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Programa de Pós-Graduação em Psicologia

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Academic year: 2021

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

MOVIMENTOS SOCIAIS E PRÁTICAS DE RESISTÊNCIAS: ENFRENTAMENTO À LETALIDADE DE JOVENS EM UM TERRITÓRIO MARCADO POR

VIOLÊNCIAS E LUTAS POPULARES.

Jean Elyson Rodrigues Borges

Natal 2021

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Jean Elyson Rodrigues Borges

MOVIMENTOS SOCIAIS E PRÁTICAS DE RESISTÊNCIAS: ENFRENTAMENTO À LETALIDADE DE JOVENS EM UM TERRITÓRIO MARCADO POR VIOLÊNCIAS E

LUTAS POPULARES.

Dissertação elaborada sob orientação da Prof. Dra. Candida Maria Bezerra Dantas e coorientação do Prof. Dr. João Paulo Pereira Barros e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Natal 2021

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Borges, Jean Elyson Rodrigues.

Movimentos sociais e práticas de resistências: enfrentamento à letalidade de jovens em um território marcado por violências e lutas populares / Jean Elyson Rodrigues Borges. - 2021. 219f.: il.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2021.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Candida Maria Bezerra Dantas. 1. Violência - Dissertação. 2. Juventudes - Dissertação. 3. Território - Dissertação. 4. Psicologia - Dissertação. 5.

Movimentos Sociais - Dissertação. 6. Lutas populares - Dissertação. I. Dantas, Candida Maria Bezerra. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.9

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Quero a utopia, quero tudo e mais Quero a felicidade nos olhos de um pai Quero a alegria muita gente feliz Quero que a justiça reine em meu país Quero a liberdade, quero o vinho e o pão Quero ser amizade, quero amor, prazer Quero nossa cidade sempre ensolarada Os meninos e o povo no poder, eu quero ver São José da Costa Rica, coração civil Me inspire no meu sonho de amor Brasil Se o poeta é o que sonha o que vai ser real Vou sonhar coisas boas que o homem faz E esperar pelos frutos no quintal Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço pra ter poder? Viva a preguiça, viva a malícia que só a gente é que sabe ter Assim dizendo a minha utopia eu vou levando a vida Eu vou viver bem melhor Doido pra ver o meu sonho teimoso, um dia se realizar.

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Agradecimentos

Os efeitos do embrutecimento das forças mortíferas que assombram grupos compostos por corpos racializados e localizados em territórios periferizados, nos provocou uma postura ética de indignação. Produzir uma dissertação que interrogue e denuncie essas práticas passou a representar um compromisso ético e político com esses grupos subalternizados.

Os caminhos se conhecem caminhando. A coconstrução deste estudo ratificou a potência de caminharmos juntos sobre os rastros deixados pelos nossos(as) ancestrais, que deram importantes passos antes de nós nesse Grande(bom)Jardim composto por flores, espinhos, sangue e luta. Portanto, caminhamos, entre pelejas e afetos compartilhados com as lideranças intergeracionais, especialmente, as juventudes, construindo alicerces e colunas de sustentação forjadas nesse chão político. Nos fortalecemos nos abraços que afagaram, nos ombros que consolaram, nas famílias que construímos e nos carinhos que nutriram e nos fortaleceram a cada dia, a cada passo dado. Nessa trajetória não fui um. Fomos nós, difícil de desatar, por isso, gratidão:

À minha orientadora, Dra. Candida Maria Bezerra Dantas por sua humanidade, humildade, competência, generosidade e compreensão ao longo desse processo. Suas contribuições foram extremamente importantes e necessárias para meu processo de amadurecimento acadêmico e, acima de tudo, humano. Obrigado por acreditar em meu potencial e escolher caminhar junto comigo. Gratidão também ao grupo de pesquisa: Modos de Subjetivação, Políticas Públicas e Contextos de Vulnerabilidades da UFRN;

Ao meu coorientador Dr. João Paulo Pereira Barros e todos(as) que compõem o Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação (VIESES/UFC) pelo acolhimento, carinho, atenção e aprendizados compartilhados. Vocês me orgulham. Gratidão por terem sido descontração e respiro em meio a asfixia conjuntural atual;

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Às Professoras Gisele Toassa e Priscilla Lima pela avaliação e sugestões no seminário; Aos Professores que, generosamente, participaram da minha banca de qualificação e defesa: Candida de Souza e Luiz Fábio Silva Paiva. Gratidão pela gentileza do aceite e pelas leituras atentas, ponderações necessárias e sugestões dos caminhos possíveis a partir de articulações teóricas, metodológicas, epistemológicas e políticas desse texto;

À todos(as) os(as) mestres(as) professores(as) do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRN, especialmente à coordenação deste, as Professoras Ilana Paiva, Izabel Hazin e funcionários da secretaria Bruno e Lizianne, por toda a presteza e solicitude nesse período. Vocês forneceram as condições que viabilizaram o meu caminhar;

Às juventudes militantes que compõem/compuseram o Fórum de Juventudes da Rede DLIS e habitam/habitaram o território do Grande Bom Jardim que, generosamente, aceitaram caminhar comigo nesse importante desafio acadêmico-político e coprodução desse estudo, ensinando valores como: respeito, r-existência e protagonismo juvenil. Sem suas pegadas e rastros na areia, não seria possível navegar nesses mares-vivências-periféricas. A vocês, meu carinho, respeito e gratidão.

À minha mãe, por seu apoio e amor incondicionais ao longo de minha existência, por ser meu maior exemplo de amor, cuidado, empatia, força, generosidade, resiliência, r-existência, humanidade e inspiração;

Ao meu pai que, mesmo distante fisicamente, sinto seu carinho, apoio e preocupação; Aos meus irmãos Jefferson e José, o primeiro por ter sido inspiração para ingressar na Universidade. Aos dois pelo companheirismo, amizade e proteção ao longo da vida;

Às minhas sobrinhas Joyce, Iamara e Beatriz, por cada uma representar um feixe de luz e alegria em muitos momentos de minha vida;

À Marileide Luz, pelo companheirismo nesses quatro anos, por ter apoiado e acreditado que esse sonho seria possível, sobretudo nos momentos mais difíceis, desde o início dessa

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trajetória diante da minha descrença na aprovação do mestrado. Gratidão também pelo carinho e afeto, pelas escutas atenciosas, pelos ensinamentos, pela paciência e generosidade. Você foi fundamental nesse projeto de vida!

Aos(as) amigos(as) lideranças comunitárias da Rede DLIS - e demais movimentos sociais, coletivos e entidades - pelo aprendizado, acolhidas e cafés após as reuniões para pensar e operacionalizar os bons caminhos para o nosso território;

Aos(as) amigos(as) do Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS) pela parceria e contribuição na articulação de campo, em especial: Lúcia, Joaquim, Ingrid e Diego; À minha amiga e confidente Patrícia Marciano por ter sido, nesses últimos sete anos, acolhimento, apoio e ouvidos em situações de dúvidas (acadêmicas ou não), tristezas, angústias e alegrias. Orgulho e admiração por você;

À amiga e Professora Jurema Dantas pela generosidade, aprendizados, parcerias e por ter sido terreno fértil no período de graduação na UFC e que foi alicerce para este Mestrado.

Aos amigos Pai Marcos, Pai Erivaldo (Branco), Mônica, Kássia, Reynaldo, Adriano, Carlos, Ruberval, Graça, Joyce, Eduardo, Harryson, Gorete, Benedito, Anita, Rosiana, Júnior, Ana Maria, Iolanda e Dedé por terem sido fontes terapêuticas de afetos, força e alegria;

Aos amigos da ONG que atuo chamada Associação Beneficente O Pequeno Nazareno (OPN), especialmente, o Programa Gente Grande (PGG);

Ao meu amigo Rafael, que tive a honra de conhecer nesse processo de Mestrado, por sua presença em horas difíceis, sugestões acadêmicas brilhantes e conversas divertidas;

Às amigas da UFC: Jéssica, Jamili, Kelly e Letícia, pela amizade e companheirismo; Aos amigos da turma de 2019 do mestrado da UFRN: Matheus, Carol, Luana, Victor, Marina, Michele, Leo, Eliene e demais colegas pelas conversas e cafés que tanto me alegraram e contribuíram com que eu acreditasse que esse sonho seria possível;

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A todos(as) gratidão por insistirem em se fazerem presentes, mesmo quando a ausência, provocada pela tecnificação da vida, nos tirou de momentos felizes. Preciso de vocês para a construção do melhor que posso ser. Peço que sigamos na luta até que nenhuma juventude racializada, empobrecida e periferizada seja exterminada.

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Lista de Figuras

Figura 1 - Brasil: variação percentual da taxa de homicídios de jovens por UF (2017 a 2018)... 73 Figura 2 - População total de Fortaleza dividida por bairros... 89 Figura 3 - Divisão de Fortaleza por Secretarias Executivas Regionais (SER)... 90 Figura 4 - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal da cidade de Fortaleza (IDHM)... 91 Figura 5 - Valores de rendimentos nominais médios mensais das pessoas em Fortaleza... 96 Figura 6 - Número de homicídios por bairros de Fortaleza em 2012... 99

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Lista de Tabelas

Tabela 1 - Número total de homicídios no Brasil por Unidades Federativas entre (2008 a 2018)... 67 Tabela 2 - Proporção de homicídios em relação à faixa etária e gênero no Brasil em 2018... 68 Tabela 3 - Número de homicídios de jovens (faixa etária de 15 a 29 anos de idade) por UF (2008-2018)... 72 Tabela 4 - Perfil básico das vítimas de homicídio em gênero, idade, frequência e percentual no território do GBJ entre os meses de Janeiro a Junho (2015 a 2020)... 120 Tabela 5 - Número de homicídios da população geral do GBJ nos seis primeiros meses de 2015 a 2020... 121

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Sumário

Lista de Figuras ... viii

Lista de Tabelas ... ix

Resumo ... xii

Abstract ...xiii

Introdução ... 13

1. A composição de uma pesquisa encarnada entre imersões e contágios em um território (além)mar-vivências-periféricas. ... 30

1.1 As (re)visitações ao campo-(além)mar-periférico de Fortaleza, o Grande Bom Jardim e o Fórum de Juventudes da Rede DLIS. ... 41

1.2 “Mais flor, por favor”. Deixa florir: os(as) participantes da pesquisa. ... 50

1.3 Ferramentas metodológicas além-mar: as práticas da jardinagem para a colheita de histórias de vida no (Grande Bom) Jardim em flor. ... 53

1.3.1 Diário de campo como ferramenta marginal para as escritas de si e do campo: acompanhamento das atividades do Fórum de Juventudes, entre ações e contágios. ... 54

1.3.2 Entrevistas: para não dizer que não falei com as flores do Grande (Bom) Jardim. .. 55

1.4 Comitê de Ética em Pesquisa ... 59

2. Violência armada e homicídios em territorialidades urbanas no Nordeste brasileiro. 60 2.1 Os processos de maximização da precarização das vidas em zonas da morte: o desamparo e a indiferença prenunciam o extermínio infantojuvenil. ... 60

2.2 Debatendo os efeitos psicossociais das violências nos cotidianos infantojuvenis em um território periferizado de Fortaleza: “o desafio de contemplar flores e colher frutos no Grande (Bom) Jardim, regado por sangue”. ... 88

3. Movimentos sociais e práticas de resistências enquanto possibilidade de contemplar flores e colher frutos no Grande (Bom) Jardim regado de sangue e lutas populares. ... 118

3.1 A emergência dos movimentos sociais como enfrentamentos aos modos de organização social instituídos e seus efeitos negativos para as populações mais vulneráveis na cidade de Fortaleza. ... 132

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3.2 A insurgência de um movimento de luta popular e reivindicatória em um território periferizado de Fortaleza: a Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim. ... 141

3.2.1 Diante da violência insistente seremos “r-existência” insurgente: a cri-ação do Fórum de Juventudes da Rede DLIS no “quilombo urbano” chamado Grande Bom

Jardim. ... 158

4. A ordem do dia é r-existir: o território do Grande “Bom Jardim tem flores lindas”. ... 184 Referências ... 196

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Resumo

No Brasil, somente no ano de 2017, 65.602 vidas foram brutalmente exterminadas, das quais 35.783 eram jovens. A região Nordeste concentrou as maiores taxas de letalidade infantojuvenil, fenômeno considerado como “nordestização dos homicídios”. O Ceará revelou o maior aumento de assassinatos da federação, com 5.433 vítimas, mais de 76% do segmento infantojuvenil. O legado de uma sociedade colonial e herdeira das diásporas e genocídios, negros ainda assombra e aciona mecanismos mortíferos racializando os homicídios no Estado com taxa de 87,3 negros para cada 100 mil habitantes (12,7 não negros). Na capital cearense, 2.141 pessoas tiveram suas vidas ceifadas, destas 71% eram homens negros ou pardos, pobres e habitantes de zonas urbanas periferizadas, como no caso dos cinco bairros que constituem a região denominada de Grande Bom Jardim (GBJ). Esse território, encontra-se historicamente manchado de sangue pelas lógicas “necropolítica” e neoliberal, alicerçadas por mecanismos que subjugam as vidas ao poder da morte, agudizam a criminalidade, violências e letalidade contra os corpos jovens racializados, considerados supérfluos ao capital e a dinâmica do consumo. Partindo desse debate, pretendemos tematizar e problematizar esse fenômeno, bem como, refletir sobre as formas pelas quais o poder político se apropria dessas vidas como objeto de gestão e operam à partir da produção e manutenção de mecanismos que “precarizam” e “apagam” alguns grupos considerados “matáveis” e “indignos de luto”. Tal leitura de cenário se encarna a partir das significações tecidas e vocalizadas pelas juventudes periféricas do GBJ, tendo como contraponto os movimentos sociais enquanto práticas de resistências que compõem o Fórum de Juventudes da maior articulação sócio-política do território, a Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do GBJ (Rede DLIS). Esta Rede, composta por 25 entidades (mais de 30), constitui-se como espaço de resistência, incidência política e luta popular no território, contribuindo de forma articulada para o fortalecimento das ações de diagnóstico, planejamento e monitoramento de políticas públicas para garantia e efetivação de direitos humanos e enfrentamento da violência contra as juventudes. Destarte, partimos da seguinte pergunta de pesquisa: quais as principais práticas de resistências e lutas populares, implicadas e comprometidas estrategicamente com o enfrentamento à letalidade juvenil no Grande Bom Jardim? A partir disso, pretendemos, como objetivo geral: cartografar práticas de resistências dos(as) jovens que compõem o Fórum de Juventudes da Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável (Rede DLIS), criadas no território do GBJ, em Fortaleza, voltadas ao enfrentamento à letalidade de jovens. Tendo por objetivos específicos: conhecer trajetórias de vida de jovens que compõem o Fórum de Juventudes da Rede DLIS; compreender discursos/narrativas de jovens que compõem a Fórum de Juventudes da Rede DLIS acerca da dinâmica cotidiana de intensificação dos homicídios no território e os seus efeitos na produção de subjetividades; analisar a partir de quais estratégias o Fórum de Juventudes se articula a outros grupos locais, coletivos e entidades que compõem a Rede DLIS no enfrentamento à letalidade juvenil. Optamos pela pesquisa qualitativa sob a perspectiva da cartografia como estratégia metodológica de pesquisa-inter(in)venção, acompanhando as atividades desenvolvidas pelo Fórum de Juventudes e utilizando como ferramentas o diário de campo e as entrevistas semiestruturadas. Utilizamos como referenciais teóricos e epistemológicos os diálogos entre a Psicologia Social e autores(as) como Butler, Mbembe, Fanon, Foucault, Agamben, Gohn, Ammann, entre outros(as) que problematizam temáticas que interseccionam marcadores sociais de diferença produtores de violências e mortes, proporcionando uma leitura

da construção social que é também cultural, histórica, política e psicossocial. Palavras-chave: Violência, Juventudes, Território, Psicologia, Movimentos Sociais, Lutas

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Abstract

In Brazil, only in 2017, 65.602 lives were brutally exterminated, of which 35.783 were young. The Northeast region has concentrated the highest infant-juvenile rates, a phenomenon considered as “northeasternization of homicides”. Ceará showed the largest increase in murders in the federation with 5.134 victims, more than 76% of the juvenile segment. The legacy of a colonial society and heir of diasporas and genocides, black people still haunt and trigger deadly mechanisms racializing homicides in the state with a rate of 87,3 black people per 100 thousand inhabitants (12,7 non-blacks). In the capital of Ceará, 2.141 people had their lives mown, 71% of them were black or brown men, poor and inhabitants of peripheral urban areas, as in the case of the five neighbourhoods that constitute the region called Grande Bom Jardim (GBJ). This territory is historically bloodstained by the “necropolitical” and neoliberal logic, supported by mechanisms that subjugate lives to the power of death, exacerbate crime, violence and lethality against racialized young bodies considered superfluous to capital and the dynamics of consumption. Based on this debate, we intend to thematize and problematize this phenomenon, as well as reflect on the ways in which the political power appropriates these lives as an object of management and operate from the production and maintenance of mechanisms that “worse” and “erase” some groups considered “killable” and “unworthy of mourning”. Such a reading scenario is embodied from the meanings woven and vocalized by the GBJ peripheral youths, having as a counterpoint the social movements as resistance practices that make up the Youth Forum of the largest socio-political articulation in the territory, the GBJ’s Local, Integrated and Sustainable Development Network (DLIS Network). This Network, composed by 25 entities, constitutes itself as a space of resistance, political incidence and grassroot struggle in the territory, contributing in a coordinated manner, to strengthen the actions of diagnosis, planning and monitoring of public policies for guaranteeing and enforcing human rights such and facing violence against youth. Thus, we start from the following question of research: considering this scenario, what are the main practices of popular resistance and struggles, implicated and strategically committed to confronting youth lethality in Grande Bom Jardim? Based on that, we intend, as a general objective: to map resistance practices of young people who make up the Youth Forum of the Local, Integrated and Sustainable Development Network (DLIS Network), created in the territory of GBJ, in Fortaleza, aimed at confronting youth lethality. Having as specific objectives: knowing the life trajectories of young people who compound the DLIS Network Youth Forum; understanding discourses/narratives of young people who compose the DLIS Network Youth Forum about the daily dynamics of intensifying homicides in the territory and their effects on the production of subjectivities; analysing from which strategies the Youth Forum articulates itself with other local groups, collectives and entities that make up the DLIS Network in tackling youth lethality. We opted for a qualitative research from the perspective of cartography as a methodological research-inter(in)vention stratagey, following the activities developed by the Youth Forum and using the field jointly to the use of tools: field journal and the semi-structured interviews.We use the dialogs between Social Psychology and authors such as Butler, Mbembe, Fanon, Foucault, Agamben, Gohn, Ammann, among others that problematize themes that intersect social markers of difference that produce violence, providing a reading of the social construction that is also cultural, historical, political and psychosocial. Keywords: Violence, Youth, Territory, Psychology, Social Movements, Grassroot struggles.

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Introdução

A presente pesquisa-inter(in)venção de inspiração cartográfica intentou acompanhar e problematizar algumas lutas comunitárias em uma região periferizada e empobrecida na cidade de Fortaleza (Ceará), enquanto práticas de resistências de movimentos sociais, coletivos e entidades, especialmente representadas por jovens que compõem o Fórum de Juventudes da Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável (Rede DLIS), criadas no território do Grande Bom Jardim1 (GBJ), voltadas para o desenvolvimento do território, o “empoderamento” da população (Berth, 2019), para a conscientização política e luta pela garantia dos direitos, efetivação das políticas públicas e enfrentamento às mazelas sociais, especialmente à letalidade contra as juventudes empobrecidas e racializadas.

Esse chão político, do qual a Rede DLIS atua desde 2003, está localizado na região sudoeste de Fortaleza e possui um contingente populacional aproximado de 211 mil habitantes (IBGE, 2010) sendo composta geograficamente por bairros que possuem alguns dos maiores índices de vulnerabilidades sócio-econômicas, violências e mortes do Estado, são eles: Bom Jardim, Canindezinho, Granja Lisboa, Granja Portugal e Siqueira (FORTALEZA, 2019).

A escolha em estar nesse campo e pesquisar a temática, sobretudo no que tange aos genocídios infantojuvenis em massa, e seletivo, da população racializada, empobrecida e localizada “às margens urbanas” (Paula, Leite & Bezerra, 2017) da cidade de Fortaleza, cujos motores são os racismos e a periferização, justifica-se para além de uma proposta acadêmica, como uma ação política de autoquestionamento, indignação, denúncia e comprometimento com essas comunidades após as primeiras imersões no território ainda no período do estágio em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

1 A região denominada por Grande Bom Jardim é a junção dos bairros Bom Jardim, Granja Lisboa, Granja

Portugal, Siqueira e Canindezinho. “Essa denominação surgiu das lutas sociais que, [...], mobilizam associações, entidades de classe, igrejas, organizações não governamentais (ONGs) e moradores em torno de formação de redes de solidariedade em prol de melhorias nas condições de vida dos moradores” (PAIVA, 2014, p. 25).

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Antes desse fato, minhas inquietações éticas em relação às situações de violências vividas por essas “populações consideradas descartáveis” (Butler, 2019, p. 17) se detinham ao campo das ideias, comentários rasos e não reflexivos, notícias jornalísticas policialescas e/ou sensacionalistas permeadas por preconceitos, na comunidade onde habitava, ou nos debates calorosos - sem encaminhamentos concretos - nos espaços internos da Universidade ou, quando nas assembleias, nas aulas ou em reuniões questionava o porquê de alguns projetos e ações de extensões acadêmicas não produziam ecos noutras regiões pauperizadas da capital cearense, para além do raio territorial circunscrito aos prédios da Federal.

A imagem que eu trazia do território do GBJ à época era fruto de parte do ideário social, a do “vixe” (expressão usada no Ceará para representar situações de perigo). Os programas e noticiários policialescos insistiam em atribuir elementos negativos e associar levianamente algumas peculiaridades como território-periferia-pobreza-criminalidade-perigo, reafirmando insistentemente algumas características repulsivas que reforçavam o medo, a estigmatização e a (des)potencialização de toda e qualquer forma de vida que aqui residia. Portanto, a imagem particular e previamente projetada em relação ao território, teve relação direta com esse simulacro violento do racismo revelado em um nível institucional e, especialmente, estrutural (Kilomba, 2019), que estampa o “estigma da pobreza” e os demais:

processos de estigmatizações socioterritoriais, portanto, associados às figurações públicas negativadas do lugar de moradia nas “periferias” urbanas, configuradas como locus do narcotráfico, do vício, do perigo e dos “perigosos”, de “bandidos”, de “vagabundos”, nas versões do senso comum. Modelizações negativadas que projetam as margens e seus moradores, respectivamente, como espaços de insegurança e ameaça iminente e direta à ordem social estabelecida. Aqui, são as periferias das cidades brasileiras que passaram a encarnar a imagem socialmente construída de lugares indesejados e de evitação social, com efeitos perversos de estigmatização e segregação socioterritorial direcionados a pessoas e lugares no espaço urbano (Paula, Leite & Bezerra, 2017, p. 10).

Diante do referido, meu primeiro contato físico com o território do GBJ, se deu no final do sexto semestre do curso de graduação em Psicologia pela (UFC) em meados do ano de 2017,

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- pari passu com as primeiras leituras relacionadas a temáticas ligadas ao campo dos direitos humanos e ações que se desenham junto às resistências e lutas populares da sociedade civil2, - através de uma oportunidade de estágio em um projeto de extensão do curso de Medicina da UFC, em uma Organização Não Governamental (ONG) chamada à época de Movimento de Saúde Mental Comunitária (MSMC), localizada no bairro Granja Portugal, um dos bairros que compõem o território do GBJ. Nessa Organização, tive a oportunidade de participar de um projeto intitulado “Sim a Vida”, cujo objetivo era proporcionar acolhimento e desenvolvimento de potenciais criativos de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, estimulando-os com atividades artísticas e fomentando a profissionalização aos seus familiares. O principal foco do projeto era prevenir - e não proibir - que crianças e adolescentes3 se aproximassem diretamente do uso de substâncias ilícitas, integrando uma rede de proteção e defesa de seus direitos. Nessa curta passagem tive a grata oportunidade de conhecer militantes e ativistas ligados(as) a outras ONGs, lideranças locais, movimentos sociais, coletivos e entidades que atuavam no GBJ.

Quando adentrei o território do GBJ pela primeira vez, experienciei um misto de expectativa, curiosidade e entusiasmo, que se confundiam nalguns momentos com espasmos de espanto diante da paisagem urbana que se apresentava. Ao observar atentamente o trajeto, de dentro do transporte coletivo, na medida que me afastava do bairro Centro translucidava-se um véu denso, encobridor das mazelas sociais, e, por alguns segundos, a imagem estereotipada

2 Sociedade Civil é “[...] uma esfera da interação social entre economia e estado, composta acima de tudo das

esferas íntimas (família), a esfera de associações (especialmente associações voluntárias), movimentos sociais, e formas de comunicação pública” (GOHN, 2011, p. 95).

3 Considerando que os dados que subsidiaram essa pesquisa, no que tange a homicídio de adolescentes, foram

extraídos das pesquisas realizadas pelo Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), e estes, por sua vez, baseiam-se nas faixas-etárias entre 10 a 19 anos de idade para inclusão desse segmento (a segunda década da vida) seguindo critérios utilizados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), seguiremos esse mesmo critério quando nos referirmos a essas pessoas (Unicef, DATA).

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(frutos da construção histórica social, colonial e estrutural há mais de 500 anos) que habitava meus pensamentos e traziam um medo involuntário.

Algo quase inexplicável em palavras, mas intensamente repleto de sentidos e significados difusos, confusos e talvez não-racionais. O fato é que, até então, nesse território residia o(a) outro(a) que não eu, e tal percepção se constitui como uma realidade irracional construída e gerenciada pelo racismo estruturalmente presente em praticamente todos(as) nós (Fanon, 2008; Moreira, 2019).

O território se apresentava espacialmente - a meu campo perceptivo - como uma face da indução e maximização da precarização (Butler, 2019) imposta, particularmente, pela ausência ou insuficiência de apoio e ações de instituições governamentais e econômicas, contribuindo para as segregações socioespaciais, reiteradas através das pichações de siglas dos atuais grupos e facções criminosas, sobre outras siglas de gangues, representando uma substituição das dinâmicas de poder do crime organizado no lugar, trazendo outro importante elemento em um “intrincado jogo de rivalidades” (Paiva, 2019), bem como da nova forma de conduzir as ações criminosas nos territórios dominados, ratificado nos muros - sobre as tintas coloridas e desgastadas pela exposição ao sol forte nas residências simples - de quem é “o comando” (Paiva, 2019, p. 170).

Outras expressões dialogavam com a comunidade e se insinuavam nas fachadas de instituições e terrenos aparentemente abandonados, com frases escritas como sentenças: “não entrem sem capacete” ou “baixem os vidros ao entrar”, ou ainda, “quem roubar aqui vai morrer, assinado: o crime (ou o comando)”, “para ‘caboeta’ na comunidade o pagamento é tiro na cara”, também eram facilmente notadas, bem como, inscrições que pediam justiça pela morte de pessoas negras, inclusive de crianças. Por alguns momentos, essas cenas pareciam confirmar minhas primeiras impressões de sobrevoo, ou seja, “a ideia de que as facções protegiam a comunidade, evitando os roubos aos moradores” (Paiva, 2019, p.174).

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Simbolicamente, as ruas, becos e vielas do território pareciam transpirar sangue, suor e lutas. Não sei como cheguei a essa parcial e hipotética constatação, mas foi o que meus pensamentos e sentidos me indicaram. Os grafites e/ou os muros pichados denotavam, ainda, questões mais recorrentes e, portanto, mais visíveis: a representatividade da ancestralidade e resistência negra entranhada naquele chão enunciava potência de vida, ilustrada nas imagens artísticas e doloridas de corpos racializados e frases como: “as juventudes negras querem viver”, “não nos matem mais”, “juventude negra é arte e resistência!”.

A cada quilômetro percorrido, me aproximava do campo de estágio da Universidade e da realidade esgarçada e marcada pelo colonialismo enraizado e estrutural. Os tentáculos e facetas que as formas de racismos assumem, poderiam ser enxergados a partir da própria estrutura social ou das violências dirigidas a determinados grupos sociais pelos mecanismos institucionais. No que tange a este último, tive o desprazer de presenciar, em algumas visitações ao território do GBJ, ações truculentas e agressões físicas acionadas por agentes de segurança pública em abordagens contra segmentos infantojuvenis, sobretudo racializados. Diante desse fato, Moreira (2019), informa que: “o conceito de racismo institucional designa (p. 34) práticas institucionais que podem ou não levar necessariamente a raça em consideração, mas que mesmo assim afetam certos grupos raciais de forma negativa” (p. 35).

À vista disso, me interrogava a partir das reflexões sobre “quais saúdes e vidas devem ser protegidas e quais não devem” (Butler, 2019, p. 17). O que possuía de informação era que o efeito das segregações socioespaciais dessa região da cidade de Fortaleza, alicerçadas sob o signo de diversas desigualdades e racismos, antes dissimuladas em meu reduzido campo de visão e percepção de mundo, embaralhava-o e me nauseava.

Eram perceptíveis os mecanismos de produção e agenciamento de condições mortíferas a partir da negligência e insuficiência na oferta de políticas sociais essenciais à sobrevivência digna das pessoas que habitavam o lugar. As pancadas e tremuladas da carroceria desgastada,

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em função dos asfaltos esburacados e infraestrutura comprometida, - observadas nas minhas andanças nos transportes públicos pela cidade eram mais frequentes nessa região - denunciavam essas questões supracitadas (Butler, 2019).

Nesses espaços, erguiam-se os pilares da mortífera política econômica neoliberal e sua proposta de responsabilidade individual (empresários(as) de si) na condução da sua existência e sobrevivência. Era possível perceber que tal mecanismo forçava e empurrava as pessoas ao ilusório impossível, ou seja, tornarem-se independentes economicamente e/ou auto suficientes, mesmo em situações adversas e que negam essa possibilidade, com a insuficiência de bens e serviços mantenedores das vidas, sobretudo para aquelas juventudes.

Visualizava, ainda, muitas cenas passageiras de dentro dos coletivos através dos vidros das janelas empoeirados e nodoados que me faziam tematizar sobre aquela realidade. Tais imagens realçavam que o desemprego e/ou o sub-emprego se apresentava nas múltiplas faces da precarização do trabalho e as cenas de exploração do trabalho infantil que se intensificavam a cada metro avançado (Butler, 2019, p. 20).

Quando saímos do terminal rodoviário do Siqueira, localizado no bairro Bom Sucesso e paramos no semáforo (sinal), sobre a ponte do rio Siqueira (ou Maranguapinho), crianças, adolescentes e jovens, em sua maioria, vendiam doces nos sinais da avenida Osório de Paiva, dentro dos coletivos ou nas ruas. Enquanto várias pessoas caminhavam ou pedalavam na avenida, mais precisamente em seu canteiro central, algumas seguravam um terço na mão. Simultaneamente, algumas juventudes faziam malabarismo com tochas, argolas, bolas plásticas e facas nestes locais de grande tráfego de veículos e pedestres, além disso, limpavam o para-brisa dos veículos que paravam nos sinais barganhando alguns trocados, entregavam garrafões de água ou mercadorias dos mercantis locais, e puxavam carros de reciclagem, alertando que a precariedade induzida e maximizada da vida se fazia presente também na informalidade dos empregos desvelados nessas cenas (Butler, 2019).

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Abro um parêntese aqui para mencionar o que Butler quis dizer com o conceito de precariedade: “como condição compartilhada da vida humana” (Butler, 2019, p. 30). Essa condição sugere que, enquanto seres humanos, somos dependentes e vulneráveis à ação do outro, do mundo. Esse constitutivo existencial ou disposição é uma pré-condição inerente a nossa humanização. Concisamente, nas palavras de Arendt (2011): “nenhuma vida humana, nem mesmo a vida do eremita em meio à natureza selvagem, é possível sem um mundo que, direta ou indiretamente, testemunhe a presença de outros seres humanos” (p. 26).

Logo, desde nosso nascimento, dependemos das relações sociais e instituições - públicas e privadas - enquanto suportes para a realização e satisfação das nossas necessidades básicas de sobrevivência e qualidade de vida como: alimentação concedida por outro ser vivo ou serviços essenciais como as políticas públicas para infraestrutura que possibilitem uma vida passível de ser vivida com qualidade. Caso não tenhamos esses suportes, sofreremos mais fortemente os impactos e os efeitos dos processos de precarização, que podem ser induzidos e maximizados por ações e/ou omissões por parte de instituições governamentais, econômicas e/ou demais grupos, gerando insegurança e desesperança ao longo da vida (Butler, 2019).

Retomando a descrição do lugar, a lembrança olfativa é pungente, desde os cheiros agradáveis de margarina derretida na tapioca quente e o café fresco, aos aromas emanados dos churrasquinhos variados vendidos nas esquinas e pequenas barracas. Os carrinhos de pipoca, milho assado e cozido, pamonha e canjica eram convidativos, ainda mais porque nem sempre tomava café da manhã antes de sair de casa para o estágio. Algumas pessoas vendiam caldo de carne ou canja em pequenos carrinhos puxados à mão, outras vendiam salgados e sucos mantidos em isopores instalados nas bicicletas “cargueiras”.

Muitas barracas pequenas cobertas por lonas, na cor laranja ou azul, vendendo roupas, bonés, utensílios domésticos, capinhas de celular, carregadores, roupas e demais acessórios, se enfileiravam nalgumas calçadas. Uma feira livre cortava uma das avenidas principais e,

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naqueles dias de estágio, visualizava rapidamente o suficiente para me transportar aos tempos de criança quando ia visitar meu pai, numa profusão adoravelmente ensurdecedora entre as falas das senhoras que vendiam cebolas, coentro e pimentão, e os senhores que vendiam peixe, roupas ou DVDs. Vozes, cores, cheiros e sabores numa profusão vívida entre nostalgias e potências de vidas presentes, emanavam desse lugar.

As viagens nos transportes coletivos (ônibus ou “busão” como as juventudes costumam nomear), geralmente, eram embaladas com um “forrozão”, um pagode ou músicas gospels em uma playlist aleatória, bem como nalgumas residências por onde passávamos, o som alto que ecoava e afirmavam os gostos musicais das comunidades. A maioria dos barzinhos estavam sempre movimentados, - por vezes funcionavam em um ou dois cômodos nas fachadas das próprias residências - não importava o horário, se na ida ou na volta ao campo. Pessoas pareciam se divertir numa atmosfera de aparente proteção e tranquilidade, despreocupadas jogando dominó, baralho ou conversando nas cadeiras de balanço nas calçadas desniveladas em frente às residências.

Em um primeiro olhar, minha ignorância em assuntos urbanísticos denunciava que a malha viária parecia desnivelada, entre os desníveis, vários buracos e remendos de piche compunham os asfaltos, imaginei uma colcha de retalhos remendada por sobras de tecidos em vários tons de cinza e preto sobrepostos. Ademais, visualizei esgotos a céu aberto, entulhos amontoados e lixo nos canteiros centrais das vias, sobre as calçadas e em frente aos muitos terrenos subutilizados, ou seja, o usufruto do direito a políticas públicas garantidoras de bens e serviços de qualidade era um privilégio garantido ao outro lado da cidade (com Índice de Desenvolvimento Humano - IDH alto), não naquele território. Independentemente dessa percepção, os modos como estavam dispostas as casas, mercearias, barracas de comidas, trânsito de pedestres ou automóveis, davam um colorido especial às comunidades, ao mesmo tempo que denunciavam a necessidade de apoio para a garantia de direitos.

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Dia após dia, semana após semana, ao ir e retornar para minha residência depois de um longo e exaustivo caminho percorrido dentro de seis coletivos apinhados de pessoas, aquela realidade me atravessava inquietantemente, me revoltava, me indignava, essas imagens retomadas em lembradas consumiam minhas energias aos poucos. Gostaria de contribuir com a transformação daquela realidade, mas me via apequenado e impotente diante de tamanha problemática e vulnerabilidades. Dentre os questionamentos, me interrogava o porquê de alguns alunos optarem por estagiar em territórios periferizados e decidirem não mais voltar. Respeitava, pois a conjuntura era por demais adversa em um primeiro olhar, mas não me conformava. Ao final do estágio decidi voltar, abraçar o campo, tê-lo em meus braços como um pai que acolhe seu filho em momentos de aflição. Mas como faria isso?

Aqui, abro o segundo parênteses para relatar que, enquanto isso, meu trabalho de monografia estava em processo de conclusão, iluminado sob a perspectiva da Psicologia Clínica Fenomenológica-Existencial, em aliança com o Laboratório de Estudos em Psicoterapia, Fenomenologia e Sociedade (LAPFES-UFC). Consequentemente, meu projeto de Mestrado se emaranhava sob a mesma perspectiva teórico-metodológica, mas, o envolvimento com movimentos sociais, me fizeram repensar outras possibilidades, não melhores nem piores, mas a meu ver, condizentes com àquela realidade que se enunciava.

Após esse autoconvencimento algumas lacunas pareciam se preencher na tarefa íntima de encontro com meu curso de graduação. As questões locais insurgentes, proeminentes dos altíssimos índices de violência, letalidade infantojuvenil e vulnerabilidades socioeconômicas-espaciais do território de estágio, consequências dos processos de precarizações sistemáticas das infraestruturas e dos serviços sociais básicos, me convocaram a pensar e assumir uma postura ética e política, como alguém da área da Psicologia que se indigna e reage diante dessas situações de injustiças sociais e que desencadeiam possíveis sofrimentos psíquicos aos(as) habitantes desses territórios (Butler, 2019).

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Tais processos, acima enunciados, cujo esgarçamento do tecido social e suas mazelas foram sendo identificadas a partir da cuidadosa imersão diária no campo e passaram a compor, recompor, desconfigurar e reconfigurar minhas percepções diárias de mundo, demandando outras lentes para apreender os movimentos de imersão naquela realidade que se encarnava.

Antes dessa imersão, muitas questões revelaram um fator extremamente relevante como a presença de moradores(as) e grupos sociais ajuntados, organizados e “aquilombados” em suas comunidades, no campo da política, da arte e da cultura, comprometidos com o enfrentamento das violações de direitos da região, alavancados pelo sentimento de pertença e pelas lutas populares como resistências dos movimentos. Ao contrário do que a mídia noticiava do território como um lugar povoado por pessoas consideradas como não cidadãs, “marginais” e toda espécie de denominações depreciadoras (Souza, 2008, Paiva, 2014).

No transcorrer desse percurso de avizinhamento com o lugar, houve um acontecimento pessoal significativo que impulsionou a minha mudança de residência, desde então, passei a habitar (fisicamente) o território do GBJ. Naquele momento não se tratava apenas de um estagiário que se dirigia ao campo e no final do dia retornava para sua residência com suas inquietações, por vezes, abstratas. O território era concretude, vivência encarnada, minha casa, tornava-se eu-(além)mar-vivências-periféricas no GBJ, cujo sentido explicarei no folhear desta pesquisa.

Assim, tive a oportunidade de me avizinhar e me inserir nesse lócus político na condição de voluntário em uma das maiores articulações sócio-políticas e de controle social da sociedade civil organizada do Estado do Ceará, a Rede DLIS, vinculada e animada pelo CDVHS e demais agentes políticos. Tal Rede atua norteada por premissas dos Direitos Humanos, criando sub-redes de afetos e participações populares comunitárias, de modo democrático, em prol do desenvolvimento sustentável do GBJ, a partir do mapeamento, diagnóstico, monitoramento e incidência política no âmbito das políticas públicas voltadas para as comunidades

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empobrecidas, precarizadas e periferizadas, sobretudo nesta região. Atualmente a Rede é composta por mais de trinta representações, todas da sociedade civil organizada (com exceção das universidades). Conta ainda com a participação de ONGs/OSCs, organizações comunitárias e coletivos infantojuvenis locais e demais entidades localizadas nos bairros que compõem o GBJ e colaboradores externos.

A partir do ingresso nessa Rede, foi possível uma aproximação das comunidades e suas demandas, fragilidades e desafios enfrentados pela militância local, bem como, do caráter sociopolítico, coletivo e de organização popular, como forma de expressar e lutar pelas demandas do território, sobretudo, no tocante a fragilidade na oferta das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento local. Foi perceptível que a ausência dessas políticas induzia a maximização das precariedades, cujos resultados impactavam sobre o aumento das vulnerabilidades sociais, tais como pobreza, exclusão social, violação de direitos, aumento da violência e morte (Butler, 2019).

As questões sobreditas tornavam-se marcadores importantes para pensar nas possibilidades que a minha área de atuação, poderia intervir nos diversos âmbitos sociais, reafirmando seu compromisso ético e político com um olhar e escuta sensíveis às demandas à partir dos discursos carregados de situações que acarretem possíveis sofrimentos psíquicos e impactam na constituição das subjetividades daqueles(as) moradores(as).

A compreensão dessa conjuntura foi iluminada por alguns conceitos que serão mencionados ao longo da presente pesquisa como “biopolítica”, proposto por Michel Foucault (2014), como dispositivo fluido e ramificado que constitui as relações sociais de poder, assumindo a gerência da vida e da morte da população (Foucault, 2010). Ademais, Mbembe (2018), à partir da leitura de Foucault, amplia a análise desse dispositivo e nos provoca a pensarmos uma “necropolítica” como um tipo de poder político que, ao contrário - mas não oposto - da “biopolítica”, se apropria da morte como forma de gestão, ou seja, decretando quem

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deve e como deve morrer, ademais, nos provoca ao questionamento e enfrentamento dessas formas de poder instituídas, para que exijamos ações, reparações e responsabilizações pelas gestões das vulnerabilidades e práticas mortíferas nos territórios periferizados onde, seletivamente, reside a máxima expressão da morte (Foucault, 2010).

Diante dessas políticas que buscam explicitamente a morte de determinados grupos populacionais ou das que produzem condições mortíferas de negligência sistemática que, na realidade, permitem que as pessoas morram gradualmente (Butler, 2019), assumimos o compromisso em dirigir esforços para a construção de instrumentos político-democráticos que superem ou criem alternativas às práticas de inferiorização e violência naturalizadas e direcionadas ao segmento mais empobrecido e racializado da cidade de Fortaleza.

Essas pessoas das quais nos referimos acima, segundo Barros, Benício e Bicalho (2019) compõem “uma ampla gama de populações pauperizadas, racializadas, subalternizadas e territorializadas” (p. 34) e as principais vítimas da violência e crimes, e não os únicos agentes desses atos, como sugere o discurso vinculado na mídia policialesca, enaltecendo o estigma negativo e reforçando ideias que aliam essa população, sobretudo as juventudes racializadas e empobrecidas à delinquência e periculosidade, desqualificando ações de militância e defesa dos direitos humanos encabeçadas por esses atores sociais.

No trecho acima, o marcador raça denuncia um fator de risco. Moreira (2019) sugere que “o processo de racialização de grupos humanos é um exercício de poder que proporciona os instrumentos para a dominação de certas populações, pois elas são criadas como diferentes e inferiores” (p. 45). Em vista disso, problematizar as questões referentes ao viver desses(as) moradores(as) cujos cenários refletem processos de racialização, precarização induzida e sistemática de suas existências e condução ao empobrecimento, estigmatização, violência e morte é significativo para as agendas de pesquisa em Psicologia e outras áreas do conhecimento (Butler, 2015; Acioly & Ribeiro, 2016; Barros, et. al., 2017).

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Diante desses elementos, importa-nos destacar que as violências de modo geral e a letalidade infantojuvenil em particular não são resultado imediato da pobreza, - apesar de, por vezes, estarem enfronhados em um mesmo processo -, “mas sim da forma como as desigualdades sociais, a negação do direito ao acesso a bens e equipamentos de lazer, esporte e cultura opera nas especificidades de cada grupo social desencadeando comportamentos violentos” (Abramovay, Feffermann & Régnier, 2012, p. 2). Em tal caso, “a pessoa em situação de pobreza pode ser abordada como possuidora de uma identidade de oprimido e de explorado que está baseada na sobrevivência, na violência e no medo fruto de uma ordem social opressora” (Moura Jr. & Ximenes, 2016, p. 77), estabelecida diante de sistemas de segurança pública frágeis, justiça criminal e garantia de direitos ineficientes, sobretudo em relação a grupos sociais específicos: juventudes do gênero masculino, negros(as), empobrecidos(as) e moradores(as) das periferias urbanas.

Marinho (2016) salienta que nesse enquadramento composto por fragilidades e insuficiências, no que tange a garantia de direitos, resulta que “a violência manifesta-se na produção de vítimas preferenciais, entre elas, no caso brasileiro, a juventude, pobre, negra, masculina e nordestina, conforme apontam os índices de letalidade juvenil” (p. 296). Em outras palavras, fazer parte desse segmento é estar implicado “em uma multiplicidade de pertencimentos localizados além da definição etária e geracional. É importante destacar que esses pertencimentos culturais, sociais e institucionais podem se apresentar de forma transitória, mas são eles essenciais para a compreensão da condição juvenil” (p. 296).

Essa multiplicidade de atravessamentos que a categoria “Juventude(s)” pode representar têm se configurado, nos últimos anos, num crescente campo de produção do conhecimento em diversas áreas do conhecimento, demandando cada vez mais espaço no âmbito das práticas governamentais e não governamentais(Acioly & Ribeiro, 2016). Nesse caso, “não se pode, portanto, falar de uma juventude universal, visto que não consiste de um fenômeno que está

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posto em qualquer lugar e tempo, sem implicações sociais” (Souza & Paiva, 2012, p. 354). Em nosso caso, ser jovem, remete a aspectos biológicos, psicológicos e sociais próprios dessa fase de transição entre a infância e a vida adulta, mas também, implica transformações, vulnerabilidades e potencialidades (Dick, 2010), portanto, “as definições de juventude são polissêmicas, não consensuais e conflitantes, englobando as influências socioculturais contemporâneas” (Medeiros & Malfitano, 2015, p. 63).

Coimbra & Nascimento (2008) afirmam que, ao lado das caracterizações negativas, no que tange ao segmento infantojuvenil, outras são adicionadas a esse caldo como “a violência e a criminalidade [...] a infância em perigo - aquela que ainda não delinqüiu mas pode vir a fazê-lo e por isso deve ser tutelada - e a juventude perigosa - aquela percebida como delinqüente e, portanto, ameaçadora para a manutenção da ordem social” (Coimbra & Nascimento, 2008, p. 2), e que por sua vez, tem associado “periculosidade, violência, criminalidade e condição de não humanidade à situação de pobreza. Alguns desses efeitos podem ser expressos, por exemplo, pelo aumento dos extermínios de crianças e jovens pobres, ocorridos cotidianamente” (p. 1).

Parte dessa matança, é acionada, intencionalmente, por mecanismos governamentais e institucionais que, “por meio das políticas sociais, tem ofertado respostas para esse grupo marcadas, em grande parte, por processos de institucionalização e de violência, que dificultam alterações no lugar social desse grupo” (Medeiros & Malfitano, 2015, p. 63).

Assim, a violência enquanto fenômeno social atinge níveis macro e micro, a depender da maneira de como incide, independentemente das condutas, por vezes, banalizadas e naturalizadas (esfera pública ou privada) abarcando uma gama de comportamentos tidos como formas de uma cultura da violência, alimentada por questões como individualismo, consumismo e competitividades (Abramovay, Feffermann & Régnier, 2012).

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os jovens pobres, que escapavam ao extermínio, representavam a parcela excluída por excelência, pois sequer conseguiam chegar ao mercado de trabalho formal e se caracterizavam, então, como um “perigo social” que deveria ser controlado, o que justificava e fortalecia o modelo dominante das políticas repressoras voltadas a essa população.

Questões como essas, entremeadas na lógica capitalista neoliberal, acentuam as vulnerabilidades infantojuvenis e objetificam suas existências como supérfluas ao capital e a dinâmica do consumo. Tal lógica, aliada a exclusão do mercado de trabalho formal, engendra formas de apagamento social impulsionando-os ao trabalho informal, por vezes, ilegal, dentre eles o narcotráfico e outros crimes que possam gerar fonte de renda e reconhecimento diante do mundo do capital, mesmo ao custo de suas vidas (Fefferman, 2008; Marinho, 2016).

Portanto, a autora Alba Carvalho (2014):

Essa civilização contemporânea do capital, perpassada de liquidez, de insegurança, de instabilidades, é o chão histórico em que habitam as juventudes no nosso tempo, em suas diversidades de classe, de nacionalidade, de etnia, de gênero, de orientação sexual, de religião, de territórios de moradia, enfim, em suas diversidades de modos de vida e existência, a intervir na construção dos sujeitos (p. 283).

Carvalho (2014) complementa que, para acessarmos “os universos de vida das juventudes que habitam esse mundo social tão desigual e assimétrico, precisamos desvendar e compreender a lógica de funcionamento, a dinâmica sócio-político-cultural que preside essa civilização do capital no século XXI” (p. 283). Independente do teor discursivo as juventudes estão, quase sempre, no centro de debates sobre a violência, seja quando acusadas de cometer atos de violência ou enquanto vitimadas, experimentando as violências letais na própria carne (Diógenes, 1998; Sposito, 2003; Demetri, 2017).

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história recente. O maior nos últimos dez anos (2007 a 2017). Segundo o Atlas da Violência4 publicado no ano de 2019 com dados referentes ao ano de 2017, o Brasil foi considerado o segundo país mais letal da América do Sul nesse período, ficando atrás apenas da Venezuela. Dos 65.602 homicídios registrados no país nesse ano, mais de 90% das vítimas eram homens, destes, acima de 70% eram pessoas negras e/ou pardas, pobres e habitantes das periferias urbanas, comunidades ou favelas (IPEA; FBSP, 2019).

O instrumento de consulta acima, afirma ainda que, entre 2016 a 2017, o Estado do Ceará liderou em relação ao aumento da letalidade da população geral com 59,3%. O estado também registrou o maior aumento de homicídios contra o segmento juvenil no período sobredito, com 58,1 mortes para cada 100 mil habitantes. A população juvenil, com faixa-etária entre 15 a 29 anos foi a mais atingida nacionalmente no período. Ou seja, 35.783 vítimas eram pessoas jovens, na classificação do Estatuto da Juventude5, esse número representa mais de 54% do total de pessoas assassinadas no período (IPEA; FBSP, 2019).

Defronte desses dados enunciados acima, no que tange ao número recorde de homicídios registrados em todo território nacional no ano de 2017, no ano seguinte, o Atlas da Violência (2020) retoma a pesquisa produzindo um levantamento do número de homicídios referente à última década (2008 a 2018). O balanço negativo no número de vidas ceifadas denotou uma queda ou freada no embrutecimento da violência letal, com um total de 57.956 vítimas do extermínio no ano de 2018, fato que demonstra em números uma queda mas não nas vítimas preferenciais dessa necropolítica (Mbembe, 2018; IPEA; FBSP, 2020).

Mais de 52% dos homicídios na última década (2008 a 2018) atingiram as juventudes.

4 O Atlas da Violência, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro

de Segurança Pública (FBSP) registra e atualiza, a cada dois anos, os dados relacionados às violências e homicídios cometidas no Brasil a partir do Sistema de Informações sobre Mortalidade. Por isso, ao utilizarmos o Atlas da violência 2019 neste estudo, apresentaremos os dados referentes ao ano de 2017.

5 Lei Nº 12.852, de 5 de Agosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os

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O Estado brasileiro exterminou nesse período cerca 337.883 jovens, a maioria homens, racializados (IPEA; FBSP, 2020) e habitantes das favelas, comunidades e demais regiões pauperizadas, sobretudo urbanas, revalidando em dados que “as inseguranças, instabilidades e riscos dos tempos contemporâneos expressam-se, de formas distintas e peculiares, para as diferentes juventudes, em seu contexto de realidade” (Carvalho, 2014, p. 283).

Diante do histórico fenômeno de agudização das violências e dos homicídios nas periferias brasileiras - e cearenses -, sobretudo contra a população racializada, assumimos o compromisso ético e político de estarmos juntos, enquanto pesquisador, para construirmos mecanismos que amplificam e ecoem as vozes e demandas de cada vítima, “confinada à posição de marginalidade e silêncio que o pós-colonialismo prescreve” (Kilomba, 2019), reconhecendo-as enquanto resistêncireconhecendo-as, muitreconhecendo-as vezes amordaçadreconhecendo-as, invisibilizadreconhecendo-as e (a)sujeitadreconhecendo-as (Paiva & Jacó, 2015). Frente a essas políticas de apagamento, esta pesquisa norteou-se a partir da seguinte pergunta: quais as principais práticas de resistências e lutas populares, implicadas e comprometidas estrategicamente com o enfrentamento à letalidade juvenil no Grande Bom Jardim?

Atentando para essas questões sobreditas, o presente trabalho tem como objetivo geral: cartografar práticas de resistências dos(as) jovens que compõem o Fórum de Juventudes da Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável (Rede DLIS), criadas no território do GBJ, em Fortaleza, voltadas ao enfrentamento à letalidade de jovens. Tendo por objetivos específicos: conhecer trajetórias de vida de jovens que compõem a Fórum, de Jovens da Rede DLIS; compreender discursos/narrativas dos jovens que compõem o Fórum de Jovens da Rede DLIS acerca da dinâmica cotidiana de intensificação dos homicídios no território e os seus efeitos na produção de subjetividades; analisar a partir de quais estratégias o Fórum de Juventudes se articula a outros grupos locais, coletivos e entidades que compõem a Rede DLIS no enfrentamento à letalidade juvenil.

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No intuito de responder a esta questão norteadora, optamos metodologicamente por uma pesquisa de natureza qualitativa iluminada pela perspectiva da cartografia como método de pesquisa-inter(in)venção, à partir de diálogos entre a Psicologia Social e autores(as) como Butler, Mbembe, Fanon, Foucault, Agamben, Gohn, Ammann, entre outros(as), que problematizam temáticas que interseccionam condicionantes produtores e mantenedores de mundos de violências e mortes, proporcionando uma leitura da construção social que é também cultural, histórica, política e psicossocial.

Munido dessas reflexões, foi possível cartografar, tematizar e analisar os percursos tecidos pelos movimentos sociais e comunitários no GBJ, sobretudo a Rede DLIS e o Fórum de Juventudes da Rede, sem desconsiderar a importância de revisitar seus históricos de militância sócio-política e estar presente em algumas de suas ações-resistências populares no território, articuladas enquanto sociedade civil organizada, com o desafio de afirmar os direitos humanos enquanto estratégias de lutas por políticas públicas, participação democrática e visibilização das demandas locais por meio do “empoderamento da população como instrumento para a transformação social” (Berth, 2019) e desenvolvimento sustentável do território, resultando em meios de ao menos estancar a sangria que escorre das veias e jorra das artérias urbanas periferizadas.

O termo “empoderamento” descrito acima e que utilizamos no decorrer deste estudo, foi tematizado e desenvolvido no livro: “Empoderamento”, escrito pela autora Joice Berth, da qual examina diversas situações - iniciadas pela tomada de consciência crítica parafraseando Paulo Freire - em que esse termo pode ser utilizado, por exemplo, para determinar:

uma postura de enfrentamento da opressão para eliminação da situação injusta e equalização de existências em sociedade. Empoderar, dentro das premissas sugeridas, é, antes de tudo, pensar em caminhos de reconstrução das bases sociopolíticas, rompendo concomitantemente com o que está posto, entendendo ser esta a formação de todas as vertentes opressoras que temos visto ao longo da História. Esse entendimento é um dos escudos mais eficientes no combate à banalização e ao esvaziamento de toda

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a teoria construída e de sua aplicação como instrumento de transformação social (Berth, 2019, p. 23).

Isso posto, organizamos esta dissertação na seguinte estrutura: o primeiro capítulo abordará os aspectos metodológicos da pesquisa, discorrendo sobre a inserção e aproximação com o campo, apresentação os(as) participantes que compõem esta pesquisa e as ferramentas metodológicas de jardinagem utilizadas no cuidado desse Grande (bom) Jardim. O segundo capítulo tematiza e problematiza o fenômeno do aumento dos homicídios na região Nordeste do Brasil e que atinge, sobretudo as juventudes racializadas e empobrecidas que habitam as periferias dessa região, especialmente o estado do Ceará, sua capital e o território do GBJ. Tal análise conjuntural da exacerbação da violência e letalidade denunciam ações por parte do Estado e demais instituições e atores sociais, vinculados a ele ou não, engendra mecanismos de indução e maximização da precariedade humana produzindo e mantendo zonas mortíferas em determinados territórios. O terceiro capítulo, traz um recorte histórico das “alavancas da mudança social” (Castells, 2013) representadas pelos movimentos ao longo do tempo, como uma das maiores articulações sócio-políticas e comunitária do estado do Ceará: a Rede DLIS e o Fórum de Juventudes da Rede DLIS, enquanto estratégias e práticas de resistências “aquilombadas” (Souza, 2008; Batista, 2019), bem como, incidências políticas que fortalecem e “empoderam” (Berth, 2019) as pessoas e suas comunidades nas lutas populares em busca de justiça social, dignidade, políticas públicas para a garantia dos direitos e enfrentamento às violências, como parte dos processos de composição e transformação do tecido social.

Nesse caso, o presente estudo trata-se de um instrumento político reivindicatório de denúncia e visibilidade, resultante da indignação e comprometimento que devemos assumir enquanto campo de pesquisa/intervenção comprometido ético-politicamente com a região em questão, conjugando saberes, se entrincheirando nas lutas e co-produzindo “caminhos de

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reflexão e intervenção junto às problemáticas sociais para não tornar a si mesma irrelevante” (Moura Jr. et. al., 2014, p. 347).

Por isso, a pesquisa apontou, tematizou, problematizou e denunciou múltiplos mecanismos e forças que induziam, maximizavam e enunciavam as precariedades e mazelas humanas produzindo situações mortíferas. Enquanto pesquisadores ancorados nos direitos humanos não se entrincheirar ou se comprometer com essa peleja é estar do lado do opressor.

Por fim, problematizamos também as nossas próprias ações no/com o mundo, contestando e reivindicando as formas e normas dominantes e instituídas que estigmatizam, violentam, vulnerabilizam e exacerbam a precarização das existências em um território localizado nas margens urbanas da capital cearense. A partir dessa proposta, cartografamos experiências tecidas nos agrupamentos e movimentos infantojuvenis racializados que habitam esse lugar ou não-lugar, como parte do poder público e da mídia reiteram cotidianamente.

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1. A composição de uma pesquisa encarnada entre imersões e contágios em

um território (além)mar-vivências-periféricas.

O morro onde se erguem como que para ficarem mais próximos da lua, a ribanceira por onde se deixam escorregar como que para manifestarem a equivalência da dança e da ablução, do banho, da purificação, são lugares sagrados...

(Frantz Fanon)

Esta pesquisa-inter(in)venção de inspiração cartográfica se constituiu como possibilidade de articulação entre uma Universidade Pública Federal, localizada em Natal (UFRN) e uma coalisão de Movimentos sociais que atuam em uma região periferizada na cidade de Fortaleza. Representa o cômputo do sentimento de afetação e indignação experienciados desde as primeiras imersões e contágios no território do Grande Bom Jardim.

Essa postura constituiu-se, enquanto “acompanhamento dos processos” (Alvarez & Passos, 2009, p. 135) que teciam-se no próprio caminhar, exigindo de nós um movimento de descristalização e rompimento com o modelo de pesquisar hegemônico, positivista e instituído tradicionalmente, cujas propostas metodológicas são estruturadas de formas hierarquizadas, neutras, cristalizadas, fechadas, inflexíveis e dicotômicas.

No que tange ao sentimento sobredito, compreendemos como uma das primeiras alavancas propulsoras para que, me interrogasse, comprometesse e permitisse, enquanto pessoa-pesquisador, mergulhar nessa experiência a fim de me avizinhar e investigar para compreender essa dinâmica territorial, seus efeitos e impactos possíveis nas subjetividades

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dessa população, em especial, o segmento infantojuvenil (Passos, Kastrup & Escóssia, 2009; Castells, 2013).

Senti-me convocado também a compreender porque na mesma cidade existem tantas desigualdades e segregações sócio-espaciais representados por territórios superestruturados urbanisticamente e estruturalmente, em serviços e políticas sociais, portanto, supervalorizados e superprotegidos, enquanto outros, localizados nas “margens urbanas” da mesma cidade, escancaram a maximização da precarização induzida e sistemática das vidas (Paula, Leite & Bezerra, 2017; Butler, 2019).

A exiguidade de infraestrutura, estigmatização, criminalização dos habitantes dessas comunidades e o desamparo da população por meio do poder público na maioria dos setores de interesse social, como a insuficiência das políticas para o bem-viver, funcionam historicamente como dispositivos de gestão pública para que as populações permaneçam alijadas no processo de desumanização, (in)visibilização e apagamento, numa situação de esquecimento, perecendo e padecendo a míngua, dia após dia, em estados permanentes de quase morte (Paiva, 2014; Butler, 2018; 2019).

As situações decorrentes do esgarçamento do tecido social e suas singularidades, guiaram a análise e nos conduziram as investigações a partir desse cenário de precarização, quase morte e/ou morte acentuadas (Butler, 2019) exigindo, então, como nos propõe Alvarez e Passos (2009) “considerar que o trabalho [...] não pode se fazer como sobrevoo conceitual sobre a realidade investigada” (p. 131), entendendo o ato de pesquisá-lo enquanto um comprometimento ético e político de implicação e avizinhamento com essa região.

Partindo desse raciocínio, Passos, Kastrup & Escóssia (2009) sugerem que toda investigação ou análise que se propõe cartográfica é continuamente processual, transversal e encarnada, entendendo a importância dessa conduta não apenas na etapa derradeira da pesquisa.

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Por conseguinte, exige-se uma atitude analítica cotidiana, e não apenas uma fase do trabalho, mas analisar implica atitude. É um ethos analítico.

Implicar-se diante dessas mazelas sociais enunciadas no campo exigiu posicionamentos éticos e políticos frente das pessoas, aos fenômenos e/ou as cenas que se enunciam a nossa percepção, tendo como exemplo:

A posição que o pesquisador assume em seu campo de pesquisa, as relações que estabelece como os sujeitos de sua investigação, os efeitos que estas relações produzem em suas observações, a possibilidade de que a análise dos dados seja enriquecida ou deturpada por tais efeitos (Paulon, 2005, p. 18).

Essa condição acima descrita sugere que, quando lançado sob iluminação cartográfica, exige-se um exercício contínuo de interrogação das próprias atitudes, da própria pesquisa e reformulação dos caminhos metodológicos sempre que necessário, nesse processo, a análise na pesquisa e da pesquisa estão articuladas (Passos, Kastrup & Escóssia, 2009).

Portanto, no acompanhamento dos processos considerei uma série de efeitos decorrentes deles e que impulsionaram as intervenções - e como me atravessaram - articuladas à pesquisa, realçando o plano coletivo das forças que engendram as cenas e os processos que se inter-relacionam ao problema de pesquisa. Tais inferências podem ser apreendidas nas relações entre pesquisador-objeto de pesquisa, território ou instituição que se realiza o estudo, justificativa e motivação para composição da pesquisa, ou ainda, questões sócio-históricas-epistemológicas e de escrita (Paulon, 2005, p. 23; Passos, Kastrup & Escóssia, 2009).

Nessa proposta utilizamos ferramentas e metodologias de pesquisa para a colheita dos dados (cenas e discursos) que nos aproximou de uma intervenção coletiva, democrática e participativa. O ajuntamento com aquelas vidas empobrecidas e subalternizadas, facilitou alguns processos e fomentou possibilidades para que os(as) participantes pudessem estar presentes em toda a caminhada, incluindo a análise. As pistas identificadas por onde

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