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Os climas secos ocorrentes no Brasil fazem parte de duas categorias: semiárido e subúmido seco, ambos do tipo tropical. A localização destes, grosso modo, está concentrada principalmente no interior da região Nordeste, envolvendo diversos estados, além do trecho norte da região Sudeste, em Minas Gerais. Ainda que comumente seja destacada a pluviosidade inferior a 1.000mm/ano como característica principal da identidade física das terras sob esse domínio climático, mais importante que isso, para entender uma série de eventos aí ocorrentes, é a presença marcante de altas temperaturas médias anualmente (cerca de 27ºC) que, ao conferirem a presença de elevada evapotranspiração, fazem com que nessas terras tenhamos o domínio do déficit hídrico, a despeito de uma pluviosidade relativamente elevada, quando comparada a outras regiões de climas secos localizadas em muitos outros países.

O fato acima mencionado fica ainda mais acentuado pela presença dominante de solos rasos, com pequena capacidade de armazenamento de água. Finalmente, conferindo ainda mais complexidade a essas terras, temos uma distribuição de chuvas com comportamento aleatório, em sua quantidade, no tempo e principalmente no espaço.

Pelas características climáticas, hídricas e hidrogeológicas destacadas, o semiárido faz parte de um conjunto de terras onde a instabilidade é uma situação inerente do sistema, sendo dominado por eventos estocásticos. Embora na maioria das vezes, esquecido, esse é um aspecto fundamental para que essas terras possam ser manejadas de forma sustentável (ELLIS & SWIFT, 1988).

Ao direcionarmos o nosso olhar para a vegetação, como um dos elementos visíveis da paisagem que mais chama a atenção do observador e também como uma das características mais importantes e emblemáticas nos estudos sobre desertificação, também iremos ter um quadro de elevada complexidade, acentuada pela secular e constante intervenção humana na caatinga.

Destacamos que a cobertura vegetal exerce papel fundamental de retroalimentação com a atmosfera. De forma sintética, sua degradação aumenta o albedo, o que produz uma diminuição da radiação, gerando queda da evapotranspiração e reduzindo a formação de nuvens e chuvas, o que acaba implicando na aceleração da redução da vegetação (ROWNTREE, 1991). Também se produz uma redução no armazenamento da umidade no solo, aumento do escoamento superficial e processos de erosão hídrica, com a diminuição da água das chuvas disponível para as plantas. Especificamente nas condições de semiaridez, a evapotranspiração pode representar de 60 a 80% do balanço hídrico, sendo de importância extrema determinar o papel da cobertura vegetal sobre a recarga de água no solo, em termos evolutivos (WALLACE, 1994).

No caso da caatinga, em virtude da extensão e intensidade das mudanças provocadas pela intervenção antrópica, durante séculos de ocupação, a tarefa de estabelecer um parâmetro que defina como era originalmente a aparência da caatinga durante os primeiros anos da chegada do colonizador europeu no semiárido é um desafio de elevada dificuldade. Adiciona-se a isso, o fato de não existir nesse tipo de formação vegetal, como ocorre na Floresta Amazônica e na Mata Atlântica, um contraste marcante entre os remanescentes florestais e as áreas devastadas (ZANELLA & MARTINS, 2005).

A caatinga é considerado o terceiro Bioma mais degradado do Brasil, perdendo apenas para a Floresta Atlântica e o Cerrado (MYERS et al, 2000), estimando-se que 80% da vegetação encontre-se completamente modificada, devido ao extrativismo e a agropecuária, apresentando-se a maioria dessas áreas em estádios iniciais ou intermediários de sucessão ecológica (ARAÚJO FILHO & CARVALHO, 1996).

Pelas razões mencionadas, a caatinga apresenta grandes extensões que correm o risco de que a desertificação esteja ocorrendo, enquanto em outras essa degradação já faz parte da paisagem. De acordo com os dados oficiais, a área susceptível a ocorrência da desertificação abrange 1.338.076km² e 1.482 municípios, sendo habitada por mais de 30 milhões de pessoas (BRASIL, 2004).

Apesar dos números apresentados, caracterizar uma área como desertificada não é tarefa das mais simples, tendo em vista o conjunto de elementos que devem ser analisados de forma integrada e também sob uma perspectiva temporal. Inclusive, sobre essa última parte, dois pontos de interrogação são importantes, dizendo respeito ao tempo para que seja detectada a presença da

desertificação, em sua fase inicial, e também qual seria o período necessário para que essa área pudesse ser recuperada de forma espontânea, após cessar as atividades geradoras do processo.

Desses dois questionamentos iniciais, derivam dúvidas relacionadas a capacidade de auto- recuperação desses ambientes, levando em consideração uma observação de Prigogine (1993) ao destacar que, na presença de fluxos de energia e de matéria mantidos a partir do exterior do sistema, não existe um princípio termodinâmico único que possa determinar a sua evolução. Nesse caso, a não-recuperação espontânea de algumas áreas desertificadas deve ser considerada uma possibilidade importante.

A seguir, elencamos algumas outras questões que ainda tornam esse tipo de degradação uma problemática de elevada complexidade em sua compreensão, dinamismo e portanto de difícil solução:

1) O conceito de desertificação é ambíguo quanto aos processos, condições e soluções;

2) A desertificação é uma degradação geralmente pouco perceptível para um olhar menos atento, só aparecendo mais claramente em eventos prolongados de estiagens, sendo confundida muitas vezes como causada exclusivamente pela falta pronunciada de chuvas;

3) Existe elevada confusão entre os processos que originam os desertos e a desertificação; 4) A caatinga ainda é pouco conhecida pela comunidade científica, do ponto de vista biótico, em

suas relações com o quadro abiótico e da mistura entre esses elementos e as atividades humanas;

5) Ainda domina uma visão popular de que a caatinga faz parte de um bioma e de uma região economicamente pobres, portanto pouco importante do ponto de vista ambiental, econômico e dos investimentos que poderiam ser direcionados a essa parte do país;

6) Não são percebidas as consequências espaciais e sociais indiretas associadas á desertificação, as quais tem poder de repercutir negativamente para além das zonas secas, a exemplo da migração;

7) Muitas das interpretações utilizadas nos estudos sobre desertificação não dão conta de elementos importantes a serem analisados, individualmente e na sua relação de causa e efeito com outros aspectos;

8) Os mapeamentos até o momento só conseguem expressar os elementos de composição do espaço e não os condicionantes de modificação destes, sendo portanto uma representação estática de fenômenos espaciais. Em linguagem “miltoniana”, são determinados os objetos geográficos – a paisagem, o sistema de fixos -, mas não as ações humanas e os processos físicos ao longo do tempo – o espaço geográfico, o sistema de fluxos.