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CAPÍTULO 3 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE: O DESASTRE NOS JORNAIS O

3.1 Aspectos em comum entre as notícias do corpus

As nove notícias do corpus possuem alguns aspectos em comum que serão apresentados a seguir.

De acordo com Charaudeau (2008, p. 82), “[...] todo ato de linguagem se compõe de um Propósito Referencial que está encaixado num Ponto de vista Enunciativo do sujeito falante, integrando ambos uma Situação de Comunicação”. Quanto à organização enunciativa, todas apresentam predominância do comportamento delocutivo, pelo qual o sujeito falante não se implica e nemimplica o interlocutor, o que resulta em uma enunciação aparentemente objetiva, por meio de asserções e discurso relatado (por estilo indireto, e por citações – estilo direto). Há a retomada, no ato de comunicação, de propósitos e textos que se relacionam a pontos de vista externos, não pertencentes ao sujeito falante, ou seja, de um terceiro.

Na organização descritiva, as notícias têm em comum a encenação descritiva, principalmente os procedimentos de composição. As descrições têm o objetivo de informar, possuem extensão que leva em consideração o suporte material dos jornais a que estão vinculadas, os quais são impressos com a dimensão de 38 cm de altura e 25 cm de largura, com número de páginas variando entre 8 e 12. As notícias desses jornais têm sua extensão moldada pela dimensão do suporte, compartilhando espaço, em cada página, com os anúncios, informes de órgãos públicos e artigos de colunistas.

Quanto à organização narrativa, as notícias têm em comum o dispositivo da encenação narrativa. São, principalmente, narrativas. Devido a isso, um componente da encenação narrativa é o dispositivo narrativo apresentado no esquema da Figura 11, a seguir.

Figura 11 - Dispositivo da encenação narrativa.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Charaudeau (2008, p.184-187).

O esquema apresentado acima nos mostra, conforme Charaudeau (2008), que, assim como a comunicação, em geral, a encenação narrativa também ocorre com a articulação de dois espaços de significação, a saber, um espaço externo ao texto (extratextual) e um espaço interno ao texto (intratextual).

No espaço externo, o autor e o leitor “reais” têm o texto como objeto de troca (como coisa dita ou escrita). Constituem-se em seres de identidade social, correspondentes no dispositivo da comunicação geral, respectivamente, ao sujeito falante e ao sujeito receptor interpretante.

No espaço interno, se encontram o narrador e o leitor-destinatário, seres com identidade discursiva. Estes correspondem ao enunciador e ao destinatário do dispositivo geral da comunicação. Nesse espaço, o objeto de troca já é um tipo particular de texto.

No caso do dispositivo narrativo do gênero “Notícia”, a experiência vivida pode ser o testemunho de algum fato contado pelo próprio narrador ou transmitido por outro, e o projeto de escrita é uma notícia. Como, em notícias, o narrador trata de temas da vida “real”, este é denominado por Charaudeau (2008) como narrador-historiador, pois organiza o que vai ser contado de maneira objetiva, a partir de arquivos, testemunhos e documentos. É aquele que recolhe os fatos da realidade, reconstruindo-os a partir de seu ponto de vista, convocando o leitor-destinatário a conceber o que foi contado como história “real”.

Os procedimentos da encenação narrativa das notícias estudadas estão relacionados com as características do narrador-historiador quanto à preocupação com a objetividade. Assim como um historiador conta fatos a posteriori, o narrador-historiador se protege do subjetivismo, procura fazer com que o leitor-destinatário pense que ele se apaga na narrativa e procura passar credibilidade nas representações sobre os fatos. Como procedimento de configuração da encenação, pode-se dizer que, nas notícias do corpus, o narrador-historiador conta a história de uma outra pessoa e tem um ponto de vista mais externo dos personagens.

Quanto à organização argumentativa, as notícias apresentam como aspectos em comum a situação de troca e o contrato de comunicação. Assim como há um dispositivo narrativo, há também um dispositivo argumentativo. A existência desse dispositivo não mostra, antecipadamente, a forma particular que uma argumentação pode assumir em um texto. É em função da situação de comunicação e do projeto de fala do sujeito que os componentes do dispositivo (proposta, proposição e persuasão) serão utilizados.

Dois fatores situacionais, a situação de troca e o contrato de comunicação, contribuem para configurar uma argumentação sob a forma de texto. Nas notícias do corpus, a situação de troca é monologal, ou seja, o próprio sujeito constrói a totalidade do texto e coloca em evidência a Proposta, a Proposição e o ato de Persuasão. A troca monologal é diferente da dialogal porque nesta a Proposta, a Proposição e a Persuasão se constroem a partir das réplicas que se sucedem.

O contrato de comunicação que predomina nas notícias analisadas encontra-se implícito, ou seja, os textos não especificam o quadro argumentativo, sendo necessário interpretar asserções para identificar se são participantes de uma proposta, de uma proposição ou de um ato de persuasão. Embora nas notícias predomine a organização narrativa, elas são formadas também por um conjunto de elementos dos demais Modos de Organização (Enunciativo, Descritivo e Argumentativo). A organização enunciativa dessas notícias possui o comportamento delocutivo, o que contribui para que haja uma tentativa de apagamento do enunciador e consequentemente um quadro de argumentação implícito. Na organização narrativa, a enunciação por um narrador- historiador contribui para que haja um quadro de argumentação (que leva em conta a experiência humana e as operações de pensamento) implícito porque se procura mostrar objetividade (que leva em conta a realidade considerada visível, tangível).

Quanto ao tipo de jornal, as notícias têm em comum o fato de serem jornais locais ou regionais. Segundo Reis (2018), pesquisadores, órgãos públicos e entidades de classe da área de comunicação, nos últimos anos, têm se interessado em conhecer mais

sobre a mídia regional e investido em seu mapeamento. A autora cita, como exemplo, duas publicações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, dentre outros aspectos, apresentam dados relativos à origem de jornais vendidos no país: uma dessas publicações é o estudo Regiões de Influência das Cidades e a outra é o Atlas Nacional do Brasil Milton Santos. Sobre os esforços para classificar ou diferenciar os veículos de comunicação do Brasil, Reis (2018) faz referência ao geógrafo Milton Santos porque

Uma das primeiras tentativas desenvolvidas nesse sentido foi forjada pelo geógrafo Milton Santos, em 1955, durante o IV Congresso Nacional de Jornalistas, em Belo Horizonte. Nesse encontro, ele apresentou uma proposta de classificação funcional dos jornais para ser utilizada na construção futura de um “mapa jornalístico no Brasil”. Essa proposição delimitou, com base no contexto, quatro categorias de jornais no país: a) nacional (circula na capital da República e em São Paulo, nas capitais estaduais e em camadas restritas das cidades servidas por linhas aéreas diárias); b) estadual (cobre a superfície do estado respectivo. Sua função regional é, porém, tanto mais reduzida quanto mais desenvolvida a economia provincial e a sua rede de transportes); c) regional (circula em sua área respectiva, sofrendo nas bordas a concorrência do jornal da região vizinha), e d) local (atende a interesses do lugar onde atua e não raro a problemas de natureza efêmera, animando-se ao sopro de paixões momentâneas, que marcam geralmente o seu tempo de vida ou renascimento). (REIS, 2018, p. 64).

Sobre o jornalismo praticado no interior, Reis (2018) apresenta também referências a Wilson da Costa Bueno, Beatriz Dornelles e Jacqueline da Silva Deolindo. A autora afirma que: Wilson da Costa Bueno considera o jornalismo praticado como um tipo de jornalismo que atua de forma diferente da grande imprensa, quanto à circulação e condições de produção, que são marcadas, quase sempre, por limitações financeiras, pessoal treinado, equipamentos; Beatriz Dornelles considera o jornalismo do interior mais comportamental do que estrutural, sendo guiado por uma política que leva em conta aspectos como a política de boa vizinhança, a solidariedade, o coletivismo, os valores, a moral, a fé religiosa, o respeito humano e a cultura de pequenas populações; e Jaqueline da Silva Deolindo considera que o jornalismo regional preenche lacunas de informação deixadas pela mídia nacional e estadual, publicando notícias de interesse direto da população, ao mesmo tempo em que reproduz informações dos grandes centros para informar sobre o que se passa além da localidade ou região.

De acordo com Pellanda e Nunes (2013), o jornal impresso nasceu ao se unir a tecnologia com a necessidade de comunicação das concentrações urbanas e, para os

autores, ele é o meio de massa mais antigo do mundo. Os autores também destacam que o jornal não se limita ao impresso, sendo que “O termo jornal transcende suportes e, apesar de muito vinculado aos periódicos de papel, é sempre importante lembrar que sua maior ligação é com a essência do conceito de jornalismo e não com sua materialidade” (PELLANDA; NUNES, 2013, p. 193).