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O SINTAGMA NOMINAL Classes Abertas

3.1 A classe dos nomes Sanapaná

3.1.1 Morfologia nominal

Morfologicamente, a maioria dos nomes (N) em Sanapaná pode ser considerada simples, pois apresenta somente uma raiz. Essa grande maioria constitui um tipo de N – ao qual denomino N1 – e abarca o conjunto de nomes nus, isto é, nomes realizados fonologicamente sem nenhuma referência gramatical interna à (própria) raiz. Dois outros tipos de N são identificados, sendo um

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Word classes can be identified between languages (and assigned the same names) on two criteria – similarity of syntactic function and similarity of meaning. In terms of syntactic function, a noun may always function as head of a noun phrase that can be a predicate argument, and a verb can always be head of a predicate. In terms of semantic content, the noun class always includes words with concrete reference such as ‘dog’, ‘stone’, and ‘axe’, while the verb class always includes words referring to actions, such as ‘cut’, ‘talk’, and ‘give’. (DIXON, 2005, p. 3).

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constituído por N obrigatoriamente marcado por prefixo de posse (N2) – nomes inalienáveis e outro (N3), onde constam os nomes que sofrem processo morfológico de composição e / ou derivação. Assim, o N Sanapaná pode ser representado, conforme seu tipo, da seguinte maneira:

N1 → RAIZ

N2 → PREFIXOPOS + RAIZ

N3 → RAIZ (NOMZ) + RAIZ

A seguir apresento um conjunto de itens lexicais pertencentes a cada um dos tipos de N mencionados.

Nomes Tipo 1 (N1)

(73) semhem ‘cachorro’

pa’wa ‘roupa’

wasom ‘rio’

pa’at ‘capim, grama’

pehlten ‘lua’

askok ‘besouro’

ja’pa ‘mosca’

te’wes ‘árvore (tipo)’

metajmom ‘pedra’

poma’ap ‘porco do mato’

peskeska ‘sombra’

pele’taw ‘faca’

aɲaloa ‘tatu’

)*)"

Os nomes apresentados, como assumi, caracterizam-se por não possuírem morfologia aparente para além da raiz. Os mesmos possuem distintas quantidades de sílabas. No primeiro grupo de exemplos todos os nomes possuem duas sílabas. No segundo, três sílabas e, por último, quatro sílabas; caso de /a.ɲa.lo.a/. Na verdade, não disponho de nenhuma raiz prototipicamente nominal composta por apenas uma sílaba. Essa informação morfofonológica é importante porque, ao considerar que raízes verbais são monossilábicas preferencialmente do tipo CV, torna-se possível aqui delinear a seguinte distinção morfológica para nomes e verbos43.

Ns: possuem raízes compostas majoritariamente por mais de uma sílaba; Vs: possuem raízes compostas majoritariamente por apenas uma sílaba.

A quantidade diferente de exemplos apresentada acima sugere que duas sílabas são a quantidade preferêncial para N. A escala de quantidade / recorrência de sílabas é decrescente a partir de duas. A representação abaixo, portanto, retrata esse fato do N Sanapaná.

(74) [+] σ.σ

σ. σ. σ

[-] σ. σ. σ. σ

Importante notar nesse caso que a quantidade de sílabas de N pode justificar o comportamento morfológico dessa classe de palavras no que confere aos afixos. Conforme se pode observar nos demais tipos de N, a quantidade de

43 Outras diferenças morfofonológicas entre N e V são apresentadas ao longo desta Tese, com destaque para

as seções em que trato das categorias relacionadas ao N (3.1.2) e ao V (5.1.1). [+

)*%"

afixos que ocorre com N é pequena se comparada à classe dos verbos, onde a quantidade de afixos é mais ampla e, conforme já mencionei, as raízes são do tipo monossilábico; característica típica de línguas polissintéticas.

A distribuição entre N e V – pautada na quantidade de sílaba – pode resultar, na verdade, de uma restrição fonológica, de modo a impedir, por exemplo, palavras fonológicas com mais de cinco sílabas. Nesse caso, o reduzido número de afixos que ocorre com N justifica-se pela existência de diversas sílabas no mesmo N. Acredito, desta forma, que os problemas mencionados por Unruh e Kalisch (1998) (cf. 1.1.5) acerca da dificuldade de separar palavras em Enlhet podem, no caso Sanapaná, ser pensados a partir dos quatro tipos de N discutidos.

Ainda nesse conjunto de nomes cabe ressaltar um pequeno conjunto de nomes caracterizados pela presença lexicalizada do morfema /-kok/. A função gramatical do referido morfema relacionada a DIM permanece. Entretanto, não mais é possível segmentá-lo da raiz N.

(75) ansetkok ‘menino’

atkok ‘filho’

Os nomes em questão distinguem-se de outros, tais como ankeloanatkok,

jametkok, porque nestes casos o sufixo em questão é facilmente segmentável, ao

passo que em (75) não se pode mais fazê-lo. A seguir, apresento os demais tipos de N.

Nomes Tipo 2 (N2)

(76) e-jempehek ‘meu corpo’

e-wahlwok ‘minhas partes internas do corpo’

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Da mesma maneira que no grupo N1, o grupo N2 é constituído por raízes com mais de uma sílaba. Os N2 pertencem, todavia, a um grupo semântico específico da língua Sanapaná, mais precisamente, àquele que refere partes do corpo. Esse grupo somente entra no léxico da língua quando recebe o prefixo que indica seu possuidor. Representa, assim, o conjunto de nomes inalienáveis Sanapaná. O prefixo em questão atua no sentido de que restrição fonológica relacionada à quantidade de sílabas seja respeitada.

Um segundo olhar ao paradigma (76) permite-me considerar, ainda, a presença de sufixos junto às raízes em questão, conforme a segmentação em (77), de onde depreende-se, para além do morfema /-o/ referente a número (77c), os morfemas /-hek/ (77a) e /-wok/ (77b)44.

(77) e-jempe-hek b. e-wahl-wok c. e-mankaok

Operações morfofonológicas no sentido de ampliar o nome podem ser identificadas nas raízes em (78), nas quais embora subjacentemente possam ser consideradas monossilábicas, chegam no léxico bissilábicas, podendo, a partir do léxico, receber outros afixos, como ilustrado em (78d).

(78) a-mek ‘mão dela’

b. ap-mek ‘tua mão’

c. am-nek ‘pé dela’

d. ap-me-o-k ‘mãos dela’

44 Sobre os sufixos, consultar seção (5.1.1.2). O sufixo /-wok/ pode ter a mesma função morfológica do sufixo

)**" Nomes Tipo 3 (N3) (79) metajmom-anek montanha-pó ‘cimento’ (Lit. pó da montanha)45 b. jeteo-henoje parecido?-abelha ‘mel’ c. pat-aktek corpo-semente ‘arroz’ (80) as-natet-ma-e-ha-taok

POS+1-uso?-NOMZ-POS+1-?-olhoPL ‘meus óculos’

(Lit. meu uso nos meus olhos)

b. as-natet-ma-e-meok

POS+1-uso?-NOMZ-POS+1-mãoPL ‘minhas luvas’

(Lit. meu uso nas minhas mãos)

45 As glosas apresentadas nesta Tese seguem a seguinte padronização: apenas letras minúsculas para os

exemplos que considero sintagma nominal e iniciais maiúsculas para os casos em que o exemplo é considerado uma sentença (pela presença de um predicado).

)*+" c. as-tet-me-menek

POS+1-uso?-NOMZ-POS+1-pé ‘meu sapato’

(Lit. meu uso no pé)

Os N3 são caracterizados pela realização de processos morfológicos distintos da mera adição de afixos. A segmentação dos exemplos em (79a-c) demonstra a ocorrência de adição de uma segunda raiz. Tem-se nesse caso, portanto, a justaposição de uma raiz N a outra raiz N. Os processos ilustrados em (80a-b), por seu turno, são bem mais complexos, na medida em que envolvem um prefixo que indica o possuidor do N gerado, uma raiz cuja informação semântica, provavelmente, implica em compreensão genérica do tipo ‘serve para’ seguida por uma nominalização e, na sequência, um prefixo de posse com informação dêitica igualmente genérica com uma outra raiz (N).

A nominalização para os casos apresentados é utilizada como argumento para tratar o processo em questão como relacionado à geração de um sintagma com valor nominal. Diante disso, a representação (N3 → RAIZ + (NOMZ) + RAIZ) apresentada anteriormente, não ilustra com detalhes o N3, fato que me permite pensá-la de maneira mais precisa da seguinte forma:

N3 → POSSUIDOR + RAIZ + NOMZ + POSSUÍDO + RAIZ

Do ponto de vista da tradução para o PB, tratar asnatetmaehataok e

asnatetmaemeok simplesmente como ‘meus óculos’ e como ‘minha luva’,

respectivamente, parece não ser o mais adequado. Uma tentativa mais adequada nos remeteria a algo do tipo ‘meu uso nas mãos’ e ‘meu uso nos olhos’. A tradução, portanto, não corresponde ao processo em si. Diferentemente de (79a), no qual a tradução parece bastante adequada, aqui o conjunto de informações parece não se perder totalmente de modo a dar lugar a um terceiro significado.

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Com isso, delimito uma distribuição entre os dois processos de N3 baseada na concepção de composição para o caso em que há justaposição e de derivação para o caso em que há – além do acréscimo de informações lexicais – acréscimo de informações gramaticais.

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