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Método de recolha de dados: entrevista sociolinguística

1.4 Descrição acústica da produção da fala

59 Capítulo

2.2. Método de recolha de dados: entrevista sociolinguística

De acordo com Fernandes (1972), a possibilidade de observar os factos ou os fenómenos presentes no real circundante implica a reconstrução de um universo empírico restrito, para que o investigador consiga compreender e explicar as instâncias presentes nessa realidade.

Contudo, a apreensão do real não se trata de um processo momentâneo. Exige o envolvimento de uma série de atividades intelectuais complexas, que convergem no sentido de reprodução do real das unidades investigadas e auxiliam no seu conhecimento objetivo.

Desse modo, a descrição e a explicação científicas da realidade requerem o concurso de determinadas operações elementares, que trabalham no sentido da reprodução dos factos e dos fenómenos que se pretendem investigar. Primeiramente, o objetivo é apreender somente os aspetos essenciais, isto é, reunir unicamente a matéria crucial para a investigação, para, depois, através da manipulação ou do movimento vagaroso dessas instâncias, o investigador estudar e determinar a significação relativa dos dados de facto. Como refere Fernandes (1972), “é através da manipulação das instâncias empíricas, consideradas em conjunto, que o

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investigador chega a descobrir a complexa teia de ramificações da realidade, a compreender a unidade investigada como uma totalidade integrada, a formular as hipóteses alternativas básicas, e a isolar as explanações descritivas e interpretativas consistentes” (Fernandes, 1972: 4).

Essa tentativa de apreensão e compreensão da realidade total também se aplica à pesquisa linguística. No estudo linguístico, de acordo com Labov, o principal método frequentemente utilizado pelos especialistas é a observação direta da “língua falada”, que, em poucas palavras, é basicamente aquela usada “em situações naturais de interação social, do tipo de comunicação face a face” (Tarallo, 1985: 19). Trata-se de um género de linguagem a que chamamos de “coloquial”, devido ao facto de ser usada em contextos de conversação informais, onde a prática discursiva não requer necessariamente um nível linguístico mais culto42.

A ciência linguística que procura precisamente compreender e observar o uso real da língua através do estudo da “língua falada”, por considerar ser o elemento representativo da comunidade de fala que melhor define a relação existente entre a língua e a sociedade, é a sociolinguística.

Um dos métodos utilizados pelo sociolinguista para a recolha dos dados da língua falada em situações naturais de interação social face a face, é a entrevista gravada, mais precisamente a gravação de entrevistas individuais (Tarallo, 1985; Coelho et al., 2012). A principal vantagem da gravação de entrevistas é precisamente o facto de possibilitar a criação de um ambiente de comunicação mais “natural”, o que faz dessa técnica a melhor forma de reprodução e captação do comportamento real da língua (Tarallo, 1985; Coelho et al., 2012; Wardhaugh, 1992).

Trata-se, portanto, de um ambiente mais “naturalizado” que, segundo Tarallo (1985), pode ser alcançado, por exemplo, através da formulação de questões que incitem a utilização de um discurso narrativo mais direcionado para as vivências pessoais e/ ou profissionais do informante. O autor explica que a obrigatoriedade do momento em partilhar as suas experiências – também recriadoras, de certa forma, de algumas emoções próprias – faz com que o falante se abstraia da presença do investigador e/ ou até do material de recolha de dados, permitindo-lhe automaticamente uma concentração e preocupação maior na exposição do seu relato do que propriamente com a sua maneira de falar. Assim, centrado na exposição

42 Nomura (1993: 31) diz tratar-se de um género discursivo habitualmente usado “nas conversas informais em rodas de amigos ou

em círculos familiares, no diálogo ao telefone; a “small talk”, que ocorre em reuniões sociais informais, como nas pausas para o cafezinho; em ocasiões cotidianas distintas, como nas compras, nas trocas de informações na rua, nos balcões de informação de repartições públicas, e outras semelhantes”.

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das suas vivências, torna mais facilitada a tarefa de recolha de dados da fala real e, por conseguinte, a observação direta da “língua natural” (Tarallo, 1985: 20-21).

Assim, uma vez que o principal objetivo da criação do PSFB era disponibilizar à comunidade científica amostras representativas do uso da língua em contexto real, o método adotado pelos investigadores da Universidade do Minho para a recolha dos dados foi justamente a entrevista. As entrevistas realizadas, segundo Costa (2013), centraram-se, particularmente, no formato de entrevista proposto por Labov, sobretudo aquele em que se procura criar situações comunicativas que suscitem nos sujeitos informantes a produção de um discurso mais espontâneo e coloquial, semelhante àquele usado em situações naturais de interação social (uma conversa entre amigos, por exemplo).

Porém, pelo facto de os informantes saberem que estavam a participar num estudo académico, havia o risco permanente de enviesamento da recolha de dados pertinentes ao estudo que se pretendia desenvolver. Para que tal não ocorresse, as entrevistadoras procuraram nunca dar a entender aos informantes a verdadeira natureza do objeto de estudo, evitando situações que pudessem levar os indivíduos a inferir que se tratava de um estudo sobre linguagem: “quando os falantes questionavam as entrevistadoras acerca da área de investigação do projeto PSFB, era-lhes respondido que se tratava de um estudo sobre os usos e costumes da cidade de Braga” (Costa, 2013: 34).

No entanto, porque se tratava de um estudo de natureza linguística, que necessariamente envolvia a recolha de um corpus para fins de análise linguística, surgiu a necessidade de adotar outras técnicas que permitissem alcançar os objetivos desse estudo sem prejudicar a sua objetividade. Primeiramente, tratou-se de desenvolver módulos ou roteiros metodológicos que incitassem a criação de um ambiente mais neutral possível, de modo a possibilitar a recolha de dados dos mais variados níveis linguísticos, por exemplo: planearam a duração de cada entrevista para 60 minutos, com o intuito, segundo Costa (2013: 33-34), “de levar os falantes a prestar menos atenção ao seu discurso e, dessa forma, utilizarem

discurso espontâneo”; posteriormente, procurou-se formular questões de maneira a que estas

propiciassem o aparecimento de formas linguísticas variadas, nomeadamente tópicos gramaticais (por exemplo: “flexão verbal de pessoa, número e tempo, descrição estática, dinâmica, denotativa, conotativa, uso de adjetivos e advérbios, repetições, uso de comparações e metáforas, construções impessoais, uso da passiva) e de diferentes sequências narrativas (narrações, descrições, argumentação, discurso instrucional e interpessoal, perceções metalinguísticas”); e, ainda, para que os falantes não se apercebessem daquilo que

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era pretendido elicitar, as entrevistadoras questionavam os informantes sobre a linguagem direcionando-os para as suas “perceções metalinguísticas”, do género “Acha que em Lisboa se fala da mesma forma que aqui? e Qual é a forma mais correta ou mais bonita de falar?”.

Em suma, pretendia-se com este método de entrevista sociolinguística fazer com que os falantes se esquecessem de que estavam a ser estudados, de modo a ser possível recolher dados de vários níveis linguísticos sem comprometer a validade dos resultados.

2.3. Apresentação da investigação