fatores monetários ou distribuição de renda, mas, ao contrário, se vincula a múltiplas faltas e omissões anteriormente citadas, todavia, pautamos esse critério a seguir, de modo a uma melhor compreensão das desigualdades que a capital cearense apresenta em sua distribuição por SER (Moura Jr. et al., 2014).

Figura 5. Valores de rendimentos nominais médios mensais das pessoas em Fortaleza.

O mapa acima, disponibilizado pelo (IPECE), a partir de números cedidos pelo último censo do (IBGE) destaca que, dos oito bairros com maior rendimento nominal médio mensal por pessoa da cidade de Fortaleza (entre 2.000,01 R$ a 3.659,54 R$/mês) todos situam-se na SER II, bem como os maiores IDH, são eles: bairro Aldeota, bairro Cocó, bairro De Lourdes, bairro Dionísio Torres, bairro Guararapes, bairro Meireles, bairro Mucuripe e bairro Varjota. Situada numa localidade considerada nobre em Fortaleza, a SER II apresenta um contingente populacional de 334.868 pessoas e cerca de 9.549 pessoas possuem rendimentos acima de 20 salários mínimos, com renda média mensal de 1.850,1 (IPECE, 2019; IBGE, 2010).

Na parte sul do mapa, mais precisamente na SER V, concentra as piores rendas mensais por pessoa com valores que variam de 239,25 R$ a 500,00 R$/mês em média. Os dados demonstram que dos 10 bairros com os piores IDH-Renda, oito estão localizados nessa SER e o último colocado na SER VI. Os bairros localizados na região do GBJ colocam-se entre as posições 110º (Bom Jardim) corresponde à renda de 349,75 R$ por pessoa e 117º (Canindezinho) com o valor de 325,47 R$. O detalhe é que a capital cearense possui 121 bairros (IPECE, 2019; IBGE, 2010).

Tais números, apesar de demonstrarem o abismo da segregação social permeado por desigualdades na cidade de Fortaleza, não são os mais impactantes. Olhando a diferença populacional em números, a SER II possui 206.643 pessoas a menos que a SER V. Apesar disto, a SER II possui recursos orçamentários municipais bem maiores, sendo 25.285.380,00 R$ investidos pelo Poder Público enquanto a SER V recebe 21.136.559,00 R$ de investimentos da mesma gestão pública municipal (IPECE, 2019).

A cidade desenvolve-se, assim, de forma desigual e o Estado se impõe de forma distinta nos espaços construídos como centrais ou como periféricos. Têm-se regiões e/ou territórios que possuem equipamentos e serviços sociais, culturais, de saúde, educação, lazer, infraestrutura urbana como saneamento básico e rede pública de água e energia elétrica, dentre outros. E, ao contrário, identificam-se espaços às margens do Estado: relegadas, desprovidas dos mesmos serviços ou oferecidos de forma precarizada, desqualificada, sendo projetadas como “espaços de crime e de pobreza”, a delinear as áreas de insegurança (social e civil), estigmatizadas e segregadas das cidades (Paula, Leite & Bezerra, 2017, p. 9).

Parte do questionamento em relação às políticas governamentais pensadas e garantidas às periferias, decorrem dos baixíssimos investimentos em políticas sociais, gerando desamparo em relação às perspectivas de presente e futuro. Os processos de precarização de comunidades inteiras nos territórios periferizados da Cidade, não ocorrem ao acaso, há um propósito, uma gestão, uma administração ou “uma reiterada política de fazer morrer, com técnicas planejadas e sistemáticas” (Bento, 2018, p. 4), onde questões carregadas de fatores de risco à população são evidenciadas, por isso, devem ser levadas em consideração quando pretendemos compreender essa conjuntura mortífera (Moura Jr. et al., 2014; Butler, 2019).

Diante desse cenário de mazelas induzidas, maximizadas e administradas, em que as políticas públicas incidem em ações diferenciadas e territorializadas entre cuidados e omissões/violências, acabam por gerenciar condições mortíferas, fazendo com que alguns grupos estejam arbitrariamente submetidos ao controle das condições necessárias à

sobrevivência em níveis mínimos (Mbembe, 2018). A nós, enquanto pesquisadores e psicólogos comprometidos com a transformação dessa realidade social incumbe:

a problematização das políticas de precarização da vida dos segmentos juvenis a partir de enquadramentos que os tratam, de maneira estigmatizada, como não cidadãos. Essa precarização da vida, em âmbito macro e micropolítico, tem sido produzida numa relação entre o avanço do neoliberalismo e o crescimento de desigualdades, relação esta que se ancora em pontos como o individualismo, a indiferença ao coletivo, a fragmentação, segregação, exclusão de jovens periféricos como aspecto característico da organização dos modos de viver na/a cidade (Barros, Benício & Bicalho, 2019, p. 39).

A política de precarização é histórica, socio-estrutural e colonial. Apaga determinados grupos empobrecidos, resultando em morte por exclusão e inanição de políticas públicas para o bem-viver-comum de alguns segmentos racializados e empobrecidos, aumentando a criminalidade e assassinatos em série, executados indiretamente (omissões ou ausências) ou diretamente (violências e assassinatos) por agentes do estado e/ou demais grupos criminosos aliançados a ele ou não. Partindo dessa premissa, o jovem Xique-xique sugere que:

Os locais mais pobres e de maiores vulnerabilidades têm esses problemas, né? Aqui a gente vê ausência na educação. Teve muitos alunos que, depois que o Colégio Integral foi colocado, ficaram sem vagas. Na saúde faltam médicos, faltam coisas básicas no Posto de saúde, como medicamentos. O saneamento básico tem muitas casas daqui que vivem no meio da lama e esgoto a céu aberto. E é comprovado que quando acontece isso, quando não se tem essas políticas básicas de direitos humanos o índice de criminalidade aumenta (Xique-xique).

Após a breve apresentação do cenário, do qual o panorama central é a reprodução e indução premeditadas dos processos que engendram situações de desigualdade, pobreza e precarização em territórios favelizados da cidade de Fortaleza, cujo genocídio representa-se como o fatídico golpe de misericórdia aos habitantes desses lugares. Nesse caso, as situações de empobrecimento não definem, mas, contribuem para um entendimento da conjuntura onde se matam pessoas (Barros et al., 2020).

No que concerne a conjuntura nacional, particularmente, a capital cearense, Brasil et al., (2010) sinalizam para a problemática relacionada ao crescente número de assassinatos, a partir de dados disponibilizados pela SSPDS, Instituto Médico Legal (IML) e Perícia Forense do Estado do Ceará (PEFOCE), quando Fortaleza registrou 844 homicídios contra a população total em 2009, uma década depois, segundo o CCPHA (2019), foram registrados 2.141 homicídios em Fortaleza, dessas vítimas, 521 eram adolescentes (IPEA; FBSP, 2019).

Figura 6. Número de homicídios por bairros de Fortaleza em 2012.

Em relação a gestão violenta e mortífera das condições de existência dos(as) habitantes dos territórios periferizados da capital cearense, os 16 bairros destacados em vermelho na figura 6, sinalizam que essas áreas na cidade de Fortaleza, concentram o maior número de homicídios, representando o fatídico golpe de misericórdia aos habitantes desses lugares cujas consequências diretas refletem os maiores números de homicídios da capital cearense (31 a 70 homicídios no ano). Os 14 bairros assinalados na cor laranja, bem como os 23 assinalados na cor amarela registram, respectivamente, (21 a 30) e (11 a 20) homicídios no ano. Em síntese, mais de 44% dos homicídios de Fortaleza no ano de 2012 concentram-se em 53 dos 121 bairros localizados, sobretudo nas SER V e VI, portanto, detentoras dos piores: IDHs, rendas médias

mensais por pessoa e investimentos em políticas sociais garantidoras da vida. Em contrapartida, apenas dez bairros enunciam-se assinalados na cor branca (nenhum homicídio). Toda a SER II registrou menos de 10% do total de homicídios de Fortaleza, região com melhores: IDHs, rendas médias mensais por pessoa e investimentos em políticas sociais (Mbembe, 2018; Butler, 2019; IPECE, 2019).

A partir da síntese acima, compreendemos que a operação: omissão/ação dos mecanismos que gerenciam a vida de determinados grupos populacionais da cidade resulta em morte. Nessa conjuntura colonial, critérios como raça, status sócio-econômico e localização geográfica, por vezes, decretam: “quais são as pessoas predominantemente atingidas por essa forma de violência: sujeitos os quais o Estado alcança quase que exclusivamente, por meio de suas instituições de repressão e punição” (Brasil et al., 2020, p. 2).

Seguindo essa linha de raciocínio, a capital cearense encontra-se fragmentada onde, de um lado da cidade, parte do litoral ou nos centro comerciais, localizam-se os bairros que “devem” ser protegidos e “cuidados” pelo poder público, e de outro, as populações localizadas além-mar e distante desses centros econômicos “devem” ser exterminadas, maximizando permanentes “estados de exceção” (Agamben, 2004, p. 13), a que se referiu o autor Giorgio Agamben, “tais como são as periferias, favelas e os espaços de confinamento” (Barros & Benício, 2017, p. 38).

Segundo Agamben (2004, p. 13) o termo “estado de exceção, antes de ser uma lei ou um território, pode ser melhor definido como uma técnica de governo”. Tal conceito representa um mecanismo que amplifica os tentáculos dos poderes governamentais e particularmente dá ao poder executivo a prerrogativa de executar suas próprias leis, o Estado é a lei e a garantia desta, portanto, em tempos de guerra define quem, onde e como se pode matar.

Nos territórios periferizados como o GBJ, onde a gestão violenta e mortífera da vida é acionada e administrada pelos mecanismos de “exceção”, constituem-se como personificação

dos “espaços de confinamento”, onde, “o sentido de cidadania se esvai, o discurso do medo e da insegurança invade todos os espaços, impedindo a visualização da realidade […] Constrói-se a figura do inimigo, protege-Constrói-se, de todas as formas contra ele” (Abramovay, Feffermann & Régnier, 2012, p. 5; Agamben, 2004).

Se expandirmos nosso escopo de análise conjuntural, no que tange às formas de violência assumidas pela instituição Estado, inferimos que esta não é a única entidade política causadora das mazelas sociais e, pois encontramos outros agentes no bojo dessas inter-relações de poder (e que também operam sob a lógica do extermínio em relação a determinados grupos

No documento Programa de Pós-Graduação em Psicologia (páginas 94-136)