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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA TATIANA CRISTINA ANZOLIN PINTO MICHELS

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA TATIANA CRISTINA ANZOLIN PINTO MICHELS

(IN) CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

Tubarão 2021

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TATIANA CRISTINA ANZOLIN PINTO MICHELS

(IN) CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade

Orientador: Prof. Alex Sandro Sommariva, Esp.

Tubarão 2021

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos funcionários da UNISUL pela prestimosidade no atendimento e pelo apoio dispensado a todos durante as aulas.

Agradeço a todos os (muitos) professores que me acompanharam nesta trajetória.

Agradeço especialmente às minhas amigas queridas e que tanto me apoiam, Cíntia, Nele, Ana, Helena, Márcia, Mah, Clarice, Dy, Paty e Nely, juntas somos mais fortes e felizes. Vale um parêntese extra de agradecimento para Hagata Pires, pela inspiração da epígrafe que abre este trabalho.

Agradeço amorosamente aos meus pais e meu irmão, cunhada e Ceci, que sempre estão presentes (mesmo em tempos pandêmicos) com seu amor, apoio e paciência.

Agradeço ao meu orientador pela inestimável contribuição, disponibilidade, orientação valiosa e pelo grande aprendizado.

E principalmente agradeço a meu marido Vilto e meu filho Artur, meus melhores companheiros, que pacientemente enfrentam todos os desafios comigo, amo vocês!

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“Perguntei a um homem o que era o Direito.

Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o”.

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RESUMO

O presente trabalho monográfico tem como objetivo analisar a constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), uma sanção disciplinar administrativa de modalidade máxima, que foi incluída na Lei nº 7.210/1984 - Lei de Execução Penal (LEP) em 2003, através da Lei nº 10.792/2003 e que recentemente sofreu significativo endurecimento com a promulgação e entrada em vigência da Lei popularmente conhecida como Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019). O instituto jurídico aqui estudado é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n. 4.162/DF) proposta pelo Conselho Federal da OAB em 2008, já sob a ótica da proibição de penas cruéis, desumanas e degradantes e da obrigatoriedade de respeito à integridade física e moral dos presos. Atualmente a ADI n. 4.162/DF encontra-se pendente de julgamento, sob relatoria da Ministra Rosa Weber. A natureza da pesquisa quanto ao nível é exploratória. Quanto à abordagem a pesquisa é qualitativa. O procedimento utilizado para a coleta de dados foi bibliográfico e documental. Tem como objetivo geral, analisar a constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado, tomando como base os princípios constitucionais, a política criminal nacional, o direito penal do autor e o direito penal do inimigo. E como objetivos específicos, identificar e estudar as bases históricas e os princípios constitucionais relativos à execução penal. Analisar o recrudescimento da execução penal e da política criminal nacional pela ótica do Direito Penal do Inimigo e confrontar os princípios que permeiam o instituto do Regime Disciplinar Diferenciado com base em fundamentos constitucionais, legislativos e doutrinários relacionados ao direito penal do autor e do inimigo.

Palavras-chave: Execução Penal. Regime Disciplinar Diferenciado. Direito Penal do Inimigo.

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ABSTRACT

The present monographic work aims to analyze the constitutionality of The Differentiated Disciplinary Regime (RDD), an administrative disciplinary sanction of maximum modality, which was included in Law No. 7,210/1984, Criminal Enforcement Law (LEP) in 2003, through Law No. 10,792/2003 and which recently suffered significant hardening with the enactment and entry into force of the Popular Law known as The Anti-Crime Package, Law No. 13,964/2019.The legal institute studied here is the object of direct action of unconstitutionality (ADI 4.162/DF) proposed by the Federal Council of the OAB in 2008, already under the perspective of the prohibition of cruel, inhuman and degrading penalties and the obligation to respect the physical and moral integrity of prisoners. Currently the ADI 4.162 /DF is pending trial, under the rapporteurship of Minister Rosa Weber. The nature of the level research is exploratory. As for the approach, the research is qualitative. The procedure used for data collection was bibliographic and documentary. Its general objective is to analyze the constitutionality of the Differentiated Disciplinary Regime, based on constitutional principles, national criminal policy, criminal law of the author and the criminal law of the enemy. And as specific objectives, identify and study the historical bases and constitutional principles related to criminal execution. To analyze the resurgence of criminal execution and national criminal policy from the perspective of the Criminal Law of the Enemy and confront the principles that permeate the institute of the Differentiated Disciplinary Regime based on constitutional, legislative and doctrinal foundations related to the criminal law of the author and the enemy.

Keywords: Penal execution. Differentiated Disciplinary Regime. Criminal Law of the Enemy.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E SUA FINALIDADE ... 13

2.1 Evolução histórica das penas ... 13

2.2 Das penas corporais ... 15

2.3 Da pena privativa de liberdade ... 15

2.4 Finalidades da pena de prisão ... 16

2.4.1 A pena de prisão no Brasil ... 16

2.4.1.1 Processo de execução criminal ... 18

2.4.1.2 Penas proibidas no Brasil ... 18

2.5 Princípios constitucionais relativos à execução penal ... 18

2.5.1 Dignidade humana ... 20

2.5.2 Legalidade ... 20

2.5.3 Humanidade das penas ... 21

2.5.4 Isonomia ... 22

2.5.5 Individualização e proporcionalidade ... 23

3 DA POLÍTICA CRIMINAL DO DIREITO PENAL DO INIMIGO ... 24

3.1 Dos movimentos de política criminal ... 24

3.1.1 Abolicionismo penal ... 25

3.1.2 O punitivismo ... 25

3.1.2.1 Movimento de lei e ordem... 26

3.1.2.2 Movimento de tolerância zero ... 27

3.1.2.3 Direito penal do inimigo ... 27

3.1.3 Minimalismo penal ou direito penal mínimo ... 29

3.1.3.1 O modelo garantista ... 29

3.1.4 Direito penal do fato e direito penal do autor ... 31

4 DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL E A CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO ... 32

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4.2 Aspectos destacados do RDD ... 33

4.3 Sistemática do RDD ... 36

4.3.1 Quanto à natureza jurídica ... 37

4.3.2 Quanto às hipóteses de cabimento ... 38

4.3.3 Quanto à instauração do incidente na execução ... 39

4.3.4 Quanto à duração e prorrogação ... 40

4.3.5 Quanto à forma de isolamento celular... 41

4.3.6 Quanto às visitas ... 41

4.3.7 Quanto à competência ... 42

4.3.8 Quanto ao local de cumprimento ... 42

4.3.9 Quanto ao trabalho... 43

4.3.10 Direito de defesa ... 43

4.3.11 Súmula 526 do STJ - RDD punitivo ... 44

4.3.12 Quanto à privacidade ... 44

4.4 Da legalidade do RDD. Conceitos abertos ... 44

4.4.1 Alto risco – Artigo 52, §1º, I ... 45

4.4.2 Fundadas suspeitas - Artigo 52, §1º , II ... 46

4.4.3 Indícios - Artigo 52, §3º ... 46

4.5 Reflexos na ressocialização do preso ... 47

4.6 RDD e o direito penal do inimigo ... 48

4.7 RDD e o direito penal do autor ... 48

4.8 Da (in) constitucionalidade do RDD ... 49

4.8.1 A ADI nº 4.162/DF ... 50

4.8.2 Da proibição de penas cruéis, desumanas e degradantes ... 51

4.8.3 Do direito penal do autor e o direito penal do inimigo ... 52

4.8.4 O caso NORAMBUENA x BRASIL ... 52

5 CONCLUSÃO ... 54

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1 INTRODUÇÃO

O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), ponto central deste trabalho, é uma sanção disciplinar administrativa de modalidade máxima, que foi incluída na Lei nº 7.210/1984 - Lei de Execução Penal (LEP) em 2003, através da Lei nº 10.792/2003 e que recentemente sofreu significativo endurecimento com a promulgação e entrada em vigência da Lei popularmente conhecida como Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019).

O questionamento da constitucionalidade do RDD, no entanto, não surgiu agora. O tema figura como objeto da ADI n. 4.162/DF, que está pendente de julgamento sob relatoria da Ministra Rosa Weber, proposta em 2008, já sob a ótica da proibição de penas cruéis, desumanas e degradantes e da obrigatoriedade de respeito à integridade física e moral dos presos. Além disso, levou o Brasil à Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Norambuena x Brasil em 2011 e figura como retrocesso na cartilha “Primeiras impressões sobre a Lei 13.964/2019: pacote "anticrime": a visão da Defensoria Pública” da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, lançada em 2020, questionando as modificações trazidas pelo Pacote Anticrime, além de aparecer em inúmeras obras jurídicas e trabalhos científicos.

O combate à criminalidade tem sido um dos maiores desafios do mundo. O Brasil apresentou, segundo relatório do Infopen (INFOPEN, 2019), acréscimo de 707% em sua população carcerária, em um período de 24 (vinte e quatro) anos. Em um mundo marcado por profundas transformações políticas, sociais e econômicas, o Brasil ocupa o posto de terceiro país mais violento da América do Sul (UNODOC, 2019).

O encarceramento (seletivo) vem sendo utilizado como um dos principais recursos de controle social, à medida que aumentaram os problemas de segurança pública nas últimas décadas.

Segundo SALLA, GAUTO e ALVAREZ (2006):

Esse crescimento da população encarcerada trouxe consigo alterações na própria ideologia até então predominante de reabilitação dos criminosos. Uma política severa de controle dos presos passa a preponderar e se concretiza no aparecimento das unidades especiais de encarceramento – special units,

supermax –, nos dispositivos cada vez mais sofisticados e hard de

organização e funcionamento da prisão.

Neste cenário, relevante o estudo e a investigação do problema. Não pode o operador do direito se omitir quanto à reflexão sobre esta realidade que se apresenta.

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O Regime Disciplinar Diferenciado, criado em um cenário complexo de tensão social e desrespeito aos direitos humanos, acaba sendo apresentado como uma panaceia capaz de demonstrar para a população que o poder público trata os criminosos da maneira que eles merecem, com penas cada vez mais duras (CARVALHO; BARBOSA SILVA, 2019).

Em reportagem da rede inglesa BBC, veiculada em maio de 2019, o subprocurador militar, autor do parecer que defende a soltura dos nove militares que fuzilaram um carro, matando um músico e um catador no Rio de Janeiro, acaba por afirmar: “a situação é de guerra e atingir civis é inevitável', defendendo ainda que se aplique no País, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, o Direto Penal do Inimigo (BBC, 2019).

Nos termos do artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal de 1988, tem-se como um dos principais fundamentos a dignidade da pessoa humana. Isso significa que toda e qualquer legislação infraconstitucional nacional deverá respeitar este e outros princípios presentes na Constituição Federal, sob o risco de serem declarados inconstitucionais.

Nos mesmos termos é estabelecido no artigo 5°, incisos III, da Constituição Federal/88, como direito e garantia fundamental que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”; e XLVII, alínea ‘e’ – que “não haverá penas cruéis”; e XLIX – que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, e ainda , LV – “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL,1988).

Formulou-se neste trabalho o seguinte problema: O Regime Disciplinar Diferenciado é constitucional?

Formulando, assim, a hipótese de que o Regime Disciplinar Diferenciado é inconstitucional em sua essência, pois afrontaria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana , da vedação de penais cruéis, do tratamento desumano e degradante; o respeito à integridade física e moral” e ainda a regra n° 37 das Regras mínimas das Nações Unidas para o tratamento de reclusos (Regras de Mandela), bem como violam o disposto no artigo 5°, 8º e 25 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).

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Este estudo contribui para o debate sobre direitos fundamentais na sociedade e no sistema prisional brasileiro, além de aprofundar as discussões relativas aos movimentos políticos criminais em curso na atualidade e suas possíveis implicações. Tem como objetivo geral, analisar a constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado, tomando como base os princípios constitucionais, a política criminal nacional, o direito penal do autor e o direito penal do inimigo.

E tem como objetivos específicos, identificar e estudar as bases históricas e os princípios constitucionais relativos à execução penal. Analisar o recrudescimento da execução penal e da política criminal nacional pela ótica do direito penal do inimigo e confrontar os princípios que permeiam o instituto do Regime Disciplinar Diferenciado com base em fundamentos constitucionais, legislativos e doutrinários relacionados ao direito penal do autor e do inimigo.

Quanto ao delineamento metodológico da pesquisa, a natureza desta, quanto ao nível, é exploratória, pois permite identificar as variáveis presentes no problema a ser investigado.

O delineamento da pesquisa, segundo Gil (1995, p. 70), “refere-se ao planejamento da mesma em sua dimensão mais ampla”, ou seja, neste momento, o investigador estabelece os meios técnicos da investigação, prevendo-se os instrumentos e os procedimentos necessários utilizados para a coleta de dados.

Quanto ao procedimento utilizado para a coleta de dados, foi bibliográfico e documental. Bibliográfico, pois foram utilizadas fontes secundárias como livros, periódicos e artigos científicos. E documental, pois foram utilizadas como fontes primárias as Leis, que são documentos, além da Constituição Federal de 1988 e a ADI nº 4.162/DF.

Esta monografia está estruturada da seguinte forma: a presente introdução, onde foram tratadas de questões introdutórias ao trabalho, apresentando o tema, descrevendo a situação problema e sua justificativa, além de serem apresentados os objetivos (geral e específicos), o delineamento metodológico e esta seção com a estruturação dos capítulos.

O primeiro capítulo abordará os aspectos históricos da pena privativa de liberdade, sua conceituação e finalidade, além da análise de alguns pontos relacionados aos princípios constitucionais que contemplam a execução da pena, com o objetivo de analisar, no próximo capítulo, sua relação com a política criminal atual.

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O segundo capítulo abordará os conceitos das três grandes correntes de política criminal existentes na atualidade, relacionando-as com o nosso ordenamento jurídico, questão imprescindível para verificar os rumos que o punitivismo estatal toma em um período marcado por grave crise.

O terceiro e último capítulo, com base no estudo desenvolvido nos capítulos anteriores, tratará do RDD e de sua (in) constitucionalidade.

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2 DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E SUA FINALIDADE

Neste capítulo serão apresentados aspectos históricos da pena privativa de liberdade, sua conceituação e finalidade, além da análise de alguns pontos relacionados aos princípios constitucionais que contemplam a execução da pena, com o objetivo de analisar, no próximo capítulo, sua relação com a política criminal atual.

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PENAS

O direito penal, segundo as palavras de Nelson Hungria “[...] sempre se pautou pelo critério da retribuição ao mal concreto do crime com o mal concreto da pena” (apud Nucci, 2020, p. 519).

Conforme Abbagnano (2007, p. 749): “O conceito de pena varia conforme as justificações que lhe foram dadas, e tais justificações variam segundo o objetivo que se tenha em mente: l - ordem da justiça; 2 - salvação do réu; 3 - defesa dos cidadãos”. O estudo da origem da pena como a conhecemos e aplicamos na atualidade é algo complexo e de acordo com Bitencourt (2017, p. 27): Estado, pena e culpabilidade formam conceitos dinâmicos inter-relacionados, sendo difícil estabelecer indicadores e compreender sua evolução sem confrontá-los com as tendências expiatórias e moralizantes da punição em cada época, sendo, assim, impossível traçar uma cronologia linear. Nas palavras de Vera Batista (2015, p. 17): “A nossa história não é linear, nem evolutiva; ela é feita de rupturas e permanências”.

Bitencourt (2017, p. 27) cita alguns autores como Garrido Guzman, Elias Neumanne Cuello Calón, como exemplos de teóricos que dividem o estudo do surgimento da prisão enquanto pena aplicada aos criminosos, utilizando marcadores variáveis, sejam eles os tradicionais da história universal (Idade Antiga, Média e Moderna), acrescentando ao final os reformadores (Beccaria, Howard e Bentham), ou buscando empregar termos capazes de indicar estas rupturas, como: “período anterior à pena privativa de liberdade”, “período de exploração”, “período corretivo e moralizador”, “período de readaptação social ou ressocialização” e até mesmo, segundo Calón, conceitos muito abertos como “desde Roma até o século XVI”, e “primeiras prisões criadas com finalidade corretiva (Inglaterra e Holanda)”,

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simplesmente “o Século XVII” e ainda “os precursores do moderno penitenciarismo (Século XVIII)”. Para Rusche e Kirchheimer (2004, p. 8): “O caráter das penas, portanto, está intimamente associado aos, e dependente dos valores culturais do Estado que as emprega”.

Os estudos sobre a sociologia da punição, abertos por Émile Durkheim, foram seguidos por muitos outros pesquisadores como Georg Rusche, Otto Kirchheimer, Michael Foucault e David Garland, entre outros. Além disso, verifica-se, no seu estudo, um entrecruzamento das diferentes ciências sociais, com os estudos sobre a execução penal sendo muito realizados dentro da antropologia, da ciência política e da sociologia, esta última como um dos campos principais sobre estudos prisionais (LOURENÇO, 2018).

Desta forma, coexistem diversas teorias que buscam explicar o sentido, a função e a finalidade das penas, que serão importantes para a compreensão da pena privativa de liberdade na atualidade: a teoria absoluta ou retributiva da pena, a teoria relativa ou preventiva da pena, com suas respectivas divisões, de prevenção geral ou prevenção especial e a teoria mista ou unificadora da pena, também chamada eclética.

2.1.1 Teoria absoluta ou retributiva da pena

Nas primeiras fases de seu desenvolvimento, a pena assumiu, no Estado absolutista, o caráter simplesmente retributivo. O criminoso, ao praticar um mal, deveria receber um mal análogo. A pena de prisão tinha como finalidade o castigo do autor de um crime (Bitencourt, 2020, p. 311).

2.1.2 Teoria relativa (de prevenção geral ou prevenção especial)

Aqui a pena deixa de ser um castigo e surge com uma finalidade preventiva, sendo chamada de preventiva geral negativa quando busca impedir a prática de crimes pelos componentes da sociedade em geral e preventiva especial negativa quando aplicada ao transgressor, para que ele, especificamente, não mais cometa crimes.

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Nas teorias relativas a pena deixa de ser um fim em si mesma e se impõe para que o indivíduo não volte a delinquir. Sua justificação passa a ser concebida como meio para o alcance de fins futuros pela sua necessidade: a prevenção de delitos. As teorias relativas também são conhecidas como teorias utilitaristas ou como teorias preventivas (Bitencourt, 2020, p. 329).

2.1.3 Teoria unificadora ou mista

Neste caso, as teorias mistas ou unificadoras buscam agrupar os fins da pena em um conceito único, buscando combinar os melhores aspectos das teorias absolutas e relativas.

Aqui se entende que a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial são aspectos distintos do fenômeno complexo que é a pena, definido como pluralidade funcional da pena (Bitencourt, 2020, p. 356).

2.2 DAS PENAS CORPORAIS

Os suplícios já foram vistos como prática judicial aceitável para o descobrimento da verdade. No entanto, a prática caiu em desuso com a evolução da sociedade e consolidação dos direitos humanos de primeira geração.

Até o fim do século XVIII, a prisão servia somente como um espaço de custódia, de contenção, onde os réus esperavam serem julgados. Durante este período as penas utilizadas eram a pena de morte, as penas corporais (mutilações e açoites) e as penas infamantes (Bitencourt, 2020, p. 1.281).

Segundo Brito (2020, p. 27): “A pena de prisão pode ser considerada um progresso, por substituir as penas de morte ou corporais como os flagelos e as galés”.

2.3 DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

A sociedade é complexa e depende de sistemas para garantir seu bom funcionamento. Ordem pública, fluxo de tráfego, gestão do bem-estar social e sistemas de defesa, seja qual for o sistema analisado, percebe-se que nossas vidas

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são construídas em cima de regras de segurança, organizando, planejando e estruturando cada aspecto do mundo.

Segundo Bauman (2014, I): “No final, a escolha é entre segurança e liberdade: você precisa de ambas, mas não pode ter uma sem sacrificar pelo menos parte da outra; e quanto mais tiver de uma, menos terá da outra”.

Nesta sociedade complexa, a pena privativa de liberdade não tem uma longa história, pois somente depois da metade do século XVIII é que passou a ser utilizada pelo Estado para proteger de eventuais lesões, determinados bens jurídicos que escolhe tutelar pois nomeia importantes, assim considerados em uma organização socioeconômica e temporal específica (Bitencourt, 2020, p. 1.703).

Por prisão, portanto, compreende-se nas palavras de Lima (2017, p. 863):

Prisão deve ser compreendida como a privação da liberdade de locomoção, com o recolhimento da pessoa humana ao cárcere, seja em virtude de flagrante delito, ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, seja em face de transgressão militar ou por força de crime propriamente militar; definidos em lei.

2.4 FINALIDADES DA PENA DE PRISÃO

A pena privativa de liberdade é um dos pontos mais conturbados do direito penal. Investigar sua finalidade é buscar compreender, em última instância, como o Estado desempenha seu dever/poder punitivo (CUNHA, 2019, p. 459).

Embora escritores do direito penal, criminologistas e outros estudiosos ainda não tenham chegado a um consenso absoluto sobre a finalidade do recolhimento da pessoa ao cárcere, a legislação brasileira estipula que a punição possui três funções: retributiva pelo mal causado na prática do crime, preventiva, pelo seu poder de intimidação e pela sua possibilidade de ressocialização, que poderia ser alcançada através do trabalho e do estudo (IDDD, 2014).

Segundo Federici (2004, p. 236), o principal trabalho sobre o surgimento das casas de trabalho e de correção é “The Prison and the Factory: Origins of the Penitentiary System” (1981), cuja tradução é “A prisão e a fábrica: as origens do sistema penitenciário”, de Dario Melossi e Massimo Pavarini, onde os autores demonstram que a principal finalidade do encarceramento era anular o senso de identidade e vínculo entre os pobres.

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2.4.1 A pena de prisão no Brasil

No Brasil, a pena de prisão é a sanção mais drástica imposta pelo Estado e suas hipóteses de cabimento encontram-se dispostas no inciso LXI do artigo 5°, da Constituição Federal, que trata dos limites constitucionais à prisão:

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. (BRASIL, 1988)

Quanto às espécies de penas admitidas no nosso ordenamento, o Código Penal, nos termos do artigo 32, prevê três tipos, sendo elas: as penas privativas de liberdade, as restritivas de direitos e a de multa (BRASIL, 1940), sendo que a pena de prisão pode ser de reclusão ou de detenção, sendo tal critério estabelecido pelo próprio legislador quando da cominação da pena. É o que se chama de prisão penal decorrente de sentença condenatória com trânsito em julgado.

Quanto aos regimes prisionais existentes no País, eles mudam conforme o estabelecimento penal e de acordo com as regras indicadas na execução da sentença, sendo eles: regime fechado, semiaberto e aberto. As regras correspondentes a cada um dos regimes encontram-se dispostas no artigo 33 do Código Penal e no artigo 110 da LEP.

Segundo Brito (2020, p. 189), a pena privativa de liberdade possui esta variedade de institutos e regimes com o objetivo de individualizar ao máximo a pena a ser cumprida, conforme as particularidades de cada encarcerado.

O Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/19), alterando o caput e o § 1º, do artigo 75, do Código Penal, alterou o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade, a ampliando o tempo máximo de cumprimento de pena, que agora não pode ser superior a 40 (quarenta) anos. No entanto, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) já deu aval ao Projeto de Lei n. 3.492/19, que busca aumentar de 40 para 50 anos o tempo máximo de prisão previsto no Código Penal (Agência Câmara de Notícias, 2020).

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2.4.1.1 Processo de execução criminal

Trata-se de processo jurisdicionalizado para fiscalização e cumprimento da pena ou da medida de segurança aplicada no processo de conhecimento. Como todo processo judicial, deve obedecer às garantias constitucionais, ou seja, não se permite qualquer alteração do cumprimento de pena sem um devido processo legal.

Segundo Bitencourt (2015, p. 27), a execução é o aspecto principal da pena de prisão, pois é neste momento que se inicia o cumprimento da pena institucional, com a infraestrutura que o Estado oferece e com a dotação orçamentaria disponível.

2.4.1.2 Penas proibidas no Brasil

O artigo 5 º, XLVII, traz as penas proibidas no Brasil (BRASIL, 1988):

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados; d) de banimento;

e) cruéis.

2.5 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELATIVOS À EXECUÇÃO PENAL

Como nos demais ramos do Direito, existem princípios que norteiam a execução penal. O Estado-juiz deverá sempre observar os princípios expressos na Constituição Federal e em tratados internacionais relativos aos direitos humanos que o Brasil seja signatário (CUNHA, p. 461).

Os direitos fundamentais situam-se hoje como centro de um embate controvertido: entre sentidos que os consideram essenciais para a vida em comum, portanto, parte importante e legítima das discussões que envolvam política criminal, e sentidos que os compreendem como a causa de problemas endêmicos de nossa sociedade, como violência, segurança pública etc., podendo, desta forma, ser objeto de negociação. Estes últimos precisam ser problematizados e significados nas atuais condições de política criminal, questionando-se sobre suas possíveis causas e sempre colocando em perspectiva que os sentidos, conforme Orlandi (2017, p. 321),

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não surgem nos sujeitos, mas se realizam neles e neles se inscreve a memória de seus percursos: “isto é historicidade [...]. Se há o estabilizado, também há o que se rompe” e os sentidos deslizam. Nas palavras de Batista (2015, p. 17):

[...] que dispositivos foram necessários para inculcar tão profundamente um corpo teórico que é contra nós mesmos? [...]. A nossa perspectiva é oswaldianamente antropofágica: como recebemos e digerimos as teorias do centro hegemónico. É dilema da reconstrução das criminologias críticas, suas traduções traidoras, seus objetos transplantados, suas metodologias reinventadas. De que maneira a criminologia faz parte da grande incorporação colonial no processo civilizatório? Quantas rupturas criminológicas serão necessárias para reconstruir nosso objeto, nossa metodologia, a nosso favor?

O País é signatário dos seguintes tratados internacionais que tem como objetivo a proteção aos direitos humanos na esfera do direito penal e execução das penas:

• Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes;

• Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989;

• Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; • Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; • Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de

janeiro de 1992;

• Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; • Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra

a Mulher, em 27 de novembro de 1995.

Segundo Piovesan (1986, p.99):

A título de exemplo, merece referência o disposto no artigo 5º, inciso III, da Constituição de 1988 que, ao prever que "ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento cruel, desumano ou degradante", é reprodução literal do artigo V da Declaração Universal de 1948, do artigo 7º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e ainda do artigo 5º (2) da Convenção Americana. Por sua vez, o princípio da inocência presumida, ineditamente previsto pela Constituição de 1988 em seu artigo 5º, LVII, também é resultado de inspiração no Direito Internacional dos Direitos Humanos, nos termos do artigo XI da Declaração Universal, artigo 14 (3) do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e artigo 8 (2) da Convenção Americana. Estes são apenas alguns exemplos que buscam comprovar o quanto o Direito interno brasileiro tem como inspiração, paradigma e referência, no Direito Internacional dos Direitos Humanos.

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2.5.1 Dignidade humana

Princípio constitucional expresso no artigo 1º, III, da Constituição Federal, diz respeito à garantia fundamental de proteção ao ser humano em sua totalidade.

Encontra-se disposto no artigo 5º da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), popularmente conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, tratado internacional realizado entre os Países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1969, tendo entrado em vigor em 18 de julho de 1978. No Brasil, referido tratado passou a ser aplicado em 25 de setembro de 1992, ocasião em que foi depositada a carta de adesão, originando o Decreto n. 678 (BRASIL, 1992):

Artigo 5º.

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

Segundo Pardal (2012, p. 312), este princípio tem como objetivo oferecer uma blindagem ao direito penal, fundamentando sua aplicação na tutela dos direitos dos cidadãos e na sua dignidade em primeira instância, uma vez que embasamentos abertos como segurança da sociedade ou valores da família poderiam vir a atender fins não democráticos e mostrar-se arbitrários, colocando em risco, assim, o Estado Democrático de Direito. Segundo Cunha (2019, p. 463), este comando “guia o Estado na criação, aplicação e execução das leis penais”.

Especificamente sobre a execução penal está previsto no artigo 5º, incisos III e XLIX, da Constituição Federal, que asseguram aos presos o respeito à integridade física e moral e que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (BRASIL, 1988).

2.5.2 Legalidade

O poder punitivo estatal deve ser limitado a fim de suprimir abusos e arbitrariedades, e isto encontra-se contemplado por este princípio, nos termos do artigo 5º, XXXIX e artigo 1º do Código Penal, segundo o qual não há crime sem lei anterior que o defina. Nas palavras de Bitencourt (2020, p. 119):

Representam a garantia política de que nenhuma pessoa poderá ser submetida ao poder punitivo estatal, se não com base em leis formais que

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sejam fruto do consenso democrático.[...]Em termos bem esquemáticos, pode-se dizer que, pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente.

Especificamente voltado para a execução penal e para o tema deste trabalho, temos o princípio da legalidade, disposto no artigo 3º, caput, e artigos 45 a 48 da Lei de Execuções Penais (BRASIL, 1984):

Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Art. 45. Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar.

§ 1º As sanções não poderão colocar em perigo a integridade física e moral do condenado.

§ 2º É vedado o emprego de cela escura. § 3º São vedadas as sanções coletivas.

Art. 46. O condenado ou denunciado, no início da execução da pena ou da prisão, será cientificado das normas disciplinares.

Art. 47. O poder disciplinar, na execução da pena privativa de liberdade, será exercido pela autoridade administrativa conforme as disposições regulamentares.

Art. 48. Na execução das penas restritivas de direitos, o poder disciplinar será exercido pela autoridade administrativa a que estiver sujeito o condenado. Parágrafo único. Nas faltas graves, a autoridade representará ao Juiz da execução para os fins dos artigos 118, inciso I, 125, 127, 181, §§ 1º, letra d, e 2º desta Lei.

2.5.3 Humanidade das penas

É o princípio constitucional que estabelece a vedação de penas cruéis no País, estabelecendo que as penas devem ser cumpridas com o respeito à dignidade humana, estando disposto no artigo 5º, XLVII da Constituição Federal. E no artigo 5º, §2º, do Pacto de San José da Costa Rica (BRASIL, 1992):

Artigo 5º.

§2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

Neste sentido, o artigo 41 da Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984) prevê os direitos que asseguram o tratamento digno e humano ao infrator:

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Art. 41 - Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

2.5.4 Isonomia

O princípio da isonomia determina que não deve haver distinção de cunho racial, social ou político entre os presos. Esta interpretação deve ser compreendida em conjunto com o princípio da proporcionalidade, assegurando o tratamento igual àqueles em semelhante situação e desigual aos juridicamente desiguais. Tal princípio determina que os atos praticados dentro do ramo da execução penal sofram intervenção da autoridade judiciária. O prisma administrativo é mínimo, prevalecendo a intervenção do juiz. A este competem inúmeras atribuições, conforme rol descrito no art. 66 da Lei de Execuções Penais.

2.5.5 Individualização e proporcionalidade

O princípio da individualização está previsto no artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal, que assegura que a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, privação ou restrição da liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos. Em seguida, no inciso XLVIII, determina que a pena deve ser cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.

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Deste princípio se origina o princípio da proporcionalidade, princípio constitucional implícito que garante que as penas cominadas não sejam igualadas entre dois infratores, mesmo que estes tenham praticado crimes idênticos. Isto ocorre pois independente de terem praticado a mesma conduta, cada indivíduo deverá receber a punição de acordo com seu histórico pessoal e particularidades, devendo ser estabelecida a devida correspondência entre a classificação do infrator e a forma de aplicação da pena a ele cominada.

Considera Bitencourt (2020, p. 113) que o Estado não pode, “ — a não ser que se trate de um Estado totalitário — invadir a esfera dos direitos individuais do cidadão, ainda e quando haja praticado algum delito”.

Beccaria (2002, p. 10) fundamentou, em sua obra Dos Delitos e das Penas, escrito em 1764, que a pena não passa de uma forma de reforçar e garantir a ação das leis, de maneira que se ultrapassar esta necessidade seriam então injustas por natureza.

Desta forma, no próximo capítulo se pretende estudar a relação da pena privativa de liberdade com aspectos da política criminal atual.

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3 DA POLÍTICA CRIMINAL DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

Esta análise é imprescindível para compreender o que é o direito penal do inimigo, buscando obter subsídios suficientes para estudá-lo frente aos princípios constitucionais relacionados à execução penal abordados no capítulo anterior.

Com o objetivo de examinar, no capítulo seguinte, se o regime disciplinar diferenciado pode ser declarado inconstitucional, neste capítulo, serão abordados os conceitos de três correntes de política criminal: o abolicionismo penal, o punitivismo (onde se insere o direito penal do inimigo) e o direito penal mínimo. Serão também apresentados conceitos do direito penal do fato e direito penal do autor.

3.1 DOS MOVIMENTOS DE POLÍTICA CRIMINAL

Política criminal, de acordo Nucci (2020, p. 75), corresponde ao conjunto de técnicas ou métodos de observação com as quais é possível realizar uma análise crítica do direito penal, com objetivo de estabelecer, pesquisar, desenvolver e aplicar as leis vigentes, apurar suas lacunas, sugerir reformas e melhorias e apontar o estabelecimento de novas instituições jurídicas para atingir o objetivo principal de controle social.

Batista (2015, p. 23) também define:

política criminal como o conjunto de princípios e recomendações para a reforma ou transformação da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplicação. O conceito de política criminal abrangeria a política de segurança pública, a política judiciária e a política penitenciária, mas estaria intrinsecamente conectado à ciência política.

Todas as correntes de política criminal aqui analisadas questionam, de acordo com seus modelos teóricos e filosóficos específicos, a legitimidade do monopólio do Estado na persecução criminal e seus limites na punição penal, suas escolhas das condutas que são criminalizadas e o papel da dogmática penal no combate à criminalidade (Divan, 2014, p.13).

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3.1.1 Abolicionismo penal

Segundo Passeti (2004, p. 11), o abolicionismo penal não diz respeito apenas ao direito penal, mas se trata “de uma prática anti-hierárquica”, que tem como alvo lutar contra costumes autoritários presentes na civilização ocidental, se fundamentando na reflexão geral sobre liberdade e justiça e da capacidade que a sociedade teria de se autorregular.

Conforme Dmitruk (2005, p. 63), seus principais referenciais teóricos são Louk Hulsman (Holanda), através de uma perspectiva fenomenológica, Thomas Mathiesen (Noruega), através de uma perspectiva marxista, Michel Foucault (França), através de uma perspectiva estruturalista e Nils Christie (Noruega), através de uma perspectiva fenomenológica- historicista, além de Sebastian Scheerer (Alemanha).

Segundo Flauzina (2007, p. 13), o abolicionismo penal reconhece no direito penal um “programa político genocida sistematicamente reestruturado desde a abolição da escravidão” que atua adaptando seus padrões de ação às demandas da economia, buscando satisfazer os interesses das frações mais poderosas, compostas por proprietários dos meios de produção.

De acordo com Nucci (2020, p. 514), o abolicionismo penal “trata da descriminalização (deixar de considerar infrações penais determinadas condutas) e da despenalização (eliminação da pena para a prática de certas condutas), buscando-se restringir ao máximo a aplicação da pena privativa de liberdade”.

Como destaca Ferrajoli (2006, p. 275):

O abolicionismo penal – independentemente dos seus intentos liberatórios e humanitários – configura-se, portanto, como uma utopia regressiva que projeta, sobre pressupostos ilusórios de uma sociedade boa ou de um Estado bom, modelos concretamente desregulados ou autorreguláveis de vigilância e/ou punição, em relação aos quais é exatamente o direito penal – com o seu complexo, difícil e precário sistema de garantias – que constitui, histórica e axiologicamente, uma alternativa progressista.

3.1.2 O punitivismo

Os modelos autoritários têm como característica a busca por tipificar o maior número possível de condutas, tornando a intervenção do Estado intensa, através de uma postura adversarial.

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Na epistemologia inquisitiva, o populismo penal é contrário a todos os axiomas de Luigi Ferrajoli relacionados à estrita legalidade. Em um sistema inquisitório não existe separação entre o juiz/acusador e a gestão das provas está ligada a ele que determina sua validade arbitrariamente, pois os fins justificariam os meios. Neste sistema, o que importa não são os princípios e garantias individuais.

Desta forma, não se tem um julgamento, mas um viés de confirmação que busca confirmar a sua hipótese. Ocorrem juízos sumários, sem importância da prova ou como elas foram produzidas. Desta forma, quando se confunde a pessoa do juiz com o acusador tem início um sistema autoritário.

De acordo com Nucci (2020, p. 517), o direito penal máximo é um modelo de direito penal caracterizado pela excessiva austeridade. Este sistema busca garantir que nenhum culpado fique impune, através de condenações severas e aplicação de penas a qualquer comportamento desviante que contrarie o ordenamento jurídico. Este sistema “tolerância zero” prega que todas as espécies de infração penal devem ser punidas com severidade, servindo, assim, como exemplo à coletividade de que existe uma força reguladora presente, o que seria capaz de evitar que atos mais graves fossem cometidos.

3.1.2.1 Movimento de lei e ordem

De acordo com Valle (2018, p. 146), o movimento da Lei e da Ordem se fundamenta na política criminal de Tolerância Zero, implantada em Nova Iorque, nos anos de 90, que alegava ter reduzido os índices de criminalidade com a utilização de um sistema de repressão severa aos crimes de menor potencial ofensivo.

Em 1985, o sociólogo e pensador liberal alemão Ralf Dahrendorf escreveu a obra intitulada “A lei e a ordem”, onde trata dos conflitos e da situação de anomia que teriam ocorrido em Berlim, no período pós-guerra, chegando até a falência do Welfare State experenciada pelos EUA e Europa nos anos 80, buscando demostrar a necessidade de uma nova estrutura jurídica moderna, legal, eficiente e que seja respeitada.

De acordo com Dahrendorf (1987, p. 15), quando ocorre a degeneração da lei e da ordem é criado um vácuo, uma anomia e que “um dos tormentos da anomia é que ela representa maus presságios para a liberdade. Enquanto persiste, cria um

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estado de medo e pede um estado tirânico como remédio. Uma vez surgido um problema hobbesiano de ordem, a solução também tende a ser hobbesiana".

Ao nível de motivos e ideias, o declínio da eficácia da lei pode ser descrito como urna das contradições da modernidade, onipresente no mundo atual desde o Welfare Slate, que na verdade cria uma nova pobreza, até a ameaça nuclear, que diariamente nos recorda da ambivalência da razão humana. Queríamos uma sociedade de cidadãos autônomos e criamos uma sociedade de seres humanos amedrontados ou agressivos . Buscávamos Rousseau e encontramos Hobbes. (DAHRENDORF, 1987, p.14).

Anomia é um conceito desenvolvido pelo sociólogo francês Émile Durkheim, para ilustrar momentos da história onde acontecem suspensão das regras responsáveis pelo controle social (Abbagnano, 2007, p. 62).

O Movimento de Lei e Ordem divide a sociedade em dois grupos: o primeiro, composto de cidadãos de bem, que seriam dignos de amparo legal e o segundo, composto pelos párias, os homens maus, e os delinquentes, aos quais deve se aplicar o rigor da lei penal para manter a ordem.

Nucci (2020, p. 522) explica que: “no aspecto político, [...] o discurso da lei e da ordem produz votos, tendo sido adotado pela esquerda política, o que era monopólio da direita política, havendo, pois, um descontrole da política criminal do Estado, com incremento das sanções penais”.

3.1.2.2 . Movimento de tolerância zero

Segundo Coulon (1995, p. 8), por Escola de Chicago se indica um conjunto de pesquisas sociológicas realizadas na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, entre os anos de 1915 e 1940, realizadas para fazer uma investigação dos fenômenos decorrentes do crescimento urbano e dos problemas sociais resultantes: criminalidade, delinquência juvenil, aparecimento de gangues, a imigração e consequente formação de comunidades segregadas.

3.1.2.3 Direito penal do inimigo

Desenvolvido pelo jurista alemão Gunther Jakobs, na década de 80, inicialmente como uma matriz teórica abstrata e crítica, tinha como objetivo buscar

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alternativas frente à grande criminalidade mundial. Segundo Estefan (2020, p. 243), a teoria de Jakobs evoluiu com o passar do tempo para um enfoque descritivo e atualmente possui um enfoque legitimador, onde Jakobs considera legítimo que em determinadas circunstâncias haja a antecipação da punição baseada não na ação cometida, mas em ação futura, focando não no fato, mas no autor, defendendo também a desproporcionalidade das penas, a criação de leis cada vez mais severas, admitindo a flexibilização dos direitos e garantias individuais.

Para Jakobs existe o cidadão e o outro, aquele que ao romper com o pacto social, passa a ser o inimigo, contra o qual o Estado tem total controle e contra quem cessam as garantias individuais ao não se sujeitarem às normas vigentes.

Ainda, de acordo com Estefan (2020, p. 245), em 1999, Jakobs pela primeira vez se referiu ao inimigo como “não pessoa”, momento em que também apresentou quatro critérios para definir o direito penal do inimigo:

(i) a ampla antecipação da punibilidade; (ii) a falta de redução da pena proporcional a esta antecipação; (iii) a transposição de legislação própria de Direito Penal para uma legislação combativa; (iv) a supressão de garantias processuais penais.

Como descrito por Nucci (2020, p. 520):

Trata-se de um modelo de direito penal, cuja finalidade é detectar e separar, dentre os cidadãos, aqueles que devem ser considerados os inimigos (terroristas, autores de crimes sexuais violentos, criminosos organizados, dentre outros). Estes não merecem do Estado as mesmas garantias humanas fundamentais, pois, como regra, não respeitam os direitos individuais alheios.

Gomes (2007) caracteriza o inimigo como “o indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania, não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa. O inimigo, por conseguinte, é uma não-pessoa”. E isso justificaria a ausência de direitos processuais, como por exemplo, as garantias do contraditório e da ampla defesa, podendo ser flexibilizados, inclusive, os princípios da legalidade, da anterioridade e da taxatividade.

Para finalizar o estudo desta teoria, trazemos um resumo elaborado por Nucci (2020, p. 521 ), dos fatores que Jakobs enumera em favor da adoção do direito penal do inimigo:

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a) o direito penal do cidadão é o direito de todos; o direito penal do inimigo é daqueles que formam uma frente contra o Estado, embora possa haver, a qualquer tempo, um “acordo de paz” (p. 33); b) um indivíduo que se recusa a ingressar no estado de cidadania não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa; afinal, quem ganha a guerra determina o que é norma, quem perde há de se submeter a essa determinação (p. 40-41); c) para não privar o cidadão do Direito Penal vinculado à noção do Estado de Direito, deve-se denominar de outra forma o conjunto de normas penais voltadas ao combate da criminalidade específica, em autêntica “guerra refreada” (p. 42); d) a vigência dos direitos humanos continua a ser sustentada, embora o seu asseguramento dependa do destinatário; o inimigo perigoso pede regras próprias (p. 55); e) um direito penal do inimigo claramente delimitado é menos perigoso, na ótica do Estado de Direito, do que impregnar todo o Direito Penal com regras específicas e duras, próprias do Direito Penal do Inimigo (p. 56).

3.1.3 Minimalismo penal ou direito penal mínimo

Parte do pressuposto de intervenção mínima, com a menor tipificação possível de condutas, com o objetivo de permitir liberdade individual plena, apostando que procedimentos consensuais e baseados no diálogo poderiam solucionar de forma mais efetiva os conflitos. Roxin (2006, p. 12), ao analisar a função do direito penal, define que:

A descriminalização é possível em dois sentidos: primeiramente, pode ocorrer uma eliminação definitiva de dispositivos penais que não sejam necessários para a manutenção da paz social. Comportamentos que somente infrinjam a moral, a religião ou a ‘political correctedness’, ou que levem a não mais que uma autocolocação em perigo, não devem ser punidos num estado social de direito. Afinal, o impedimento de tais condutas não pertence às tarefas do direito penal, ao qual somente incumbe impedir danos a terceiros e garantir as condições de coexistência social.

O minimalismo penal tem como maiores precursores Luigi Ferrajoli, Alessandro Baratta e Eugenio Raúl Zaffaroni.

3.1.3.1 O modelo garantista

O garantismo penal é um modelo teórico, normativo-jurídico, pautado na estrita legalidade. Surgiu na Itália entre os anos 60 e 80, durante os denominados “anos de chumbo”, quando o País atravessava intensos conflitos contra organizações criminosas. Por se tratar de um período atípico, onde o governo, buscando reprimir a violência terrorista, editou leis emergenciais temporárias muito duras, que

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apresentavam violações aos direitos e garantias individuais. Neste cenário surgiu o grupo de Luigi Ferrajoli, denominado Magistratura Democrática, que buscava resgatar os ideais do Estado de Direito surgidos durante o século XVIII.

No Brasil, o movimento surgiu nos anos 90, inicialmente no Rio Grande do Sul, através de Amilton Bueno de Carvalho através do movimento Direito Penal Alternativo, que corresponderia, segundo alguns, ao que se intitula Garantismo Penal Hiperbólico Monocular ou hipergarantismo, muito criticado por ser considerado uma deturpação da teoria de Luigi Ferrajoli, por focar exageradamente nos direitos do réu.

Douglas Fischer, por outro lado, é um dos responsáveis por buscar analisar as teorias de Luigi Ferrajoli, afastando-a dos seus posicionamentos ditos de esquerda, sob outra ótica, no chamado Garantismo Integral, onde a vítima ganharia um papel de protagonismo no processo penal.

Ao garantismo penal correspondem os 10 axiomas de Ferrajoli (2006, p. 87), que representam, nas suas palavras (2006, p.83), “condições, limites ou proibições identificadas como garantias do cidadão contra o arbítrio ou o erro penal”:

a) Só há pena se houver crime; b) Só haverá crime se houver lei;

c) A lei deriva da necessidade. Necessidade que surge após uma lesão a bem jurídico;

d) A lesão precisa surgir de uma ação humana. O simples fato de alguém existir não pode lesionar um bem jurídico. Este ponto afasta de plano o Direito Penal do Autor – punir alguém pelo que ele é nesta teoria é inadmissível;

e) Esta ação só existe se houver dolo ou culpa. Este ponto veda a existência da responsabilidade penal objetiva;

f) Só existe culpa se houver devido processo legal. A culpa não pode ser presumida, ela precisa ser demonstrada através das provas dentro de um julgamento. Pedaços da realidade não são capazes de provar nada;

g) Só deve existir um julgamento se houver uma acusação – a importância do sistema acusatório;

h) Acusação só é possível com a prova - que só se consegue pelo contraditório; i) Só existe prova através do contraditório e ampla defesa. A prova não é

encontrada, ela se constrói no diálogo entre acusação e defesa; j) O processo deve ocorrer dentro da mais estrita legalidade.

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3.1.4 Direito penal do fato e direito penal do autor

No dizer de Cancio Meliá (2012, p. 71), devem ser excluídos da responsabilidade jurídico-penal os meros pensamentos, há, então, “a necessidade estrutural de um «fato» como conteúdo central do tipo (Direito Penal do fato em lugar de Direito Penal do autor)”.

Em consonância com o exposto, Gomes (2007, p.) afirma que:

O Direito Penal de autor, pune o sujeito pelo que ele “é’ e faz oposição ao Direito Penal do fato, que pune o agente pelo que ele “fez”. A máxima expressão do Direito Penal de autor deu-se durante o nazismo, desse modo, o Direito Penal do inimigo relembra esse trágico período; é uma nova “demonização” de alguns grupos de delinquentes.

Lima (2019, p. 1069)destaca que o STF já se manifestou sobre o direito penal do autor no RE n. 583523/RS:

Sob o argumento de que o sistema pen.al brasileiro trabalha com o direito penal do fato, e não com o direito penal do autor, o Plenário do Supremo concluiu recentemente que o art. 25 da Lei de Contravenções Penais é incompatível com a Constituição Federal. Para o STF, a condição especial "ser conhecido como vadio ou mendigo", atribuível ao sujeito ativo do referido crime-anão, criminalizaria, em verdade, qualidade pessoal e econômica do agente, e não fatos objetivos que causassem relevante lesão a bens jurídicos importantes ao meio social.

Destaca-se do voto do Ministro Gilmar Mendes no julgamento do RE n. 583523/RS:

Acolher o aspecto subjetivo como determinante para caracterização da contravenção penal equivale a criminalizar, em verdade, a condição pessoal e econômica do agente, e não fatos objetivos que causem relevante lesão a bens jurídicos importantes ao meio social. Nesse sentido, deve-se inadmitir infração penal que privilegia o direito penal do autor em detrimento do direito penal do fato.

Vê-se claramente que interpretações dessa natureza não se destinam a fatos, mas a determinadas espécies de autores, incriminando-as não pela prática de fatos delituosos, mas porque, na avaliação subjetiva do legislador, determinados agentes que representam “alto risco” para a sociedade ou então porque há suspeitas de que podem destinar-se à prática de crimes. (STF - RE: 583523 RS, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 03/10/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO).

Meliá (2012, p. 71) ainda afirma: “O direito penal do inimigo não é compatível, portanto, com o direito penal do fato”.

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4 DO SISTEMA DE JUSTICA CRIMINAL E A CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

É possível perceber que não se trata de um problema exclusivo. O encarceramento em massa, a decadência do Estado de bem-estar social, o aumento do crime transnacional e a crescente repressão da criminalidade configuram fenômeno global.

Verificamos que o Sistema de justiça criminal, longe de possuir uma estrutura cristalizada, também é marcado pelos saltos e rupturas da história, como foi citado no primeiro capítulo deste trabalho. E sendo assim, sofre modificações que acompanham as mudanças culturais, políticas e sociais globais, tal como tem sido experenciado com a pandemia de dimensão global Covid/19, que trouxe consigo um estado de exceção inimaginável.

Desta forma, percebe-se que tal como ocorreu nos Estados Unidos e na Europa no fim do século XX, quanto maior a crise enfrentada, maior é o anseio popular pelo aumento da repressão.

Como alicerce que possibilitará responder se o Regime Disciplinar Diferenciado é constitucional, este capítulo apresenta um estudo detalhado sobre o instituto, para que possamos compreender onde residiria a pretensa inconstitucionalidade. Embora pendente de debate no STF, a questão tem sido apreciada pelos demais tribunais do País, que têm justificado o tema incidentalmente, sem qualquer alusão a um eventual vicio de constitucionalidade.

4.1 POPULISMO CRIMINOLÓGICO. DISCURSO DE REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE

Somos um dos países mais desiguais do mundo, sendo que esta condição foi, segundo Fagnani (2016, p. 85), “ditada pela industrialização tardia, pela experiência democrática curta e descontinuada e, especialmente, pelo longo passado escravocrata”.

Existem no Brasil, com dados de maio de 2021 (INFOPEN, 2021), um número de 717.322 mil presos, destes, 2.870 encontram-se recolhidos no Sistema Penitenciário Federal e o perfil da população carcerária brasileira é, segundo dados

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do anuário de segurança pública: negra (64%), jovem de até 29 anos (55%) e de baixa escolaridade (51% não concluíram o ensino fundamental) (BRASIL, 2020).

O Sistema Penitenciário Federal (SPF), símbolo do populismo criminológico, foi anunciado em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tendo sido implementado em 2006. O SPF é composto por 5 unidades, em Brasília/DF, Campo Grande/MS, Catanduvas/PR, Mossoró/RN e Porto Velho/AC, e tem sua missão instituída pela Portaria do DEPEN n. 103, de 18 de fevereiro de 2019:

Combater o crime organizado, isolando suas lideranças e presos de alta periculosidade, por meio de um rigoroso e eficaz regime de execução penal, salvaguardando a legalidade e contribuindo para a ordem e a segurança da sociedade.

Nas palavras de Batista (2015, p. 10):

O formidável processo de criminalização da massa empobrecida transição do capitalismo industrial, a saga cruel dos sistemas penitenciários neoliberais (supermax, privatizações, RDD [Regime Disciplinar Diferenciado] etc), os avanços de dispositivos invasivos típicos do estado de polícia, a beatificação da tortura, a policização da vida pública, a “indústria do controle do crime”, tudo isto está fora da criminologia da grande mídia.

4.2 ASPECTOS DESTACADOS DO RDD

O Regime Disciplinar Diferenciado foi criado em um cenário de forte tensão social e sempre foi alvo de críticas e questionamentos quanto à sua constitucionalidade.

Diante disso, para melhor compreensão do problema, necessário que se faça uma contextualização temporal pormenorizada das circunstâncias da sua criação e recente atualização.

Em 2001, em um contexto marcado por intensas rebeliões da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) emitiu a Resolução n. 26, instituindo pela primeira vez o Regime Disciplinar Diferenciado, com o objetivo de colocar fim à crise carcerária e social deflagrada por uma rebelião que abrangeu 29 (vinte e nove) unidades prisionais da capital, região metropolitana e interior, deixando um saldo de 17 (dezessete) mortos.

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No período, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 5.073/2001, com o intuito de instituir o RDD em todo o território nacional (DUARTE, 2020, p. 81).

Em 2002, após uma crise carcerária deflagrada no Presídio de Segurança Máxima Bangu I, no Rio de Janeiro, por desentendimentos entre as facções criminosas rivais Amigos dos Amigos (ADA), Comando Vermelho (CV) e Terceiro Comando, além do homicídio de dois juízes corregedores da Vara de Execuções, fez prosperar o Projeto de Lei n. 5.073/01, que acabou avançando nos debates, em razão do amplo clamor popular.

Em 2003, o Projeto de Lei n. 5.073/01, após todo o tramite legislativo, transformou-se na Lei n. 10.792/2003, modificando a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984), instituindo o RDD como é conhecido o Regime Disciplinar Diferenciado, como uma sanção disciplinar de modalidade máxima.

Em 2004, o STJ, no julgamento do Habeas corpus n. 40.300/RJ, rejeitou a alegação de inconstitucionalidade do RDD, justificando-se pelo propósito da manutenção da ordem interna dos estabelecimentos prisionais.

Em 2006, ano profundamente marcado pela Semana Sangrenta, em decisão proferida pela Sexta Turma do STJ, no julgamento do Habeas corpus n. 44049/SP, em acórdão da lavra do Ministro Hélio Quaglia Barbosa, reconheceu-se novamente a legalidade do instituto, mas com a observação de limite temporal:

Em obséquio das exigências garantistas do direito penal, o reexame da necessidade do regime diferenciado deve ser periódico, a ser realizado em prazo não superior a 360 dias.

Em 2007, o Decreto n. 6.049/07 aprova o regulamento Penitenciário Federal, que regulamenta as normas de aplicação do RDD no Sistema Federal.

No ano de 2008, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n. 4.162/DF) no Supremo Tribunal Federal, relacionada à impugnação dos artigos 52, 53, inciso V, 54, 57 (parte referente ao artigo 53), 58 (parte sobre o regime diferenciado) e 60, caput e parágrafo único, da Lei de Execução Penal, alterados pela Lei n. 10.792/2003.

A ação, de relatoria da Ministra Rosa Weber, encontra-se pendente de decisão, estando sem movimentação desde 2017.

(36)

Em 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) decidiu pela admissibilidade da denúncia apresentada contra o Brasil, em 18 de março de 2005, pela chilena Cecilia Adriana Hernández Norambuena, em favor de seu irmão Mauricio Hernández Norambuena. No relatório n. 143/2011/CIDH do caso Norambuena x Brasil, restou reconhecida a violação aos artigos 5º, 8º e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), após ele ficar seis anos em isolamento. Segundo notícia veiculada pelo Jornal Estadão, em 2018, ele já havia cumprido 16 anos de isolamento (ESTADÃO, 2018), o que só cessou quando houve a extradição para seu País natal, Chile, em 2019.

Em junho de 2013, foi juntado aos autos da ADI n. 4.162/DF, parecer jurídico de Juan Méndez, Relator Especial das Nações Unidas sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, com manifestação em consonância com os argumentos utilizados pelos autores da ADI n. 4.162/DF.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, no julgamento da ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF n. 347/DF), a violação massiva de direitos fundamentais no sistema carcerário brasileiro, identificando a prática recorrente da tortura.

Em 2017, 119 presos perderam a vida na maior guerra de facções criminosas ocorrida dentro do sistema carcerário brasileiro.

Em dezembro de 2019, restou aprovada a Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como Pacote Anticrime.

Visando aperfeiçoar a legislação penal e processual penal, onde está inserido o instrumento jurídico aqui estudado, o Pacote Anticrime modificou a redação do artigo 52 da Lei de Execução Penal (LEP), nos termos mostrados no quadro 1:

Lei de Execução

Penal Lei nº 7.210/1984

Lei de Execução Penal Lei nº 7.210/1984 Após a Lei nº 10.792/2003

Lei de Execução Penal Lei nº 7.210/1984 Após a Lei nº 13.964/2019

(Pacote Anticrime)

Em relação ao tempo inicial _ Até 360 dias. Até 2 anos.

Em relação ao local _ Isolamento celular

durante 22h.

2h de banho de sol sozinho.

Isolamento celular durante 22h.

2h de banho de sol com até 4 detentos que não sejam da mesma facção.

(37)

Em relação Visitação _ 2 pessoas/semanal. 2 pessoas/quinzenal.

Em relação a Prorrogação _ Até 1/6 da pena. Sucessivamente por

períodos de 1 ano, podendo ser prorrogável enquanto o risco se manter.

Em relação a privacidade _ _ Entrevistas sempre

monitoradas e em parlatório, gravadas, com fiscalização do conteúdo da correspondência. Fonte: Elaboração dos autores, 2021.– Características do RDD.

A legislação nacional vem sendo constantemente modificada, buscando alcançar soluções que sejam capazes de enfrentar o problema da criminalidade. Entretanto, longe de corrigir a inconstitucionalidade, o Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019) aumentou o rigor do RDD, conforme demonstrado no quadro 1.

Estas modificações, além de não serem consideradas como um aperfeiçoamento, são duramente questionadas quanto à sua constitucionalidade. É necessário compreender o contexto temporal e político-social do referido instituto, sendo que os princípios constitucionais relacionados aos direitos e garantias fundamentais não podem ser objeto de negociação no Estado Democrático de Direito.

As modificações relacionadas ao instituto do RDD demonstram o recrudescimento do Direito Penal, seja por sua amplitude ou pelos efeitos decorrentes que pode provocar no sistema de aplicação da pena (CARVALHO, 2020).

O Regime Disciplinar Diferenciado é alvo de intensas discussões quanto à sua constitucionalidade e aplicabilidade desde sua criação no ordenamento jurídico brasileiro.

Com o advento do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), as modificações trazidas ao RDD não levam em conta a decisão do STJ no HC n. 44049/SP, o relatório n. 143/2011 CIDH, o posicionamento do STF no julgamento da ADPF n. 347/DF e os argumentos trazidos na ADI n. 4.162/DF, que aguarda julgamento no STF. Estes questionamentos tendem a se acirrar, uma vez que estas modificações significativas aproximam o referido instituto do Direito Penal do Inimigo, que é incompatível com nosso ordenamento.

Referências

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