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A língua Sanapaná apresenta três fonemas vocálicos orais distribuídos no trato oral a partir de um ponto de articulação [+POST] até um ponto [-POST], sendo caracterizados de acordo com a altura da língua em médias e baixa.

Anterior Central Posterior

Média e o

Baixa a

Fonemas vocálicos Sanapaná

Alguns contrastes vocálicos são apresentados abaixo. Com os referidos exemplos, se pode observar que os três tipos mencionados não encontram restrições quanto à sua ocorrência em final de palavra.

/e/ – /o/ [to] ‘comer’ [te] ‘dormir’ [ta] ‘TAM’ /e/ – /a/ [jeama] ‘empurrão’ [jama] ‘bebida’ /o/ - /a/

[moʔo] ‘PRONINDEF’

[maʔa] ‘PROSP’

Assim como o fiz com os fones consonantais em que não destaquei uma sequência extensa de pares mínimos a fim de contrastá-los e consequentemente atribuir-lhes status de fonema da língua Sanapaná, apresento aqui apenas uma

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lista de itens lexicais cujo objetivo é ilustrar as diversas ocorrências dos fonemas vocálicos.

(29) /e/ [hlepe] ‘terra, terra’

[haʔe] ‘PRONDEM’

[jemen˺] ‘água’

/o/ [mopeʔa] ‘branco’

[moʔo] ‘PROSP’

[sepo] ‘mandioca’

/a/ [pawa] ‘roupa’

[naʔak˺] ‘POSP’

[teʔma] ‘casa’

Uma vez que a nasalidade ocorre em Sanapaná através dos fonemas /m/ e /n/ / $____ e dos alofonems [m˺] e [n˺] /____$, não foi atestado durante a pesquisa contraste entre V e Ṽ. Sendo assim, considero em Sanapaná a existência apenas de vogais orais.

2.1.2.1 Vogais longas

A existência de vogais longas entre línguas Maskoy parece ser recorrente. Susnik (1958), por exemplo, apresenta os itens tïp e tëyïn como casos de sílabas às quais denomina plenas e indica que a característica de ambos é a natureza prolongada das vogais <ï> e <ë>. Unruh e Kalisch (1999, p. 7) nos exemplos

nengvetaycamcoo ‘ser testigo’ (testemunha); aptaaveeclhee’ ‘él come’ (ele come)

da língua Enlhet indicam que a duplicação das letras expressa o alongamento vocálico. Essa característica vocálica parece ser recorrente, também, em outras línguas indígenas faladas por populações chaqueñas. No quadro a seguir,

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Gualdieri (1998, p. 28) faz uma distinção entre o que denomina vogais breves e vogais longas para a língua Mocovi (Guaicuru).

Quadro 08: Vogais longas e vogais breves Mocovi

Em Sanapaná, contudo, esse tipo vocálico requer maior atenção. As informações que apresento aqui para esse tema são bastante iniciais e, inclusive, apontam para outra possibilidade. Oexemplo de vogal longa de que disponho é aquele que ocorre para fins gramaticais de número no sufixo diminutivo [-ko:k]; sua presença atua como indicador de plural. Na verdade, tratam-se nesse sufixo de duas vogais idênticas, sendo uma referente à sílaba CV e outra referente a PL. Essa vogal é a mesma que atestada, por exemplo, na marcação de PL de nomes de partes do corpo (cf. 3.1.2.2) ou em nomes como ankeloanaok ‘meninas’ em que o último /o/ funciona igualmente para PL.

Para além deste caso, atesta-se que ambientes propícios à ocorrência de vogais longas tais como presença de fones adjacentes do mesmo tipo, contudo, são alterados pela inserção da oclusiva glotal, como em (30). O mesmo ocorre com a presença da aproximante /j/ (30b). Como resultado, tem-se que a presença da oclusiva glotal gera duas sílabas distintas, separando as vogais entre as mesmas sílabas.

(30) [ka.ʔak˺] ‘erva (para terere)’

[ma.ʔa] ‘PROSP-1FEM’

[ko.ʔo] ‘PRON+1’

)(." b. [kheje]

‘HIP’

Desta forma, o que se vislumbra como alongamento vocálico presente em línguas Maskoy – conforme os trabalhos de Susnik (1958) e Unruh e Kalisch (1999) mencionados – e em outras línguas chaqueñas (cf. GUALDIERI, 1998), atualmente pode estar sendo substituído em Sanapaná por um processo morfofonológico de epêntese da oclusiva glotal, de modo a separar V: em duas V, o que resultaria, sobretudo, em rearanjo silábico. Com isso a representação (31) não refletiria o caso Sanapaná. Em seu lugar, haveria uma representação como em (32). (31) φ σ ei C V: (32) φ ei σ σ ei ei C V C V

2.1.2.2 Casos de alofonia vocálica

Ao tratar de alofonia vocálica tomo como base a noção clássica de alofonia que considera alofone variação de um fonema. Essa variação, por sua vez, não é significativa, uma vez que não realiza contraste linguístico. Em muitas línguas, segundo Mannell (2008), os alofones são condicionados foneticamente, mas em outras podem ser resultado apenas de variação de pessoa para pessoa e / ou de

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ocasião para ocasião. Essa última característica parece ser aquela relacionada à alofonia vocálica Sanapaná.

a) Alofonia com a vogal alta

No sistema fonológico Sanapaná não há vogais altas (cf. 2.1.2). Ocorre, contudo, um processo de alofonia vocálica envolvendo a vogal média anterior /e/ que, via alçamento é produzida como [i]. Tal processo, como se observa abaixo, independe da posição que a sílaba ocupa na palavra, já que ocorre em posição inicial (33a), medial (33b) ou final (33c-e) da palavra. O mesmo pode ser dito em relação ao tipo vocálico adjacentemente à direita ou à esquerda da vogal que resultara de alofonia. Sendo assim, considero o alçamento de /e/ resultado de variação livre.

(33) /e/ ~ [i]

a. [ke.ka.kao] ~ [ki.ka.kao] ‘REFL’

b. [an.ke.lo.a.na] ~ [an.ki.lo.a.na] ‘menina’ c. [ta.ʔa.sek˺] ~ [ta.ʔa.sik] ‘PRON’

d. [e.me.nek˺] ~ [e.me.nik] ‘meu pé’

e. [as.je.hlen˺] ~ [as.je.hłin] ‘meu irmão (mais novo)’

O processo de alofonia em questão ocorre, também, em Enlhet, por exemplo. Essa língua, segundo Unruh e Kalisch (1999, p. 13), não faz uma distinção fonológica entre [e] e [i], conforme ilustrado nos exemplos abaixo apresentados pelos autores.

(34) apvisqui apvesque’ ‘chefe, líder’

mepqui mepque ‘sem’

lhip lheep ‘vós’

))(" b) Alofonia com a vogal média baixa

Outro processo de alofonia vocálica em Sanapaná refere-se ao abaixamento das vogais médias /e/ e /o/. Diferentemente do que atestado com o alçamento da vogal /e/, processo não atestado com a vogal /o/, tem-se que tanto /e/ quanto /o/ são afetados pelo abaixamento da altura da língua, de modo a gerar alofones vocálicos médios abertos.

(35) /e/ ~ [ɛ]

[akjaweʔa] ~ [akjawɛʔa] ‘muito’

b. /o/ ~ [ɔ]

[ap˺ket˺kok˺] ~ [ap˺ket˺kɔk˺] ‘jovem’

Os processos de alçamento de /e/ para [i], juntamente com os processos de abaixamento vocálico de /e/ e de /o/ podem ser sistematizados conforme segue. Nesta sistematização, nota-se a ausência de [u], fato que pode ser comum à família Maskoy, já que também se atesta sua ausência em Enlhet.

(36) [i]

/e/

[ɛ]

/o/ [ɔ]

Ainda referindo-me aos processos de alofonia vocálica por alçamento (33) e por abaixamento (35), destaco a ocorrência de espraiamento da abertura da vogal para outros segmentos vocálicos adjacentes. É o que se vislumbra nos exemplos em (37). Nesses casos, o abaixamento do dorso da língua atua no sentido de gerar um processo de harmonização vocálica (cf. 2.1.2.5).

)))" (37) [ap˺tamɛlɛɔ] ‘ser bom’

[nanɛɔk˺nem] ‘relógio’

[ɛhlahlnɛʔɔ] ‘escutar/PAS’

A representação de processos fonéticos em (36) amplia o conjunto de 3 fonemas vocálicos apresentado em (2.1.2) para um conjunto de 6 fones vocálicos. Abaixo, mostro as relações que se estabelem entre os mesmos fones.

Anterior Central Posterior Alta i

Média e o

ɛ ɔ

Baixa a

Fones vocálicos Sanapaná

Interessante notar no conjunto de fones vocálicos do Sanapaná a semelhança com os fones vocálicos da língua Enlhet (cf. Quadro 04, seção 1.1.5) no que diz respeito à ocorrência de abertura das vogais médias em ambas as línguas.

O contraste entre as duas línguas Maskoy revela, também, diferenças, quais sejam a ausência de vogal alta em Enlhet e a ocorrência de /o/ em Sanapaná, não identificado no conjunto de fones vocálicos possível de ser interpretado em Unruh e Kalisch (1999). Mesmo essas diferenças apontam para outra semelhança: a assimetria dos sistemas vocálicos. No caso Sanapaná, identificado na vogal alta anterior [i] sem sua contraparte posterior [u] e no caso Enlhet identificado na vogal média anterior [e] sem sua contraparte posterior [o].

))%" 2.1.2.3 Assimilação vocálica

Da mesma forma que atestado nas consoantes, ocorre assimilação de dois segmentos vocálicos iguais quando em contextos adjacentes. Assim, tem-se que V + V → V.

(38) [maʔa-anko] → [maʔanko]

PROSPFEM-CONC-1/FEM ‘ela ir’

b. [hlemoje enengoʔo] [hlemojenengoʔo] ASS PRON+1PL

‘comigo’

Em (39) abaixo ocorre a assimilação de /-a/, segmento distinto do segmento da sílaba posterior.

(39) [neXla e-ta:kha] → neXleta:kha INT DEIT-ir

‘Você não foi?’

A manutenção do prefixo /e-/ após o processo morfofonológico em questão – e não de /a/, o que poderia gerar um processo de harmonização vocálica, por exemplo – é direcionada pela interface sintática da língua, uma vez que a indicação de pessoa do discurso via prefixo na raiz verbal é obrigatória em Sanapaná. Desta forma, sendo /e-/ o morfema que desempenha tal função na sentença (39), jamais poderia ser apagado, sob pena de tornar a sentença agramatical.

))'" 2.1.2.4 Epêntese vocálica

Processos de epêntese também são produtivos com vogais em Sanapaná e envolvem apenas os fonemas vocálicos /a/ e /o/.

a) Epêntese vocálica de /a/

A segmentação de aknemahlta demonstra esta palavra como resultado de composição de aknem ‘sol’ + hlta ‘TOP’, o que poderia ter uma tradução literal do tipo o ‘sol que passou’. Essa segmentação permite-nos observar, concomitante ao processo de composição, um processo de epêntese envolvendo a vogal /a/. Tais processos, constituem-se com uma estrutura como em (40) abaixo:

(40) φ ei aknemahlta EP ei a Ep ei φ φ aknem hlta

O processo em questão é favorecido, provavelmente, por restrições fonológicas ao encontro consonantal entre os fonemas /m/ e /hl/, */mhl/. Outra hipótese acerca dessa epêntese refere-se ao tipo de vogal escolhido no conjunto de três fonemas vocálicos. O fonema /a/, nesse caso, pode ilustrar um processo de harmonização vocálica desencadeado a partir da vogal presente em /-hlta/.

b) Epêntese vocálica de /o/

A epêntese do fonema vocálico /o/ ocorre na raiz de nominais. Como ilustram os exemplos em (41), a mudança do possuidor [+1] (41a) incide, além da mudança do prefixo, na epêntese da vogal /o/ na raiz nominal (41b). Esse processo envolvendo epêntese de vogais parece muito próprio de nomes de

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partes do corpo (41), já que não se trata de uma restrição fonológica para encontros do tipo /pk/. Veja, por exemplo, (42).

(41) /e-kton/ POS+1-braço ‘meu braço’ b. /ap-okton/ POS-1-braçosPL ‘braços dele’ (42) /nap-ke/ matar-COMPL ‘matou’ b. /ap-kenao/ CONC-1-macho ‘(ele) homem’

Nos casos em que se aplicam – nomes que indicam partes do corpo – a epêntese vocálica envolvendo o fonema /o/ desempenha a função gramatical de número. Trata-se, portanto, da epêntese do morfema {-o-}.É o que se observa em (41b) e nos exemplos (40) apresentados abaixo.

(43) /e-mek/ POS+1-mão ‘minha mão’

))+" /e-meok/

POS+1-mãosPL ‘minhas mãos’

b. /a-mek/

POS-1/FEM-mão ‘mão dela’

/a-meok/

POS-1/FEM-mãoPL ‘mãos dela’

c) Epêntese vocálica de /ao/

À epêntese de /a/ e de /o/ acrescenta-se outra possibilidade, qual seja o acréscimo simultâneo de /a/ e de /o/. Essa operação presente no exemplo (44b) demonstra ainda a queda da vogal /e/ presente no exemplo (44a).

(44) /ak-tek/

CONC-1/FEM-olho ‘olho dela’

b. /ak-taok/

CONC-1/FEM-olhoPL ‘olhos dela’

Nos exemplos acima observa-se, novamente, a alteração vocálica como recurso responsável pela atribuição de número. Na seção (3.1.2.2) em que trato de número como elemento da morfologia nominal, retomarei a casos semelhantes aos apresentados em (41-44).

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Aqui interessa observar que o fonema /a/ do conjunto das duas vogais pode ser o mesmo /a/ indicado em (2.1.2.4), o que permitiria uma segmentação do tipo

a-o. Sendo assim, a função gramatical de número permaneceria sob

responsabilidade de /o/, ao passo que /a/ refletiria apenas um processo de harmonização envolvendo o prefixo /ak-/. Não se pode pensar /a/ simplesmente como um caso de restrição silábica, uma vez que sílabas do tipo CVC são comuns em Sanapaná.

Dúvidas quanto ao emprego da epêntese também permanecem no exemplo (44a) onde se constata a queda de /e/ para dar lugar a /ao/ (44b). O que se pode compreender em relação à referida queda é a restrição a encontros de três vogais. Sendo assim, /a/ e /o/ são os responsáveis por desencadear processos de epêntese vocálica; sendo /o/ próprio de nomes de partes do corpo. O fonema /e/, por sua vez, não é produtivo para tal.

2.1.2.5 Harmonização vocálica

Os casos aqui apresentados apontam para a possibilidade da existência de processos de harmonização envolvendo os três fonemas vocálicos Sanapaná. Tais processos parecem restringir-se ao domínio de apenas uma sílaba à direita da sílaba que os desencadeiam. Sendo assim, tem-se um processo fonológico relacionado à sílaba e não necessariamente à raiz lexical envolvida. A raiz constitui-se – embora não exclusivamente, como se constata nos exemplos com /o/ – o alvo do processo.

Ao considerar a presença de afixos na posição final da palavra, presumo que o referido processo seja desencadeado nessas categorias funcionais, conforme a representação a seguir.

))-" (45) φ

ei

σ2 σ1 Raiz Sufixo [CV(C)] [CV(C)]

a) Processos envolvendo a vogal baixa /a/ (46) /ap-hlejan-ma/ CONC-1-dizer-NOMZ ‘meu dizer’ b. /ap-kapas-kama/ CONC-1-enviar-CAUS ‘Ele envia’

b) Processos envolvendo a vogal média /e/ (47) /as-jas-kes-ke-hlta/

CONC+1-OBJ?-lavar-COMPL-TOP ‘Eu que lavei’

b. /ap-tep-ke/

CONC-1-sair-COMPL ‘Ele saiu’

c) Processos envolvendo a vogal média /o/ (48) /e-ta-koho-ta/

DEIT-voltar-?-TAM ‘Ele tem que voltar’

Raiz Sufi

[CV( [CV(

))." b. /o-hl-pa-womok/

DEIT?-SUJPL-caçar-ASSOC ‘Nós caçamos (com)’

A comparação dos exemplos envolvendo os três tipos vocálicos possibilita as seguintes informações relacionadas ao processo de harmonização vocálica em Sanapaná:

- codas possuem status periférico na sílaba, fato que as torna irrelevantes (opacas) para a V da σ1 que desencadeia a harmonização.

Exemplos (47a-b)

ALVO FONTE

RAIZ SUFIXO

{kes} /-ke/

{tep} /-ke/

- pode ser desencadeada em σ diferente da última sílaba, como em (47a) e (48a).

ALVO FONTE

RAIZ SUFIXO

{kes} /-ke-hlta/ {ta} /-koho-ta/

- quando o sufixo é bissilábico, a harmonização fica restrita a ele. Exemplos (46b), (48b).

))&" ALVO FONTE

RAIZ SUFIXO

{kapas} /-kama/

{pa} /-womok/

- quando co-ocorrem dois sufixos em um mesmo sintagma, preferência para harmonização recai sobre o sufixo mais próximo da raiz, como no exemplo (47a).

ALVO FONTE

RAIZ SUFIXO

{kes} /-ke-hlta/

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