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4 Proporção de recursos do SUS destinados aos hospitais psiquiátricos e aos serviços

3.6 Aspectos éticos da pesquisa

De acordo com Gastaldo e McKeever (2002), seria uma posição ingênua acreditar que a pesquisa qualitativa é intrinsecamente ética, visto que dependerá da maneira como o problema é considerado em cada etapa do processo de investigação; o modo como as perguntas da pesquisa são formuladas; a maneira como os informantes são selecionados; a forma como se constrói, processa e interpreta o material empírico; o modo como se apresentam os achados e a maneira como estes são difundidos e utilizados.

Assim sendo, cada etapa da pesquisa deve ser pensada em seus aspectos éticos. Buscamos nesta pesquisa, portanto, o cuidado no momento da elaboração das perguntas que nortearam as entrevistas com os usuários do CAPS, para que as questões não representassem uma ameaça ou violência simbólica para os informantes; principalmente, pela constatação de que pesquisas em saúde, como esta, revelam temas sensíveis de natureza física, emocional e existencial (GASTALDO; MCKEEVER, 2002).

Sabemos também que as técnicas utilizadas nesta pesquisa – entrevista individual em profundidade e observação – devem ser baseadas na relação de confiança entre os pesquisadores e os informantes da pesquisa (GASTALDO; MCKEEVER, 2002). Portanto, é preciso assumir no manejo dessas técnicas a dimensão ética do cuidado, pautada na escuta interessada e no reconhecimento das experiências e percepções desses sujeitos.

Ainda consoante Gastaldo e Mckeever (2002), os pesquisadores devem estar cientes de que podem evocar insights e ideias anteriormente não exploradas pelos participantes, e esse processo de reflexão não termina ao final da entrevista, pois a relação intersubjetiva estabelecida entre pesquisador-informante pode desencadear uma tomada de consciência de aspectos antes obscuros. Daí a importância de se perguntar em que proporções o conhecimento produzido beneficiará o CAPS e os atores envolvidos, bem como qual será a contribuição deste estudo na melhoria das políticas públicas em saúde mental. São questionamentos importantes que nos moveram constantemente em cada fase da nossa pesquisa.

Sobre os aspectos éticos, entendemos, também, que a transcrição é um momento crucial da pesquisa, visto que é necessário revelar as falas (incluindo a

expressão não-verbal) sem distorções semânticas impelidas por erros gramaticais ou por questões ideológicas.

Feitas tais reflexões éticas necessárias implicadas nesta pesquisa, entramos em campo e foram explicados aos participantes o objetivo da pesquisa, a metodologia aplicada, a não obrigatoriedade de participação, como também foi assegurado o sigilo das informações e o anonimato do informante.

A pesquisa obedeceu aos parâmetros e itens que regem a Resolução 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, a qual regulamenta pesquisa com seres humanos. Vale ressaltar que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido26 foi elaborado em conformidade com a referida Resolução, garantindo os princípios da Bioética: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça (MURPHY; DINGWALL apud FLICK, 2009).

Conforme aludido na introdução, esta pesquisa está inserida no projeto maior intitulado Qualidade do cuidado e desinstitucionalização em saúde mental: avaliando práticas inovadora s sob a ótica da integralidade e humanização na perspectiva dos atores implicados, o qual foi analisado e autorizado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Ceará (UFC)27.

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O termo de consentimento encontra-se no APÊNDICE VI.

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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A exposição dos resultados versa na apresentação dos relatos dos usuários do CAPS da SER III e do CAPS da SER V, que reiteram a totalidade dos sentidos mais evocativos concedidos nas entrevistas. Destacamos que alguns aspectos observados nas referidas instituições foram incluídos nesta pesquisa com o intuito de corroborar ou confrontar as falas apresentadas.

De modo a facilitar a exibição dos resultados, as instituições pesquisadas e os usuários28 aparecem em termos de códigos. O CAPS da SER III passa a denominar- se de CAPSrt (“rt” significa Rodolfo Teófilo, bairro de localização deste CAPS) e o CAPS da SER V passa a designar-se de CAPSbj (“bj” de Bom Jardim, bairro de localização deste CAPS). Os usuários do CAPSrt são chamados, respectivamente, por RT1, RT2, RT3, e assim por diante, até o RT15. Já os usuários do CAPSbj são nomeados, respectivamente, por BJ1, BJ2, BJ3, e assim por diante, até o BJ16.

No que tange à utilização das técnicas de apreensão do material empírico, foram realizadas 20 entrevistas no CAPSbj e 20 entrevistas no CAPSrt, totalizando 40 entrevistas. Dessas 40 entrevistas, entretanto, oito foram descartadas em razão do processo de saturação teórica e uma entrevista não pôde ser utilizada, visto que a usuária se sensibilizou demasiadamente ao relatar suas experiências, sendo necessário interromper e excluir a entrevista por questões éticas. Desse modo, foram utilizadas 16 entrevistas dos usuários do CAPSbj e 15 do CAPSrt, totalizando 31 entrevistas.

A estratégia de exibição dos resultados do processo interpretativo denota a apresentação do material discursivo dos usuários que foi congregado em virtude da justaposição de sentidos discursivos e, em seguida, discutido à luz das teorizações sobre o cuidado em saúde mental.

Três temas centrais constituíram nossa Rede de Significados de modo interdependente, cuja organização evidencia suas respectivas dimensões de análise, exibidas no Quadro 4:

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A caracterização detalhada de cada usuário dos distintos CAPS encontra-se no tópico intitulado “Os

Quadro 4– Rede de significados

TEMAS CENTRAIS DIMENSÕES DE ANÁLISE

A) Experiências dos itinerários terapêuticos

A1. Os impactos do modelo de atenção asilar

A2. Os impactos do modelo de atenção psicossocial

B) Percepção dos usuários sobre o serviço

B1. Representação do CAPS B2. Percepção sobre os trabalhadores B3. Percepção sobre as atividades C) Qualidade do cuidado C1. Aspectos formais da assistência C2. Humanização e Acolhimento C3. Integralidade e Clínica Ampliada

Fonte: elaboração própria

O tema experiências dos itinerários terapêuticos aborda as experiências vividas dos usuários no que se refere ao processo de adoecimento e de busca pela “cura” nos diferentes modelos de atenção em saúde mental, por assim dizer, o modelo asilar e o modelo psicossocial. Neste mote, há relatos de experiências dos usuários em hospitais psiquiátricos e nos CAPSs, cuja comparação entre as instituições se apresentou de modo significativo, embora não fosse mencionada ou questionada pela entrevistadora. A autopercepção da atual situação de saúde foi exibida na dimensão os impactos do modelo de atenção psicossocial, onde a capacidade resolutiva e a materialidade da reabilitação psicossocial no CAPS foram avaliadas pelos usuários.

O tema percepção dos usuários sobre o serviço trata da representação que os usuários têm sobre o CAPS; a percepção sobre os profissionais e suas interações na relação profissional-usuário; e a percepção sobre as metodologias de ação e os efeitos terapêuticos das atividades desenvolvidas no CAPS.

O tema qualidade do cuidado consiste na apresentação dos principais aspectos relacionados ao atendimento de qualidade na perspectiva dos usuários dos distintos CAPS. As dimensões mais recorrentes deste tema foram: os aspectos formais do cuidado, principalmente, no que se refere ao uso dos psicofármacos; a humanização e o acolhimento como dispositivos comunicacionais e relacionais; e a integralidade e a clínica ampliada, tangenciadas por práticas interdisciplinares e intersetoriais.

O recurso expositivo das temáticas retrocitadas incide na tentativa de analisar confluências, divergências e singularidades no que concerne ao cuidado ofertado no CAPSbj e no CAPSrt no ponto de vista dos usuários das respectivas instituições, de modo a verificar a capilarização da Reforma Psiquiátrica dos dispositivos de saúde em questão.