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4 Proporção de recursos do SUS destinados aos hospitais psiquiátricos e aos serviços

2.6 Humanização do cuidado

O termo humanização traz desafios conceituais e metodológicos em decorrência de seus diversos significados. Neste tópico, pretendemos clarificar a origem e alguns conceitos sobre a humanização no âmbito da saúde, para que, em seguida, seja possível situar esta noção na nossa pesquisa.

A humanização tem raízes no humanismo que, por sua vez, objetivava conferir destaque à liberdade, à razão e aos direitos humanos, opondo-se às demasias do cristianismo e da Igreja católica. O humanismo emergiu no Renascimento e se consagrou no Iluminismo, retirando a religião do controle do conhecimento mediante o surgimento do método científico. Os pensadores críticos da Modernidade, entretanto, apontam que a radicalização da racionalidade levou ao antropocentrismo, ao absolutismo da ciência e da técnica e à depreciação da subjetividade e das emoções (MINAYO, 2006a).

Destarte, o humanismo do século XXI visa a restituir o equilíbrio entre a razão e o sentimento para que se possa humanizar e responsabilizar o fazer científico. No setor da saúde, esse novo humanismo introduziu discursos, ações e uma política nacional por intermédio do termo humanização, significando um movimento constitutivo do cuidado e da valorização da intersubjetividade nas relações dos diversos atores que compõem a rede de saúde, por assim dizer, gestores, profissionais e usuários (MINAYO, 2006a).

Consoante Bosi e Uchimura (2006), a ideia de humanização ainda foi vinculada, durante muito tempo, aos movimentos filantrópicos assistencialistas, religiosos ou paternalistas. Essa noção distancia-se dos modelos avaliativos de saúde, não obstante ainda detenha uma ética de busca da equidade e de superação das desigualdades sociais. Para as referidas autoras, a humanização se refere

ao plano das relações intersubjetivas que se processam nas práticas sociais, aqui referidas ao campo da saúde e, mais especificamente, ao plano dos programas no setor, tendo como seu fundamento a capacidade de simbolização e construção de sentidos em relação. (p. 99).

No campo da saúde mental, o termo humanização oferece dois sentidos que se complementam. O primeiro refere-se à humanização, como a eliminação da violência decorrente dos maus-tratos sofridos por pacientes internados em hospitais psiquiátricos

e manicômios. Este conceito anda paralelo à batalha pelos direitos humanos, à luta antimanicomial e às ideias iniciais da Reforma Psiquiátrica. O segundo sentido relaciona-se à capacidade de oferecer um atendimento de qualidade articulado com as tecnologias comunicacionais e relacionais.

Ayres (2006) reitera a ideia de que a humanização relaciona-se ao compromisso dos gestores e profissionais de utilizarem o conhecimento científico e as tecnologias de saúde em prol de valores pautados na felicidade humana e reconhecidos como bem comum de modo democrático. Trata-se de estabelecer diálogo entre o núcleo instrumental do cuidado em saúde com os conteúdos relacionais e éticos estabelecidos nos encontros entre os diferentes atores sociais.

Sobre humanização, Caprara, Lins e Franco (2006) entendem um tipo de interação do cuidador com o usuário em que haja uma comunicação mais aberta, a fim de favorecer melhor qualidade da assistência prestada. Complementando esse eixo de debate, Trad (2006) acrescenta ser necessário reconhecer as necessidades dos usuários através da tríade acolhimento, vínculo e autonomia, onde o encontro entre trabalhador de saúde e usuário deve focalizar o uso das tecnologias leves.

A humanização também se mostra como um conceito-sintoma presente em práticas assistenciais sob as seguintes formas (BENEVIDES; PASSOS, 2005a): segmentadas por áreas (saúde da mulher, saúde da criança, saúde do idoso); por níveis de atenção (assistência hospitalar); identificadas à função de determinadas profissões (assistente social, psicólogo); e orientadas por exigências de mercado que devem enfocar o cliente e garantir qualidade total nos serviços.

A humanização como proposta política procura retomar e ratificar os princípios do SUS, problematizando a relação entre Estado e política pública de saúde, bem como a fragmentação e a baixa horizontalidade dos projetos de humanização existentes (BENEVIDES; PASSOS, 2005b).

Em 2003, foi criada a Política Nacional de Humanização (PNH) da Atenção e Gestão do SUS. A PNH operacionaliza-se com a troca e o estabelecimento de saberes nas práticas assistenciais mediante o trabalho em rede das equipes multiprofissionais. Tal política também alvitra a identificação das necessidades, desejos e interesses dos diferentes sujeitos do campo da saúde, resgatando os fundamentos básicos do SUS por intermédio da construção de redes solidárias e interativas (BRASIL, 2010).

Com relação às diretrizes gerais da implantação da PNH, destacam-se: gestão participativa; grupos de trabalho de humanização; práticas resolutivas; racionalização e adequação no uso de medicamentos; clínica ampliada (diferentes práticas terapêuticas e corresponsabilidade nos processos de produção de saúde); sensibilização das equipes de saúde no acolhimento; adequação dos serviços à cultura local; participação dos trabalhadores em colegiados gestores nas unidades de saúde; implantação de sistema de comunicação e informação; incentivo e valorização do trabalho em equipe e da educação permanente (BRASIL, 2010).

Tais eixos e diretrizes buscam: reduzir as filas e o tempo de espera, melhorando a acessibilidade com um atendimento resolutivo e acolhedor; produzir responsabilização territorial e referência profissional; possibilitar informação aos usuários nas unidades básicas, garantindo os direitos do código dos usuários do SUS e o acompanhamento de pessoas de sua rede social; promover uma gestão participativa de trabalhadores e usuários nas unidades básicas; e agenciar educação permanente aos trabalhadores (BRASIL, 2010).

Dentro do cenário de saúde nacional, a humanização não se caracteriza unicamente como um programa, mas feita uma política transversal na rede SUS, implicando enfrentamento das dificuldades e desafios do sistema. Desse modo, a humanização exibe-se, também, como a valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde - usuários, trabalhadores e gestores - defendendo o estabelecimento de vínculos e o protagonismo dos sujeitos (BRASIL, 2010). Corroborando a ideia retromencionada, Benevides e Passos (2005b) se posicionam a respeito da discussão:

Apostamos no trabalho democrático pela via dos sujeitos e coletivos protagonistas e co-responsáveis por sua própria história. A democratização institucional exige um reposicionamento dos sujeitos na experiência concreta de produção da realidade. Tal reposicionamento coincide com aquele que desloca, no debate acerca da humanização, o privilégio de ações orientadas por uma noção idealizada do Homem para aqueles comprometidos com a

experiência singular de qualquer homem – um homem em processo contínuo

de humanização. Estamos, então, diante de um novo humanismo. [...] É na dimensão da experiência concreta que encontramos o ‘SUS que dá certo’ (p. 569).

Ante o entendimento suscitado sobre humanização, aplicamos esse termo na nossa pesquisa com a intenção de compreender o modo como se revelam nas práticas assistenciais dos CAPS os atributos de acolhimento, empatia (capacidade de colocar-se

no lugar do outro) e diálogo. Entendemos que as práticas avaliativas no campo da saúde mental devem enfatizar a humanização da assistência, assim como o resgate e a preservação da cidadania do portador de transtorno mental, com vistas a alcançar o ideário da Reforma Psiquiátrica.

3 DELINEAMENTO METODOLÓGICO