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Povos Maskoy ontem e hoje

LISTA DE ABREVIATURAS

INFORMAÇÕES LINGUÍSTICO, CULTURAIS E SOCIOECONÔMICAS

1.1 Povos Maskoy ontem e hoje

Os povos Maskoy vivem atualmente na região do Chaco Paraguaio. Nas seções seguintes, faço diversas considerações sobre estes povos, numa perspectiva do passado e do presente. Inclue-se nesse grupo o Sanapaná, cuja língua constitui o objeto de estudo desta Tese.

1.1.1 Gran Chaco

O povo Sanapaná vive na região central do Chaco (palavra Quéchua cujo significado é “terra de caça”, cf. METRAUX, 1996) Paraguaio, nas proximidades do município de Loma Plata, sudeste do departamento de Presidente Hayes. Devo ressaltar, de antemão, que Chaco, também denominado Gran Chaco, é uma grande área de planície com características próprias que se estende, além do Paraguai, à Argentina e à Bolívia, e tem suas fronteiras a oeste com as Cordilheiras dos Andes, ao sul com a Bacia do Rio Salado, a leste com os rios Paraguai e Paraná e a norte com a bacia de Mato Grosso.

Em termos linguísticos, além da família Maskoy, na qual se encontra a língua Sanapaná, objeto de estudo desta Tese, são faladas ao longo do Gran

Chaco línguas das famílias Guaicuru, Mataco, Zamuco e outras. Segundo Adelaar

e Muysken (2006, p. 488) “na região do Chaco... três pequenas famílias linguísticas são faladas: Guaicuru, Mataco e Zamuco. Além dessas, há falantes de Lengua-Maskoy e Tupí-Guaraní”.

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No geral, considerando-se os povos que vivem ao longo desta região, o grande problema é a água, abundante nos poucos meses de inverno (junho- agosto) e ausente nos demais meses do ano. Em toda a área chaquenha situada em território paraguaio, há apenas o rio Pilcomayo que cruza o território. Isto implica considerar que o Chaco paraguaio é uma região extremamente seca, fato que constitui um desafio aos povos locais.

O clima do Gran Chaco, capaz de atingir as temperaturas mais altas da América do Sul (cf. AMARILLA, P. J., 2006), é influenciado por duas correntes de ar completamente adversas. De um lado as correntes de ar frio advindas do sul da América do Sul. De outro, as correntes de ar quente advindas do norte da América do Sul. Em virtude destas duas correntes de ar, há variações bruscas de temperaturas, principalmente nos meses de junho a agosto. Em meses posteriores a agosto, pode-se atingir temperaturas superiores a 40ºC. Em virtude das características físicas desta região, conforme Braunstein e Miller (1999), os principais espécimes da flora encontrados são algarrobos (Prosopis), quebrachos (Shinopsis, Aspidosperma), guayacán (Caesalpinía paraguariensis), mistol (Zyzyphus mistol), chañar (Geoffroea decorticans), pau santo (Bulnesia

sarmientoi); além de vários tipos de acácias e cactus.

Segundo Metraux (1996, p. 32), tanto cultural quanto ecologicamente, o

Gran Chaco é uma zona de transição entre as planícies tropicais da Bacia

Amazônica e os pampas áridos da Argentina. Sua ampla fronteira ocidental sofreu influências da região andina, ao passo que as fronteiras a leste sofreram influências de povos Guarani.

Geograficamente, conforme Amarilla, P. J. (2006), o Chaco paraguaio, situado na parte ocidental do rio Paraguai, corresponde à maior área do território nacional e, considerando-se as peculiaridades físicas, especialmente relacionadas ao solo e à vegetação, está dividido em três grandes partes, denominadas Baixo Chaco, Chaco Central e Alto Chaco.

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1.1.2 Atual situação linguística e populacional do Paraguai

O Paraguai, tradicionalmente conhecido como um país bilíngue, possui, na verdade, uma variedade de línguas2, especialmente na região central do país, mais conhecida como Chaco. Esta região é usualmente dividida em duas partes3: a região oriental, à direita do rio Paraguai e a região ocidental, à esquerda do mesmo rio.

Zarratea (2009)4 considera que há atualmente no Paraguai um total de 15 línguas e aproximadamente 30 dialetos. Segundo o autor, a diversidade de línguas encontrada no Paraguai pode ser considerada conforme a origem genética. Nesse caso, tem-se o bloco americano, o bloco europeu e o bloco asiático. O bloco americano é composto por cinco famílias linguísticas: 1) Zamuco, que reconhece os dialetos ayoreo e yshyr; 2) Mataco, com os dialetos: nivaklé, makä y choróti; 3) Maskoy, integrada por: lengua, angaité, guaná, sanapaná y toba-maskoy; 4) Guaicurú e 5); Avá-guaraní, composto, segundo Zarratea, op. cit., por paï-tavyterä, ava-katueté, mbya-ka’yguä, aché-guayaki, guaraní-ñandéva, chiriguaná o guarayo y guaraní paraguayo. O bloco europeu está representado pelo castellano, pelo português, pelo alemão (especialmente o dialeto Platoich), pelo russo, pelo ucraniano e pelo polonês. O bloco asiático está representado pelo japonês, pelo coreano e pelo chinês.

A quantidade de línguas indígenas paraguaias apresentadas por Zarratea (2009) difere daquela apresentada por Amarilla, P. J. (2006). Para este, há na região do Chaco paraguaio 17 etnias que pertencem a cinco grupos linguísticos diferentes. Tais grupos são delimitados a partir da localização geográfica. Na região oriental, conforme Amarilla, P. J. (2006), são encontrados apenas povos pertencentes à família linguística Tupí-Guaraní, conforme descrito abaixo.

2 Para Meliá (2004, p. 2) “en un Estado que se autoproclama bilingüe y hace de ese bilingüismo una ideología

“oficial” había que detectar la amplitud del plurilingüismo real.”

3 Para maiores detalhes consultar, dentre outros, Meliá (2004).

4 Cf. El mapa lingüistico del Paraguay, disponível em <www.abc.com.py/2007-05-13/articulos/329417/el-

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Gráfico 01: Línguas orientais do Chaco paraguaio. Adaptado de Amarilla, P. J. (2006).

Na região ocidental, diferentemente da oriental, em que há apenas uma família linguística, encontram-se quatro famílias linguísticas, conforme ilustrado no gráfico a seguir.

Gráfico 02: Línguas ocidentais do Chaco paraguaio. Adaptado de Amarilla, P. J. (2006).

A população indígena atual do Paraguai, conforme dados do Censo 2008 publicado pela Dirección General de Estadística, Encuestas y Censos Del Paraguay (DGEEC), é de 108.308 habitantes, sendo que 52,5% vivem na região

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oriental do país, enquanto que 47,5% vivem na região ocidental. Tais números representam apenas 1,7% da população nacional. Nesse universo, um fator se mostra ‘preocupante’: a existência de uma população predominantemente jovem. Isto demonstra, sobretudo, a baixa expectativa de vida entre a população indígena, propiciada por fatores sociais desfavoráveis às referidas populações. Para se ter uma ideia, a população não indígena frequenta a escola por um tempo médio de 8 anos, ao passo que a população indígena a frequenta em média por apenas 3 anos. Situação semelhante acontece com o acesso aos serviços de saúde, em que 87,8% da população indígena não têm acesso.

1.1.3 A família linguística Maskoy

A família Maskoy aparece em algumas fontes sob a denominação Enlhet- Enenlhet (nossa nação, nação da gente), (UNRUH; KALISCH, 2001; UNRUH; KALISCH, 2003; FABRE, 2005). Essa nomenclatura, segundo Unruh e Kalisch (2003, p. 2) – seus proponentes –, permite que todos os povos que constituem a referida família linguística se percebam como uma nação, pois abrange o conceito de pessoa humana5. Entretanto, diferencia-se da comumente aceita no âmbito científico, sobretudo, por estabelecer seis línguas (cf. Gráfico 03 – línguas Maskoy) para a família e não cinco, como em Zarratea (2009), Adelaar e Muysken (2006), por exemplo, ou quatro como em Campbell (1997).

Metraux (1996, p. 55), diferentemente do que apresenta Unruh e Kalish e Zarratea, faz referência às línguas Maskoi6, Kaskiha (Guaná), Sapukí, Sanapaná, Angaité e Lengua. Lengua, segundo o autor, seria o grupo de indivíduos descendentes do grupo Maskoi do século XVIII. Desse grupo de línguas apresentado em Metraux, op. cit., como aquelas que constituíam a família Maskoi

5Até o momento de produção desta Tese, por ter-me dedicado ao trabalho linguístico exclusivamente em La

Esperanza, não tenho condições de dissertar sobre a quantidade de falantes, bem como às diversas nomenclaturas relacionadas à essa família linguística. Por isso, assumo aqui aquelas propostas por Unruh e Kalisch (2003). Assim o faço baseado no fato de que se trata de autores que vivem em uma comunidade Maskoy, o que lhes confere conhecimentos específicos da mesma comunidade, bem como da maneira como seus falantes se reconhecem no mundo.

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constam no mapa de Loukotka (1968, apud LANDAR, 1977, p. 404) as línguas Maskoi, Sanapana, Sapuki, Kaskina e Lengua. Em Campbell (1997, p. 195) são citadas como membros da família Maskoy as línguas Guaná (Kashika, Kashiha) [Kaskihá]; Sanapaná (Quiativs, Quilyacmoc, Lanapsua, Saapa, Kasnatan); Lengua (Vowak) (Dialetos: Angaité [Angate, Enlit, Coyavitis, Northern); Maskoy (Emok, Toba-Emok, Toba) [Maskoi].

Esse breve panorama apresentado acerca da família linguística Maskoy nos dá uma ideia da diversidade de nomenclaturas relacionadas às línguas que a constituem. De antemão, ressalto que essa diversidade de nomenclaturas não é uma realidade específica das línguas Maskoy, senão de inúmeras outras famílias linguísticas. Campbell (1997, p. 5) afirma que “o estudo de línguas indígenas americanas é complicado algumas vezes porque pode haver uma variedade de nomes pelos quais uma única língua é conhecida”7.

Em termos genéticos, segundo Fabre (2005, p. 551), “o grande número de gentílicos que aparece nas fontes coloniais torna difícil a identificação dos vários nomes de povos indígenas com os povos Enlhet-Enenlhet atuais”. Todavia, entre os antigos nomes dos povos que constituem a família linguística Enlhet-Enenlhet, o mais usado é Lengua-maskoy. Esse povo ancestral dos Maskoy, ao que tudo indica, conforme Fabre, op. cit., viveu na região do Chaco paraguaio, no território que compreende as margens do Pilcomayo até o Chiquitanía8. Essa região desde períodos pré-colombianos é habitada por povos com uma tradição economicamente nômade ou seminômade, baseada na caça, coleta de frutas, pescaria, e agricultura sazonal. Contudo, de acordo com Braunstein e Miller (1999), muitos indígenas tornaram-se sedentários com a chegada de povos não indígenas no último século e o controle territorial exercido pelo estado.

Os primeiros contatos dos povos Maskoy com a sociedade não indígena se deram, segundo Susnik (1987), no fim do século XVIII. Para esse período, Kersten

7 The study of American Indian languages is complicated at times because there may be a variety of names by

which a single language is (or was) known.

8 Em Amarilla, J. P. (2006, p.183) há referência a uma outra denominação para os ancestrais Maskoy:

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(1968, p. 40) menciona cinco línguas relacionadas geneticamente como Maskoy (erroneamente designadas Lengua-Enimagá-Ennimá, cf. KERSTEN, op. cit.): Lengua, Angaité, Sanapaná, Sapuquí e Guaná. Nesse sentido, o conjunto de seis línguas apresentado em Unruh e Kalisch (2003) retrata, certamente, uma evolução linguística (ou análise diferenciada) da referida família se comparada às fontes referentes ao século XIX. A configuração atual para a referida família linguística apresentada por Unruh e Kalish (2003) é ilustrada a seguir.

Gráfico 03: Línguas Maskoy (Adaptado de Unruh e Kalisch, 2003)

A abundância de denominações relacionadas ao grupo de línguas Maskoy encontra paralelo na variedade de classificações deste grupo no que se refere à relação genética com outros grupos linguísticos. Veja-se, por exemplo, Greenberg (1956, apud ADELAAR; MUYSKEN, 2006, p. 28), que se refere às línguas Maskoy como membros do grupo de línguas andinas. Mais precisamente ao grupo Macro- Pano, juntamente com as línguas Tacana-Pano, Moseten, Mataco, Lule, Vilela, Charrua, Guaycuru-Opaie. Swadesh (1959, 1952, apud ADELAAR; MUYSKEN, 2006, p. 29), por sua vez, refere-se à Lengua-Maskoy como membro do grupo Macro-Quechua, juntamente com diversos outros grupos sul-americanos. Em Loukotka (1968, apud ADELAAR; MUYSKEN, 2006, p. 31), também se encontra referência à Lengua como membro do grupo de línguas andinas, o que demonstra consenso dos estudiosos em considerar a família linguística Maskoy como membro do grupo de línguas andinas.

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A variedade de nomenclaturas e agrupamentos das línguas Maskoy (e outras) ao longo dos séculos revela a interpretação particular de cada pesquisador para a situação. Kersten (1968) refere-se à questão, por exemplo, como uma situação caótica. Segundo ele, a nomenclatura complicada se justifica, principalmente, em virtude da quantidade reduzida de informações étno-históricas acerca dos povos chaquenhos como um todo. Como uma das consequências do excesso de nomenclatura para povos chaquenhos, chegou-se a acreditar que se tratava da região mais populosa do mundo, acrescenta Kersten (1968, p. 41).

1.1.3.1 Localização geográfica das línguas Maskoy

Localizadas exclusivamente na região ocidental do país (Chaco central), considera-se atualmente uma divisão geográfica para as línguas Maskoy a partir de dois grandes grupos: (i) grupo ocidental representado pelos povos guaná e toba (norte) e angaité e sanapaná (sul) e (ii) grupo oriental representado pelos povos enlhet e enxet, conforme mapa abaixo:

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