• Nenhum resultado encontrado

1.4 Descrição acústica da produção da fala

1.6. As vogais tónicas

1.6.1. Distribuição dos segmentos vocálicos orais e nasais

Na representação da língua oral, isto é, na representação do contínuo sonoro que carateriza a fala, temos disponíveis, segundo Mateus et al. (2005), nove segmentos fonéticos

36

vocálicos orais [i, e, ɛ, ɨ, ɐ, a, u, o, ɔ] e cinco segmentos fonéticos vocálicos nasais [ĩ, ẽ, ɐ̃, ũ,

õ].

No que à distribuição diz respeito, os segmentos vocálicos podem ocorrer: em sílaba acentuada, pré-acentuada, pós-acentuada final e não final, embora nem todos possam assumir algumas destas posições.

Vejamos, segundo Barroso (1999: 117-138) e Rato (2013: 36-37), como podem encontrar-se distribuídos os segmentos vocálicos orais e nasais do PE: todos os segmentos vocálicos orais, sem exceção, ocorrem em posição pré-tónica; também podem ocorrer em sílaba acentuada, salvo [ɨ]. Se considerarmos as vogais orais em posição postónica, verificamos que, das nove vogais, apenas quatro [ɨ, i, ɐ, u] podem ocorrer em posição

postónica não final e apenas três [ɨ,ɐ, u] podem ocorrer em posição postónica final. Quanto às

vogais nasais, observamos que todas elas (as cinco) podem ocorrer em posição acentuada e em posição pretónica, mas somente duas [ɐ̃, ũ] podem ocorrer em posição postónica.24

Uma vez que o nosso estudo objetiva a análise de uma variante fonética de natureza acentuada, faz todo o sentido, depois de descrevermos a sua distribuição, entender as particularidades acústicas que caraterizam estes segmentos. Por isso, na subsecção seguinte, procedemos à descrição das caraterísticas articulatórias das vogais tónicas, de modo a compreender a sua proeminência na sílaba.

1.6.2. Caraterísticas acústicas e articulatórias do vocalismo tónico

De acordo com Barbosa (1994), durante o processo de fonação, os órgãos do aparelho fonador humano executam uma série de movimentos articulatórios que, quando associados aos movimentos de contração dos músculos abaixadores do tórax, originam diversos níveis de pressão de ar interno. “Trata-se de um fenómeno físico natural” (Barbosa, 1994: 129), mas que se revela de extrema importância para o ponto de vista linguístico, ao possibilitar a distinção de sons acentuados (tónicos) ou não acentuados (átonos), graças aos

24 Inventário vocálico da língua portuguesa – exemplos retirados de Mateus (1990:306) e destacados por Rato (2013): (a) Vogais

orais em posição tónica: [„biku]-[„beku],[„sedɨ]-[„sɛdɨ],[„tɐʎɐ]-[„taʎɐ],[„bolɐ]-[„bɔlɐ]-[„bulɐ]; (b) Vogais nasais em posição tónica:[„pĩtɨ]- [„pẽtɨ]-[„põtĩ], [„mɐ̃du]-[„mõdu]-[„mũdu]; (c) Vogais orais em posição pretónica:[fi‟nal]-[few‟dal], [mɛ‟zɲi]-[ma‟ziɲa]-[mɨ‟ziɲa], [kɔ‟rada]- [ku‟radɐ], [to‟radɐ]-[tɐ‟radɐ]; (d) Vogais nasais em posição pretónica: [sĩ‟tar]-[sẽ‟tar], [mɐ̃‟dar]-[mõ‟dar], [fĩ‟dar]-[fũ‟dar]; (e) Vogais orais em posição postónica: [„satiru], [i‟liɐku], [„latɨgu], [„maʃkulu]; (f) Vogais orais em posição final de sílaba:[„abrɨ]-[„abrɐ]-[„abru]; e (g) Vogais nasais em posição postónica: [„fɔrũ], [„ɔrfɐ̃].

37

diferentes níveis de pressão que determinam o grau maior ou menor de proeminência dos segmentos fónicos.

Segundo Mateus (2004), os sons vocálicos comportam duas propriedades – a

duração e a intensidade – que, quando conjugadas, propiciam o aumento do grau de

proeminência de uma dada sequência fonética (a sílaba). A nível acústico, essas propriedades são inerentes ao som e referem-se às caraterísticas acústicas das ondas sonoras. A duração está relacionada com o tempo de produção de um som e a intensidade refere-se ao grau de sensação auditiva do som, decorrente de um aumento de quantidade de energia proporcionada por uma maior amplitude de vibração das partículas de ar (Mateus, 2004: 6). Portanto, é a esse grau de relevância maior, desencadeada pela combinação das propriedades duração e intensidade que damos, em linguística, o nome de acento, isto é, a “intensidade maior do que a que se encontra noutros segmentos, ditos inacentuados ou não acentuados” (Barbosa, 1994: 129) que constituem uma dada unidade acentual (ou palavra). São, então, duas caraterísticas próprias dos segmentos vocálicos tónicos que se encontram relacionadas com a noção de acento, tal como é afirmado por Delgado-Martins (1973): “as vogais orais tónicas portuguesas definem-se acusticamente pelos valores óptimos dos seus formantes e da sua duração […]” (Ibidem: 51).

De acordo com Emiliano (2009), o termo “tónico” ou “átono” é aplicado tradicionalmente quando se pretende referir a acentuação de uma sequência de segmentos que constituem uma dada estruturação silábica. Embora categorize o conjunto de segmentos que compõem uma dada sílaba, é um termo apenas associado ao segmento vocálico, porque são os únicos elementos capazes de constituir núcleo dessas unidades suprassegmentais, contrariamente aos elementos consonânticos que apenas podem ocupar, na estrutura silábica, as posições marginais. Desse modo, segundo Pereira (1992), a tonicidade é conferida às sílabas, por estas incluírem vogais, que, enquanto núcleo silábico, são os únicos elementos capazes de receber acento. A caraterística acentual é, pois, encarada “como um traço segmental atribuível à vogal” (Rodrigues, 2003:89), sendo essas mesmas vogais responsáveis pela acentuação de toda a unidade suprassegmental.

De acordo com Andrade & Viana (1988b), os segmentos vocálicos tónicos são elementos portadores de acento pelo facto de (estes) fruírem de um tempo de duração superior aos outros constituintes (vogais átonas ou consoantes) da mesma unidade acentual. Assim, no estudo, sobre a relação entre a duração das vogais e o seu acento, intitulado “Ainda sobre o acento e o ritmo em português” (1988b), Andrade & Viana afirmam haver uma relação direta

38

entre a duração das vogais (ou duração silábica) e o seu acento. Embora, num trabalho anterior (do mesmo ano) tenham já apresentado uma proposta de parametrização do acento, na qual declaram haver diferentes graus de acento ao nível da palavra, atribuídos de acordo com os parâmetros de duração das vogais (ou sílabas), neste trabalho pretendeu-se ilustrar essa constatação recorrendo a outro modelo de análise, que tem por base a construção de grelhas para explicar, de forma simplificada, essa hierarquia acentual. Dessa maneira, concluem que, efetivamente, a duração das vogais está relacionada com os seus graus acentuais; comprovam, também, a existência de diferentes níveis de duração entre vogais de uma palavra, sendo que o grau menos elevado (grau 0) é atribuído à vogal que reflita níveis de duração mais baixos e o grau mais elevado (grau 3) é conferido à vogal que apresente níveis de duração mais elevados que, neste caso, será a vogal tónica (Andrade & Viana, 1988b).

Mais tarde, num outro estudo de 1991, sobre o acento de palavra em Português, o mesmo autor (Andrade) e Lank (1991) não negam que as vogais mais longas, ou seja, aquelas que apresentam tempo de articulação maior, “encontram-se sistematicamente em posição tónica” (Ibidem:16). Porém, consideram que a duração relativa dos segmentos vocálicos nem sempre explica o resultado da acentuação, como afirmam:

As vogais mais longas encontram-se sistematicamente em posição tónica. Decorre deste facto que a duração é resultado da acentuação e, como tal, não pode constituir o seu princípio explicativo como o mostra café, cafés, modelo, descasca, fístula, cúpula. Para além disso, no caso dos Verbos, a quantidade da penúltima” também “não desempenha qualquer papel como se vê em falávamos vs falamos (Andrade & Laks, 1991: 16).

Nestes casos, segundo os autores, a atribuição do acento não está apenas relacionada com o efeito da quantidade dos segmentos, mas sim com a composição fonológica ou morfológica da palavra, tal como referem: “ […] é necessário postular que as marcas de classe defectivas estão associadas a uma posição rítmica e que um certo número de morfemas pode ser portador de um cavado lexical pré-atribuído”. (Andrade & Laks, 1991: 23).

Num outro estudo, também sobre a relação entre a caraterística acentual e a duração das vogais tónicas, Falé (1997), ao contrário dos autores mencionados anteriormente, aponta para uma possível influência das propriedades prosódicas das frases sobre a duração dos segmentos tónicos. A autora faz a análise dos fenómenos de duração do núcleo das sílabas acentuadas que constituem a unidade frásica, com o intuito de perceber se há efetivamente alguma evolução dos valores médios dos núcleos silábicos acentuados ao longo dos enunciados frásicos.

39

A partir dos resultados obtidos, a autora confirma o aumento dos níveis de duração do primeiro para último núcleo acentuado da frase. Assevera que as vogais tónicas mais longas se encontram em posição final de frase e que isso não se deve a valores de duração intrínsecos, mas sim à posição sintática assumida pelos seus constituintes dentro da estrutura prosódica. Assim, mostra que é na posição de sujeito que os núcleos acentuados apresentam valores de duração mais baixos e que é na posição final absoluta de frase que registam valores de duração mais elevados. Com isto, atesta que o fenómeno de duração não é uma caraterística inerente ao segmento vocálico tónico, mas sim, “um parâmetro linguístico expressivo” (Falé, 1997: 255), ao qual é induzido uma duração relativa que varia conforme a localização dos constituintes na estrutura frásica.

Ainda sobre o vocalismo acentuado, Rodrigues (2003) afirma que o sistema vocálico português apresenta-se como estável em posição tónica. Tal classificação deve-se ao facto de (a maior parte) não estar sujeita a redução nem a apagamento, como acontece com o vocalismo átono (cf. Rodrigues, 2003: 27).

Acerca do sistema vocálico português, na sua globalidade, Barroso (1999) destaca que a diferenciação de segmentos tónicos e átonos no plano fónico é essencialmente determinada pela posição que a sílaba ocupa dentro da unidade acentual (= palavra) relativamente ao acento. Assim, todos os fonemas silábicos podem ser organizados em dois inventários (vocalismo acentuado e não acentuado), conforme possuam ou não acento tónico (Ibidem: 117).

Depois de termos feito referência à teoria que envolve a ocorrência do vocalismo tónico, na próxima secção, apresentamos alguns pressupostos teóricos relativos à nasalidade e/ ou assimilação do traço consonântico nasal pelos elementos fónicos. Pretendemos estudar, mais discriminadamente, a ocorrência do vocalismo acentuado, para entender se o contexto consonântico adjacente, particularmente o contexto consonântico nasal, pode (ou não) provocar a modificação da qualidade das vogais em sílaba acentuada. Lembramos que o nosso trabalho tem por objetivo principal fazer o estudo acústico das realizações fonéticas de uma vogal em específico, /a/, em contexto de sílaba acentuada e aberta. Nesse seguimento, porque consideramos haver uma maior tendência para ocorrer variedade desse fonema em contexto nasal, procuremos perceber se o traço [+nasal] das consoantes vizinhas tem, de alguma forma, influência sobre o uso dessas variantes fonéticas.

40

1.7. Contexto vocálico: influência da nasalidade consonântica sobre