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O SINTAGMA NOMINAL Classes Abertas

3.1 A classe dos nomes Sanapaná

3.1.4 O nome na Sintaxe

Sintaticamente, a função principal de uma raiz nominal é atuar como núcleo de um sintagma. Como tal, constitui-se relevante no SN, especialmente pelo fato de exprimir a informação semântica do mesmo SN. O sintagma, por sua vez, realiza-se, basicamente, para atender ás necessidades argumentais do predicado, seja ele verbal ou nominal. Trato agora do envolvimento do SN com a estrutura argumental requerida por diferentes tipos de predicados. Para isso, apresento as seguintes subseções nas quais discuto o nome como núcleo do SN (3.1.4.1); a ordem do N no SN (3.1.4.2); a ordem do N no SP e no SAdv (3.1.4.3); a ordem do N em outros contextos sintagmáticos (3.1.4.4) e o N e as partículas NEG (3.1.4.5).

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3.1.4.1 O nome como núcleo do sintagma nominal

O N assume a função prototípica de núcleo do SN, de modo que todos os outros elementos a ele relacionados funcionam como seus modificadores. Em (136), por exemplo, tem-se o numeral desempenhando a função de modificador (MODIFdor). Em (136b), por sua vez, é o nominalizado que modifica o núcleo do sintagma. (136) kanet ansetko:k dois meninosPL ‘dois meninos’ b. jap-ma aton fechar-NOMZ porta ‘fechamento da porta’

Os exemplos apresentados em (136a-b) representam dois diferentes nomes cuja função principal é atuar como núcleo de um SN. A comparação entre os referidos exemplos ilustra o N realizado após seu modificador. O mesmo ocorre nos exemplos abaixo em que os núcleos são respectivamente ahlemok e nemana.

(137) samamehen ak-mopaj’a ahlemok

melancia CONC-1-branco flor

‘flor branca da melancia’

b. atehe nemana quente dia ‘dia quente’

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O status de núcleo de N se mantém quando o mesmo encontra-se na função de argumento de um predicado, independentemente do tipo do predicado quanto à transitividade. Nesse caso, pode ser empregado como argumento de verbo intransitivo (138) e verbo transitivo (138b), bem como de predicativo (138c). A ordem do N em relação a seu modificar não é fixa. Em (138a) o N apjama ocupa posição anterior a seu modificado aknemahlta. Em (138b) o N sese ocupa posição posterior a seu modificador.

(138) an-wate-hlta SN[ap-jama aknema-hlta]

CONC-1/FEM-chegar-TOP CONC-1-avó dia-TOP ‘Foi ontem que sua avó que chegou’

b. Juan ap-teɲa-’e SN [hlamanma sese] NPr CONC-1-comprar-TAM muito pão ‘João comprou muito pão’

c. ofisina na’ak an-pasa-sa-we SN [nenhlet] oficina POSP CONC-1/FEM-cheio-REDU?-ASSOC Sanapaná ‘A oficina está cheia de Sanapaná’

A realização fonológica do elemento que desempenha função gramatical de sujeito através de um N não anula a necessidade de um prefixo correferente ao mesmo N no sintagma verbal.

(139) Civito ap-ka’mas-kama

NPr CONC-1-cantar-CAUS

‘Civito canta’

).+" b. ap-ka’mas-kama

‘Lit. Ele fez cantar’

(140) Hilberto ap-jatemen-ke kejwa a-sep-ma

NPr CONC-1-cortar-COMPL cobra

CONC-1-morta-NOMZ

‘Hilberto cortou uma cobra (morta)’

b. ap-jatemen-ke kejwa a-sep-ma ‘Ele (já) cortou uma cobra (morta)’

Nas sentenças (139-140) o prefixo /ap-/ [-1], bem como todos os outros próprios da língua Sanapaná, é considerado sintaticamente como concordância de pessoa, o que licencia a ausência de um N correspondente fora do referido SV, exatamente como ilustram os exemplos (139b-140b). Com isso, pressuponho que para a sintaxe Sanapaná o que importa em relação ao nome é que ele esteja identificado no SV via concordância.

A possibilidade de apagamento de NPr e pronomes plenos – com função argumental – licenciado pela concordância realizada no SV permite que uma vez identificado o argumento que desempenha função sintática de sujeito da sentença, a concordância no SV passe a identificar o papel temático (papel-ϕ) do mesmo. Esse mecanismo sintático apresentado é comumente analisado como sendo característica prototípica de línguas pro-drop. Nesse caso, pode-se pensar a língua Sanapaná como um exemplo de língua pro-drop, e que a concordância realizada no SV permite o apagamento do argumento que desempenha papel de sujeito da sentença. A língua Sanapaná, todavia, apresenta um comportamento sintático distinto de línguas usualmente tomadas como exemplos clássicos de línguas pro-

drop – como o Italiano e Português Brasileiro, por exemplo – no que confere a

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a delimitação do papel-ϕ de cada um dos argumentos projetados na sentença, ao passo que em Sanapaná, uma vez estabelecida a concordância no SV se pode, sem prejuízo à sentença, mover os constituintes com uma certa liberdade.

3.1.4.2 A ordem do nome no sintagma nominal

Em contexto de SN constituído por mais de um item lexical com valor [+N] tem-se que aquele com função nuclear será realizado em posição anterior àquele com função de modificador. Nesse caso, pressuponho uma ordem do tipo [SN[N + MODIFdor]]]. Diferentemente da ordem apresentada na seção anterior em que os dados linearizam-se como [SN[MODIFdor +N]]].

(141) aɲetneje as-toskama55 [as-emhem ak-lo-ma]

ter CONC+1-cachorro POS+1-cachorro CONC-1-bravo-NOMZ N MODIFdor

‘Eu tenho um cachorro bravo’

(Lit. Eu tenho um cachorro, meu cachorro bravo)

b. as-jaspon-koma [aɲaloa nahlma] CONC+1-gostar-CONT tatu monte

N MODIFdor ‘Eu gosto de tatu do monte’

A ordem em questão mantém-se também em sintagmas com outros itens lexicais além de N e de MODIF, como abaixo em que se constatam SNs compostos pela ordem SN[N + POSP + MODIFdor].

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).-" (142) ap-nemakha na’ak apak

POS-1-casa POSP velho ‘casa velha (dele)’

b. as-nemakha ma’a ankop-moho apak

POS+1-casa PROSP CONC-1/FEM-construção CONC-1velho ‘minha casa (construída) velha’

Nos casos em que ocorre coordenação de dois Ns em um mesmo SN emprega-se a conjunção (CONJ) kanhan ‘também, e’ separando-os. Nesse contexto não há uma hierarquia entre os referidos Ns. Consequentemente, instaura-se uma certa liberdade de linearização envolvendo-os, conforme ilustram os SNs em (143).

(143) ahanema-hlka an-g-waj-ka a-teɲala’a mision na’ak

espaço-TOP CONC-1/FEM-cozinhar-TAM CONC-1-DAT comunidade POSP

nenhlet jaokoho kanhan ap-ke-loanea-ma

pessoa todo CONJ CONC-1-MASC-parentes-NOMZ

kanhan ap-ketko:ok kanhan ansetko:ok CONJ CONC-1-filhoPL CONJ meninoPL

‘Na cozinha da comunidade nós fazemos comida para toda a gente e para nossos avós e para nossos filhos e para os meninos’

SN[ansetko:ok kanhan ap-ketko:ok]

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3.1.4.3 A ordem do nome no sintagma preposicional e no sintagma adverbial

O quadro de Chomsky (1970 apud Baker, 2003) relacionado às matrizes de traços de núcleos lexicais e de núcleos funcionais considera adposições como núcleos lexicais capazes de selecionar complementos. As adposições Sanapaná selecionam um N como complemento e, com ele, formam um sintagma.

(144) maɛstro ap-kapas-kama libro [escuela na’ak] Professor CONC-1-deixar-CAUS livro escola LOC

N POSP

‘O professor deixou o livro na escola’

b. Niko ma’a e-pa’ame-tek [radio pai-pucu na’ak] NP PROSP DEIT-falar-FUT rádio NP LOC

N POSP

‘Niko vai falar na rádio Pai Pucu’

c. a-hlen-ke [nahlma na’ak]

CONC+1-caminhar-COMPL mato LOC

N

POSP

‘Eu caminhei no mato’

d. hlenkap me-hl-kalan-to [jamet neten] PRON-1/PL NEG-PL-subir-PAS árvore LOC N ADV ‘Eles não subiram em cima da árvore’

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A ordem N + POSP é, provavelmente, a ordem mais rígida na sintaxe Sanapaná, de modo que a alteração da mesma implica agramaticalidade, conforme ilustrado abaixo, e não na possibilidade de considerar na’ak um caso de preposição. N + LOC *LOC + N (145) topa’o na’ak igreja POSP ‘na igreja’ *na’ak topa’o

Quanto aos advérbios (4.3), embora não tenham o mesmo comportamento sintático que as adposições quanto à capacidade de selecionar argumentos, são apresentados juntamente com estas por também estabelecerem relação sintagmática com o N. Nesse caso, cria-se um sintagma adverbial (SAdv). Da mesma forma que atestado com o SP, os ADV também ocupam posição posterior ao N.

(146) ko’o mo’o ɲaha [ajawahlma sosoha] PRON+1 PROSP+1 ir cidade amanhã

N ADV

‘Eu quero ir à cidade amanhã’

b. anhlanet [‘tema naha’e]

INTENS casa lá

N ADV ‘Há muita casa lá’

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Os exemplos em (146) demonstram uma ordem do tipo [N + ADV]. Sobre esse fato, duas informações devem ser dadas:

- pode haver outros itens lexicais entre N e ADV (147);

- a ordem do ADV pode ser alterada, de modo que N ocorra em posição posterior. Nesse caso, desempenha função de foco (148).

(147) aɲetneje ap-tahlne-ma hlejap henka’e ter CONC-1-roupa-NOMZ PRON-1/MASC LOC N PRON ADV ‘Você tem alguma roupa aqui’

(148) kone as-tejan-ma as-nemakha na’ak LOC CONC+1-dormir-NOMZ POS+1-casa POSP

ADV N

‘Foi dentro da casa que eu dormi’

3.1.4.4 A ordem do Nome em outros contextos sintagmáticos

Parece haver, pelos exemplos apresentados, com exceção do SP, uma preferência na gramática Sanapaná por linearizar o N em posição inicial do sintagma e, somente após, os demais itens que o compõem. Há casos, como já salientado, em que N ocorre em posição posterior, conforme se verifica nos exemplos abaixo envolvendo numerais (149) e associativo (150).

(149) as-uetaje-hlta [hlema aɲaloa kanhan a-kanet popiet] CONC+1-encontrar-TOP um tatu CONJ POS-dois veado

NUM N NUM N ‘(Foi) Eu encontrei um tatu e dois veados’

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(150) Juan ap-mame-kama [hlemoje as-japon] NPr CONC-1-trabalhar-CAUS ASSOC POS+1-pai

ASSOC N

‘Juan trabalha com meu pai’

A distribuição quanto à posição que os traços lexicais ocuparão, em relação ao N no sintagma, permite-me considerar a preferência por ordenamento dos mesmos itens em relação ao N conforme abaixo, onde se atesta um grupo de itens com ocorrência preferencialmente anterior e outro grupo de itens de ocorrência preferencialmente posterior.

[N]

[N, ADJ, ADV, NUM, POSP, ASSOC]

A posição de N em relação às outras classes gramaticais demonstra um comportamento sintático deste do tipo núcleo inicial. Seja no SN, no SADV ou no SP o N ocupará a posição nuclear. Tal concepção permite-me duas questões, quais sejam:

1. Os prefixos de concordância /as-/ e /ap-/ não alterariam o status de núcleo inicial desta língua, já que também teriam valor de argumento?

2. Os referidos prefixos podem ser utilizados como evidência para considerar a língua Sanapaná um exemplo de língua head-marking?

A resposta à primeira pergunta é inquestionavelmente negativa por uma questão bastante simples: (i) para ter seu valor validado, os referidos prefixos precisam da ocorrência de um núcleo [+N]. Dessa forma, a concordância

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estabelecida pelos referidos prefixos, embora ocorra em posição anterior ao núcleo (como prefixo), não altera a ordem núcleo inicial.

No que confere à segunda pergunta acima, é possível afirmar que a ocorrência dos prefixos em SN (também em SV), pode ser tomada como evidência de que Sanapaná é uma língua com marcação de núcleo do tipo head-marking e não dependent-marking. Tal marcação em Sanapaná atua no sentido de explicitar pessoa no SN. No caso do SV, com a indicação de pessoa e número, indicam-se, também, as relações gramaticais estabelecidas na sentença.

3.1.4.5 O Nome e as partículas NEG

A língua Sanapaná tem duas partículas prototípicas de negação (NEG) (cf. GOMES, 2013). Hawe é a partícula NEG relacionada à ‘não existência’ (151) e

metko é a partícula NEG relacionada à ‘não posse de um referente’ (152) (cf.

6.1.2).

(151) hawe nehla maestro NEG INT professor ‘Ele não é professor?’

b. antonio hawe nenhlet NPr NEG Sanapaná ‘Antônio não é Sanapaná’

(152) Juan metko ak-maskae-pehek NPr NEG CONC-1-dor-corpo ‘Juan não (ter) problema (doença)’ ‘Lit. Juan não tem dor no corpo’

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NEG INT Sanapaná ‘Não há Sanapaná?’

Essas partículas estabelecem uma configuração sintática particular com N na medida em que não expressam morfologicamente nenhuma informação a ele relacionada. Em outros termos, não informam a pessoa do discurso sobre o qual recai seu escopo. Pelos exemplos apresentados, observa-se a realização das partículas em posição anterior ao referente e / ou característica negada, podendo haver outros itens lexicais entre ambos, como em (151a) e (152a).

3.1.5 O SN complexo

Considero SN complexo em Sanapaná o constituinte formado por um ou mais núcleos N acompanhados de outras classes lexicais e/ou funcionais sem a presença expressa de um predicado verbal ou com função de cópula.

(153) SN[enenko’o na’ak e-len-mo-temakha ak-jawe’a] PRON+1/PL POSP DEIT-PLOBJ-?-comunidade CONC-1-grande ‘Nossa comunidade grande’

No primeiro SN complexo apresentado (153), o núcleo N elenmotemakha tem como modificadores um pronome enenko’o, uma posposição na’ak e um adjetivo akjawe’a. Especialmente o pronome (onde consta a informação de pessoa) desencadeia a presença de afixos junto ao N, o que me conduz à conclusão inicial de que no SN complexo N pode ser influenciado sintaticamente pelo traço de pessoa e número do pronome. É o que se observa no núcleo N de (153), onde se constata valor predicativo. Vejamos outro exemplo de SN complexo:

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(154) SN1[ak-najo-ma jankaok na’ak enenko’o CONC-1-festejar-NOMZ PRONPOS+1/PL POSP PRON+1/PL

SN2[awanhe-hlta en-to-ma

INTENS-TOP DEIT+1/PL-comer-NOMZ

SN3[kanhan en-ja-ma ak-mases]]] CONJ DEIT+1/PL-beber-NOMZ CONC-1-gostoso ‘Na nossa festa tinha muita comida e bebida gostosa’

Em (154), o primeiro sintagma [SN1] contém as mesmas categorias que o SN (153). O segundo sintagma [SN2] de (154), por sua vez, apresenta um intensificador junto ao núcleo. O terceiro sintagma [SN3] apresenta uma conjunção (CONJ) junto ao N, além de um adjetivo. Neste, verifica-se novamente o núcleo N com informações de pessoa e número.

A existência de marcação de pessoa e número no SN complexo pode ocorrer também por meio dos prefixos /as-/ [+1] (155a) e /ap-/ [-1] (155b). Os referidos exemplos, no entanto, demonstram um comportamento morfossintático distinto em comparação aos exemplos (153) e (154) no que diz respeito à ausência nos mesmos de nominalizações. Presumo, com isso, que se trata de sintagmas com valor mais prototipicamente nominal.

(155) as-nemakha ko’o a-pak

CONC+1-casa PRON+1 CONC-1-velha ‘Minha casa velha’

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b. [awanhe ap-menek hlejap]

grande CONC-1-pé PRON-1/MASC

‘Ele tem o pé grande’ (Lit.: grande pé dele)

O comportamento distinto atestado entre os dois grupos de exemplos acima pode evidenciar sob o ponto de vista morfossintático dois tipos de SNs complexos, sendo um (153-154) com valor mais predicativo e outro com valor mais nominal (155), já que identificam-se processos morfossintáticos mais próprios do N. No caso dos SNs complexos com valor mais predicativo notam-se processos morfossintáticos mais próximos prototipicamente encontrados no sintagma verbal.

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