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O Regime Disciplinar Diferenciado foi criado em um cenário de forte tensão social e sempre foi alvo de críticas e questionamentos quanto à sua constitucionalidade.

Diante disso, para melhor compreensão do problema, necessário que se faça uma contextualização temporal pormenorizada das circunstâncias da sua criação e recente atualização.

Em 2001, em um contexto marcado por intensas rebeliões da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) emitiu a Resolução n. 26, instituindo pela primeira vez o Regime Disciplinar Diferenciado, com o objetivo de colocar fim à crise carcerária e social deflagrada por uma rebelião que abrangeu 29 (vinte e nove) unidades prisionais da capital, região metropolitana e interior, deixando um saldo de 17 (dezessete) mortos.

No período, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 5.073/2001, com o intuito de instituir o RDD em todo o território nacional (DUARTE, 2020, p. 81).

Em 2002, após uma crise carcerária deflagrada no Presídio de Segurança Máxima Bangu I, no Rio de Janeiro, por desentendimentos entre as facções criminosas rivais Amigos dos Amigos (ADA), Comando Vermelho (CV) e Terceiro Comando, além do homicídio de dois juízes corregedores da Vara de Execuções, fez prosperar o Projeto de Lei n. 5.073/01, que acabou avançando nos debates, em razão do amplo clamor popular.

Em 2003, o Projeto de Lei n. 5.073/01, após todo o tramite legislativo, transformou-se na Lei n. 10.792/2003, modificando a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984), instituindo o RDD como é conhecido o Regime Disciplinar Diferenciado, como uma sanção disciplinar de modalidade máxima.

Em 2004, o STJ, no julgamento do Habeas corpus n. 40.300/RJ, rejeitou a alegação de inconstitucionalidade do RDD, justificando-se pelo propósito da manutenção da ordem interna dos estabelecimentos prisionais.

Em 2006, ano profundamente marcado pela Semana Sangrenta, em decisão proferida pela Sexta Turma do STJ, no julgamento do Habeas corpus n. 44049/SP, em acórdão da lavra do Ministro Hélio Quaglia Barbosa, reconheceu-se novamente a legalidade do instituto, mas com a observação de limite temporal:

Em obséquio das exigências garantistas do direito penal, o reexame da necessidade do regime diferenciado deve ser periódico, a ser realizado em prazo não superior a 360 dias.

Em 2007, o Decreto n. 6.049/07 aprova o regulamento Penitenciário Federal, que regulamenta as normas de aplicação do RDD no Sistema Federal.

No ano de 2008, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n. 4.162/DF) no Supremo Tribunal Federal, relacionada à impugnação dos artigos 52, 53, inciso V, 54, 57 (parte referente ao artigo 53), 58 (parte sobre o regime diferenciado) e 60, caput e parágrafo único, da Lei de Execução Penal, alterados pela Lei n. 10.792/2003.

A ação, de relatoria da Ministra Rosa Weber, encontra-se pendente de decisão, estando sem movimentação desde 2017.

Em 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) decidiu pela admissibilidade da denúncia apresentada contra o Brasil, em 18 de março de 2005, pela chilena Cecilia Adriana Hernández Norambuena, em favor de seu irmão Mauricio Hernández Norambuena. No relatório n. 143/2011/CIDH do caso Norambuena x Brasil, restou reconhecida a violação aos artigos 5º, 8º e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), após ele ficar seis anos em isolamento. Segundo notícia veiculada pelo Jornal Estadão, em 2018, ele já havia cumprido 16 anos de isolamento (ESTADÃO, 2018), o que só cessou quando houve a extradição para seu País natal, Chile, em 2019.

Em junho de 2013, foi juntado aos autos da ADI n. 4.162/DF, parecer jurídico de Juan Méndez, Relator Especial das Nações Unidas sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, com manifestação em consonância com os argumentos utilizados pelos autores da ADI n. 4.162/DF.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, no julgamento da ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF n. 347/DF), a violação massiva de direitos fundamentais no sistema carcerário brasileiro, identificando a prática recorrente da tortura.

Em 2017, 119 presos perderam a vida na maior guerra de facções criminosas ocorrida dentro do sistema carcerário brasileiro.

Em dezembro de 2019, restou aprovada a Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como Pacote Anticrime.

Visando aperfeiçoar a legislação penal e processual penal, onde está inserido o instrumento jurídico aqui estudado, o Pacote Anticrime modificou a redação do artigo 52 da Lei de Execução Penal (LEP), nos termos mostrados no quadro 1:

Lei de Execução

Penal Lei nº 7.210/1984

Lei de Execução Penal Lei nº 7.210/1984 Após a Lei nº 10.792/2003

Lei de Execução Penal Lei nº 7.210/1984 Após a Lei nº 13.964/2019

(Pacote Anticrime)

Em relação ao tempo inicial _ Até 360 dias. Até 2 anos.

Em relação ao local _ Isolamento celular

durante 22h.

2h de banho de sol sozinho.

Isolamento celular durante 22h.

2h de banho de sol com até 4 detentos que não sejam da mesma facção.

Em relação Visitação _ 2 pessoas/semanal. 2 pessoas/quinzenal.

Em relação a Prorrogação _ Até 1/6 da pena. Sucessivamente por

períodos de 1 ano, podendo ser prorrogável enquanto o risco se manter.

Em relação a privacidade _ _ Entrevistas sempre

monitoradas e em parlatório, gravadas, com fiscalização do conteúdo da correspondência. Fonte: Elaboração dos autores, 2021.– Características do RDD.

A legislação nacional vem sendo constantemente modificada, buscando alcançar soluções que sejam capazes de enfrentar o problema da criminalidade. Entretanto, longe de corrigir a inconstitucionalidade, o Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019) aumentou o rigor do RDD, conforme demonstrado no quadro 1.

Estas modificações, além de não serem consideradas como um aperfeiçoamento, são duramente questionadas quanto à sua constitucionalidade. É necessário compreender o contexto temporal e político-social do referido instituto, sendo que os princípios constitucionais relacionados aos direitos e garantias fundamentais não podem ser objeto de negociação no Estado Democrático de Direito.

As modificações relacionadas ao instituto do RDD demonstram o recrudescimento do Direito Penal, seja por sua amplitude ou pelos efeitos decorrentes que pode provocar no sistema de aplicação da pena (CARVALHO, 2020).

O Regime Disciplinar Diferenciado é alvo de intensas discussões quanto à sua constitucionalidade e aplicabilidade desde sua criação no ordenamento jurídico brasileiro.

Com o advento do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), as modificações trazidas ao RDD não levam em conta a decisão do STJ no HC n. 44049/SP, o relatório n. 143/2011 CIDH, o posicionamento do STF no julgamento da ADPF n. 347/DF e os argumentos trazidos na ADI n. 4.162/DF, que aguarda julgamento no STF. Estes questionamentos tendem a se acirrar, uma vez que estas modificações significativas aproximam o referido instituto do Direito Penal do Inimigo, que é incompatível com nosso ordenamento.

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