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Descrição e classificação dos sons a partir dos diferentes modos e pontos / zonas de articulação

Complexidade do ato de fala

1.3. Descrição e classificação tradicional das consoantes e das vogais

1.3.1. Descrição e classificação dos sons a partir dos diferentes modos e pontos / zonas de articulação

Até aqui temos vindo a referir que, para a realização dos sons, os articuladores adotam comportamentos ou formas de posicionamento distintos. Por outras palavras, são as diferentes configurações articulatórias assumidas pelos órgãos articuladores do trato vocal que determinam modos de escoamento do fluxo de ar e que dão origem à produção dos diferentes sons da fala.

Nesse seguimento, afirmamos que a principal caraterística articulatória que permite distinguir uma consoante de uma vogal é, como já referido, a presença de constrição no trato oral. É essa condição que leva a que os segmentos sejam, portanto, agrupados em duas grandes categorias: sons consonânticos e sons vocálicos.

No entanto, a classificação articulatória dos segmentos fonéticos não passa apenas pela determinação da presença ou da ausência de constrição na cavidade oral, também requer a identificação e descrição dos movimentos articulatórios associados à produção das unidades sonoras. Como tal, interessa também ter em conta os vários parâmetros em que assenta a classificação articulatória das consoantes e das vogais, para que haja uma correta classificação dos sons.

Em seguida, começamos por fazer uma síntese das diferentes subclasses de sons consonânticos do PE padrão resultantes do parâmetro descritivo-classificatório ponto e modo de articulação.

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1.3.1.1. Descrição e classificação articulatória das consoantes do PE

De acordo com Mateus et al. (2005: 81-82), os segmentos consonânticos do português encontram-se divididos em quatro grandes categorias, a saber: oclusivas, fricativas, laterais e vibrantes.

A diferença entre estas quatro categorias reside, precisamente, na forma como intervêm os órgãos articuladores na interrupção da passagem do fluxo de ar. Explanemos, agora, de forma sucinta, a intervenção articulatória, concretamente de todos os articuladores (passivos e ativos) envolvidos no processo de produção dos sons consonânticos.

São classificados de oclusivos todos os sons consonânticos orais e nasais produzidos com impedimento total da passagem do fluxo de ar em determinado ponto do trato vocal, designadamente: [p, t, k, b, d, g, m, n, ɲ]. Os sons produzidos com uma constrição parcial do fluxo de ar, como [f, s, ʃ, β, v, ð, z, ʒ, ɣ], pertencem à subclasse de sons consonânticos contínuos fricativos, devido ao ruído de fricção provocado pela passagem do ar a alta velocidade. Por outro lado, sons como [l, ʎ, ɫ] constituem o grupo das consoantes laterais, cuja caraterística articulatória é serem produzidos com uma obstrução completa da cavidade bucal e simultâneo escoamento livre do fluxo de ar pulmonar pelos lados do dorso da língua. Finalmente, os contóides [r, ɾ, R] constituem o grupo dos sons vibrantes, porque resultam de uma constrição parcial provocada pela vibração de um órgão articulador móvel: da ponta ou ápice da língua, no caso [r] e [ɾ], e da úvula, no caso de [R]. Importa ainda referir que os sons designados por laterais e vibrantes constituem uma outra grande subclasse de sons: a dos contóides líquidos, por possuírem propriedades acústicas e articulatórias semelhantes, pois resultam de uma constrição parcial à passagem do fluxo de ar pulmonar não suficientemente apertada para provocar ruído (Barroso, 1999: 104; Faria et al., 1996; Mateus et al., 2005).

Para além das categorias mencionadas no parágrafo anterior, Mateus et al. (2005) classificam ainda os sons consonânticos de obstruintes e soantes. A diferença entre aqueles e estes está em que, na produção dos primeiros, o fluxo de ar pulmonar sofre uma obstrução total ou parcial no trato vocal e os segundos, ao invés, são produzidos sem obstruções significativas à passagem do fluxo de ar. Portanto, de acordo com este parâmetro, os sons consonânticos oclusivos orais e fricativos são classificados como obstruintes, e os sons

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consonânticos oclusivos nasais e líquidos são classificados como soantes10 (Mateus et al., 2005: 82).

Ainda quanto ao “modo de articulação”, os contóides podem também ser classificados como orais e nasais. Lembramos que o órgão articulador responsável pela produção dos sons consonânticos orais e nasais é o véu palatino. Este órgão encontra-se localizado na parte inferior da cavidade supraglótica e separa a cavidade oral da cavidade nasal. São classificados de sons nasais os contóides do português [m, n, ɲ]; os demais são sons consonânticos orais.

Por fim, os sons consonânticos do PE podem ainda ser distinguidos por duas outras caraterísticas relacionadas com o ponto de articulação e estado da glote/papel das cordas vocais.

Relativamente ao primeiro parâmetro, a identificação da localização da constrição no trato vocal e/ ou dos articuladores ativos utilizados na produção dos sons consonânticos, permite classificá-los da seguinte forma: bilabiais, labiodentais, dentais, alveolares, palatais, velares e uvulares. Desse modo, são designados por bilabiais os sons [b, β, p, m], porque são produzidos com a aproximação e/ ou contacto dos lábios (inferior e superior); [v, f] são designados de labiodentais, porque são produzidos com a aproximação e/ ou toque do lábio inferior com o setor da arcada dentária superior; [t, d, n, ð] são designados por (álveo) dentais, por serem produzidos com a aproximação e/ ou toque da coroa da língua com os (alvéolos e) dentes incisivos superiores; [s, z, l, r, ɾ] são alveolares, porque são produzidos com a aproximação e/ ou contacto da coroa da língua com os alvéolos; [ɲ, ʎ, ʃ, ʒ] designam-se por palatais, porque são produzidos com a aproximação e/ ou toque da frente da língua ao/ com o palato duro; [g, k, ɣ, ɫ] são velares por serem produzidos com aproximação e/ ou contacto do dorso da língua com o palato mole (ou véu palatino); e, finalmente, [R], designado por uvular, uma vez que é produzido pelo contacto (e ainda pela vibração) do dorso da língua junto à úvula (Barroso, 1999:60; Mateus et al., 2005: 81).

Quanto ao estado da glote/papel das cordas vocais, este parâmetro está relacionado com a ausência ou a presença de obstrução do fluxo de ar pulmonar egressivo na glote. De acordo com este último parâmetro, produzem-se os sons vozeados (ou sonoros) se, à passagem de fluxo dar pela glote, ocorrer vibração das cordas vocais e, ao invés, os sons não vozeados (áfonos ou surdos) se, na sua produção, não há vibração das cordas vocais (Thomas

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et al, 1976; Hewlett & Beck, 2010). São consoantes não vozeadas do português [p, t , k, f, s,

ʃ]; todas as outras são consoantes sonoras.

Depois de uma breve referência às subclasses de sons consonânticos, façamos agora a descrição das vogais do PE, tendo em conta os parâmetros em que assenta a classificação articulatória destes segmentos.

1.3.1.2. Descrição e classificação articulatória das vogais do PE

1.3.1.2.1. Articulação e classificação

Dissemos na secção 1.2.1.1. que a principal caraterística que distingue sons vocálicos de sons consonânticos é a ausência de constrição do fluxo de ar pulmonar egressivo no trato

vocal.Todavia, para além desta caraterística, existe uma outra cuja natureza está relacionada

com o papel das cordas vocais. Falamos do critério da sonoridade.

Segundo Mateus et al. (2005: 78) os vocóides caraterizam-se, não apenas, pela

passagem livre do ar, mas também pela vibração das cordas vocais: “Na produção das vogais, há vibração das cordas vocais, portanto, trata-se de sons vozeados”. O estado da glote é, portanto, um dos parâmetros descritivo-classificatórios habitualmente considerados na descrição e classificação dos segmentos vocálicos, tal como o é para a caraterização dos segmentos consonânticos. No entanto, a referência ao estado da glote pode, segundo Emiliano (2009:27), “considerar-se redundante”, dado que todos os vocóides do PE são, por natureza, produzidos com a vibração das cordas vocais.

Assim, passemos à identificação e descrição dos principais movimentos articulatórios que estão na base da classificação ou categorização tradicional dos segmentos vocálicos do português europeu padrão.

De acordo com Barroso (1999: 59), uma vez que as vogais se caraterizam pela ausência de obstrução à passagem do fluxo do ar pelo trato vocal é impróprio, para estes sons, falar-se em ponto de articulação, tal como procedemos para as consoantes. No caso dos segmentos vocálicos, devemos, sim, falar em zona de articulação, parâmetro essencialmente determinado pelo movimento horizontal da língua dentro da cavidade oral (cf. Barroso, 1999: 59).

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Segundo Mateus et al. (2005: 78), a articulação das vogais deve-se à “posição do corpo da língua” e à “posição dos lábios”, sendo os segmentos vocálicos classificados de acordo com as diferentes posições que estas estruturas assumem dentro do trato vocal.

No primeiro caso, se considerarmos o critério “zona de articulação”, as diferentes posições do corpo da língua permitem denominar as vogais do PE como anteriores (ou palatais), centrais e posteriores (ou velares), se tivermos em conta a direção do articulador, e em baixas (ou abertas), médias e altas (ou fechadas), conforme a altura a que se eleva. No que diz respeito ao critério “papel dos lábios”, a ausência ou a presença de projeção dos lábios permitem-nos classificar as vogais do PE de arredondadas ou não arredondadas, diante da ausência ou presença de projeção labial.

A Tabela 1 representa de forma esquemática as vogais orais e nasais fonéticas do PE (conforme Mateus et al., 2005: 79-80):

Tabela 1: Classificação articulatória dos sons vocálicos orais e nasais do PE

Assim, tendo em atenção o posicionamento da estrutura anatómica língua dentro da cavidade oral, as vogais fonéticas do PE [i], [e] e [ɛ] recebem a designação de anteriores ou palatais porque, quando pronunciadas, a língua se eleva em direção ao palato duro; as vogais [ɨ], [ɐ] e [a] designam-se por centrais ou médias, pois resultam do movimento horizontal da língua em relação à parte centro-posterior da abóbada palatina; e as vogais [o], [ɔ], [u] denominam-se posteriores ou velares porque, para a sua produção, a língua tem que se mover em direção ao véu palatino. Por outro lado, se considerarmos a altura a que se eleva o dorso da língua, classificamos os vocóides [ɛ], [a], [ɔ] de baixos, [e], [ɐ], [o] de médios e [i], [ɨ], [u]

Vogais orais

Anterior ou palatal Central Posterior ou velar

Alta [i] [ɨ] [u]

Média [e] [ɐ] [o]

Baixa [ɛ] [a] [ɔ]

Vogais nasais

Anterior ou palatal Central Posterior ou velar

Alta [ĩ] [ũ]

Média [ẽ] [ɐ̃] [õ]

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de altos. Ainda, se considerarmos o grau de abertura dos maxilares, classificamos [a] de vogal aberta, devido ao facto de ser produzida com o afastamento máximo dos articuladores; [ɛ] e [ɔ] de vogais semiabertas, devido à aproximação mínima; [e], [ɐ] e [o] de vogais semifechadas, por serem produzidas com aproximação média e [i], [ɨ] e [u] de vogais fechadas, pelo facto de ocorrer, durante a sua produção, uma aproximação acentuada dos articuladores. Finalmente, quanto à posição dos lábios, apenas as vogais [o], [ɔ] e [u] são arredondadas; todas as outras são não arredondadas.

No PE também existem vogais nasais (cf. Tabela 1). Estas são produzidas tal como as vogais orais, só com a diferença de que o fluxo de ar necessário para as produzir passa não só pela cavidade oral mas também pela cavidade nasal, provocando ressonância nessa zona.

Resta referir, ainda, as glides [j] e [w], designadas também por semivogais,

semiconsoantes ou aproximantes. As glides possuem propriedades articulatórias idênticas às

vogais fechadas, como [i] e [u]. Também são classificadas em função das posições dos articuladores que intervêm na sua produção, somente com a diferença de serem produzidas com menor energia. Assim, no caso do português, a semivogal [j] é classificada como semivogal alta, anterior (ou palatal), não arredondada, oral; e a semivogal [w] classificada como alta, posterior (ou velar), arredondada, oral.

Portanto, e de forma a dar destaque às duas variantes tónicas que serão alvo da nossa análise, a vogais [a] e [ɐ] devem ser classificadas da seguinte forma: a primeira como vogal baixa, central, deslabializada (ou não arredondada), oral e a segunda como vogal média, central, deslabializada (ou não arredondada), oral. Resta acrescentar que estes segmentos fonéticos apenas se diferem ao nível do parâmetro “grau de abertura bucal”, uma vez que na articulação do vocóide [ɐ] o dorso da língua apresenta-se mais elevado do que na produção da vogal [a].