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4.8 Da (in) constitucionalidade do RDD

4.8.4 O caso NORAMBUENA x BRASIL

Em 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) decidiu pela admissibilidade da denúncia a respeito dos artigos 5, 8 e 25 da Convenção Americana, em consonância com os artigos 1.1 e 2 do mesmo tratado, apresentada contra o Brasil, em 18 de março de 2005, pela chilena Cecilia Adriana Hernández Norambuena, em favor de seu irmão Mauricio Hernández Norambuena.

No relatório n° 143/2011/CIDH do caso Norambuena x Brasil, restou reconhecida a violação aos artigos 5º, 8º e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), após ele ficar seis anos em isolamento.

Segundo notícia veiculada pelo Jornal Estadão, em 2018, ele já havia cumprido 16 anos de isolamento (ESTADÃO, 2018), o que só cessou quando houve a extradição para seu País natal, Chile, em 2019. Isso demonstra que é possível prorrogar o isolamento por períodos extremamente altos, sem que nada possa ser feito.

Em relação à individualização da pena, o Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/19) introduziu na LEP novos (e mais severos) requisitos objetivos para a progressão de regime, conforme traz o artigo 112 da LEP, que após a entrada em vigência da referida lei passou a apresentar a seguinte redação:

Art, 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo Juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado;

§6° O cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de liberdade interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena, caso em que o reinício da contagem do requisito objetivo terá como base a pena remanescente.

Lima ( 2020, p. 392) esclarece que o Pacote Anticrime introduziu mudanças na Lei das Organizações Criminosas, para dispor que o condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo (Lei n. 12.850/13, art. 2°, §§8º e 9°, incluídos pela Lei n. 13.964, de 2019).

Destaca-se da lição de Bitencourt (2020, p.125):

O regime disciplinar diferenciado de cumprimento de pena, viola flagrantemente o princípio da legalidade penal, criando, disfarçadamente, uma sanção penal cruel e desumana sem tipo penal definido correspondente. O princípio de legalidade exige que a norma contenha a descrição hipotética do comportamento proibido e a determinação da correspondente sanção penal, com alguma precisão, como forma de impedir a imposição a alguém de uma punição arbitrária sem uma correspondente infração penal.

5 CONCLUSÃO

O século XXI vive atualmente seu maior desafio com a pandemia de dimensão global (Covid 19), que representou uma ruptura em tudo o que era concebido em termos de normalidade.

Neste cenário de intensa crise, que deve se agravar nos próximos anos, é de extrema importância debater os rumos da política criminal e buscar compreender a prisão, um dos principais recursos de controle social do mundo moderno.

Importante refletir que a violência é um problema social com importantes implicações na saúde e segurança pública, figurando como uma das principais razões para a morte de pessoas entre 15 e 44 anos, em todo o mundo. Suas causas estão profundamente enraizadas no tecido social, cultural e econômico da vida humana.

Em um mundo que clama por cidadãos conscientes e comprometidos, quem atua junto às camadas mais vulneráveis da população deve buscar pautar sua atuação profissional para promover a emancipação. Deve estar preparado e ser capaz de compreender, respeitar e valorizar as diferenças e agir com pensamento autônomo voltado antes de tudo, para a solução de conflitos.

Todas estas ponderações foram levantadas na Introdução, somadas à reflexão do surgimento de um instituto jurídico como o regime disciplinar diferenciado, questionando sua constitucionalidade e buscando identificar seu papel no ordenamento jurídico nacional, como resultado do recrudescimento do Direito Penal. No primeiro capítulo foram apresentados aspectos históricos da pena privativa de liberdade, sua conceituação e finalidade, além de elencar os princípios constitucionais que contemplam a execução da pena.

No segundo capítulo foram conceituados o Abolicionismo Penal, o Punitivismo (onde se insere o Direito Penal do Inimigo), o Direito Penal Mínimo, o Direito Penal do Autor e o Direito Penal do Fato, com o objetivo de reunir subsídios suficientes para compreender onde se enquadra o RDD.

O terceiro capítulo apresentou um estudo detalhado sobre a natureza jurídica do RDD, relacionando-os com conceitos de Direito Penal do Autor e Direito Penal do Inimigo, além de princípios constitucionais e Tratados Internacionais de Direitos Humanos.

Chegando nas considerações finais onde buscaremos responder o questionamento formulado na pergunta de pesquisa deste trabalho: O Regime Disciplinar Diferenciado é constitucional?

O RDD tem como característica principal o isolamento celular do preso, provisório ou definitivo, nacional ou estrangeiro. O isolamento tem como objetivo a incomunicabilidade do réu, restringindo ao máximo sua comunicação com o mundo e com outras pessoas, em celas individuais, com horários e número de visita reduzido e sem contato com meios de comunicação como rádio, jornal ou televisão, o que contraria não apenas os princípios constitucionais nacionais, mas também a regra n° 37 das Regras mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Mandela) (ONU, 2015).

A hipótese formulada no início deste trabalho de que o Regime Disciplinar Diferenciado é inconstitucional em sua essência se mostrou verdadeira, pois afronta a dignidade humana (CF, art. 1º), afronta também o artigo 5°, incisos III, da Constituição Federal/88, que determina que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”; e ainda o inciso XLVII, alínea ‘e’ – “não haverá penas cruéis”; e XLIX – onde “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” e ainda, LV – “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, além da regra n° 37 das Regras mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Mandela), bem como violam o disposto no artigo 5°, 8º e 25, em consonância com os artigos 1.1 e 2 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).

O tema do recrudescimento do Direito Penal é objeto de inúmeras obras e trabalhos científicos, muitos trazidos como referência nesta pesquisa, indicando que existe um vasto campo de pesquisa. Prova de que o tema é relevante, espelha-se na quantidade de livros e artigos sobre o tema.

É preciso refletir, portanto, sobre nossas profundas desigualdades, lutar pela inclusão social, aprofundar a cidadania e assegurar os direitos garantidos pela Constituição de 1988, em muito, inspirados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. E, principalmente, nos perguntarmos sobre a quem interessa desmerecer, diminuir, minimizar os Direitos Humanos.

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