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CAPÍTULO 1 – O TERRITÓRIO DO RIO DOCE ANTES E DEPOIS DO

1.3 O rompimento da barragem: causas

No mercado minerário global, afirmam Mansur et al. (2016), há períodos de boom e pós-boom. Um pós-boom aconteceu a partir de 2011, quando iniciou-se uma tendência de queda do preço do minério de ferro, no qual há indícios de que tenha existido um aumento do rompimento de barragens. De acordo com os autores, isto acontece devido a: (i) pressa para obter o licenciamento no período de preços elevados, levando ao uso de tecnologias não apropriadas e à escolha de locais não apropriados; (ii) pressão sobre agências ambientais para acelerar licenciamento, levando a avaliações incompletas ou inadequadas dos reais riscos e impactos dos projetos; (iii) intensificação da produção ou pressão por redução nos custos quando os preços voltam aos patamares mais usuais.

Alguns dos aspectos acima, discorrem Mansur et al. (2016), podem ser relacionados ao desastre provocado pela Samarco/Vale/BHP Billiton, ao considerá-lo em seu caráter estrutural e de alerta para o fato de que outras empresas podem provocar situações onde os riscos são semelhantes. Eles afirmam que a barragem da Samarco entrou em operação no ano de 2008, quando os preços do minério de ferro alcançaram seu pico, sendo que seu licenciamento foi realizado por instituições em processo de precarização e com aprovação vinculada a vários condicionantes. Ainda segundo os autores, a empresa sofreu um processo de endividamento, sem aumento de receita, num momento de pressão de investidores pela manutenção de níveis de rentabilidade. De acordo com eles, há indícios de que essa pressão por rentabilidade causou uma

11 Conforme Notícias de Mineração Brasil (2018). Disponível em:

www.noticiasdemineracao.com/exterior/news/1346656/dez-maiores-mineradoras-do-mundo-valem-ususd -327-bilhões. Acesso em: 26 abr. 2019.

intensificação no processo produtivo que, possivelmente, provocou negligência com os aspectos de segurança.

Bowker e Chambers (2015) (apud MANSUR et al., 2016) apresentam como mais de 30 os rompimentos de barragem no mundo após a década de 1990 considerados sérios ou muito sérios; afirmam que tais desastres são um reflexo das tecnologias de mineração que promovem a implantação de minas muito grandes, e explicam que, à medida que há diminuição da qualidade do minério, a quantidade de rejeitos aumenta e, consequentemente, aumenta-se o tamanho das barragens.

Quanto à Barragem de Fundão, vários especialistas apontam como uma das causas de seu rompimento o seu tipo de alteamento. As barragens de rejeito oferecem risco potencial, mesmo que sejam do tipo de alteamento a jusante12. As de alteamento a montante, como era o caso de Fundão, oferecem ainda mais riscos, conforme mostra a figura do anexo 2, na qual encontram-se as diferenças e características de ambas.

Há estudos que propõem a utilização dos rejeitos de minérios em produtos, o que pode ser uma solução para reduzir o enorme impacto gerado por este tipo de material na mineração. Sanches (2019) apresenta estudos realizados na Universidade Federal de Minas Gerais nos quais se busca o reaproveitamento integral dos rejeitos. Segundo a autora, os produtos derivados dos rejeitos são chamados de coprodutos e podem ser utilizados na engenharia civil e na agricultura. Para demonstrar a viabilidade dos coprodutos, foi construída com eles uma casa em Pedro Leopoldo (concreto, argamassa, cerâmica, tijolos e blocos). A autora cita também outro estudo que se refere à pelotização a frio do rejeito das barragens, que poderia ser feita nos mesmos equipamentos utilizados pelas mineradoras, sendo que há investigação quanto à viabilidade dessas pelotas para drenagem e enriquecimento do solo. Estes estudos mostram que tecnologias poderiam ter sido utilizadas para dar finalidades econômicas e sociais aos rejeitos, evitando-se, assim, o acúmulo destes materiais em gigantescas barragens, muitas vezes sem manutenção adequada ou mal fiscalizadas.

Em denúncia do MPF (BRASIL, 2016a13), afirmou-se que

12O termo jusante vem do latim jusum que significa vazante, para o lado da foz, ou seja, toda água que

desce para a foz do rio é a jusante e a montante é a parte acima, de onde vêm as águas. Este ponto referencial pode ser uma cidade às margens do rio, uma barragem, uma cachoeira, um afluente, uma ponte etc. A locução adverbial “a jusante” remete para o lado de baixo ou descendente: na direção da foz.

É usado para fazer referência a um ponto mais baixo, estando em um ponto mais alto. Faz referência ao

lado que vaza a maré. Já a locução adverbial “a montante” faz referência à direção da nascente, remete para o ponto mais alto (nascente).” (Disponível em: https://www.significados.com.br/jusante-e-montante. Acesso em: 25 fev. 2019).

13 Disponível em: http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/denuncia-samarco. Acesso em: 16

Todos aqueles que perderam suas vidas não imaginavam que estavam no caminho da lama e dos rejeitos após rompimento de uma barragem cujos erros técnicos de implementação e manutenção foram conscientemente manipulados para reduzir custos e aumentar dividendos. (BRASIL14, 2016a, p.12)

Justificando a afirmação acima, o MPF (BRASIL, 2016a) apresenta na denúncia várias circunstâncias das quais duas são apresentadas a seguir. A primeira se refere ao fato de que, em 2015, a Samarco identificou a necessidade de construir um novo reservatório para rejeitos porque a Barragem de Germano estava próxima de saturação e a empresa vivenciava acelerado processo de expansão. Dos três lugares identificados como alternativas, foi escolhido justamente o local do Vale do Fundão (com a localização de Bento Rodrigues a 3 km em linha reta, a jusante da barragem). O EIA/RIMA apontava este local como o de maiores riscos: o perigo em cenário acidental da geração de efeito dominó, provocando assoreamento de sólidos e lamas nos cursos d´água, danos a instalações, ferimento e morte. A categoria de risco em caso de manutenção inadequada e outros problemas foi classificada como de magnitude “catastrófica”.

A segunda circunstância diz respeito ao fato de que na ata da reunião do dia 4 de dezembro de 2013, do Conselho da Samarco, houve a apresentação detalhada aos conselheiros de que a situação da Barragem de Fundão era preocupante e que esse assunto iria ser retomado na reunião seguinte. Porém, na reunião posterior, em 2 de abril de 2014,

Sobre rejeitos e barragens, quase nada ficou consignado em ata. Apesar de a composição do Conselho ser a mesma daquela da reunião de 04/12/2013 (quando o Conselho consignou que os rejeitos ainda eram “uma grande preocupação”), nenhuma recomendação sobre o assunto foi direcionada aos diretores da SAMARCO. Produção, lucro, dividendos, dinheiro era mais importante e urgente. (BRASIL, 2016a, p. 119-20).

Assim, de acordo o MPF (BRASIL, 2016a), os representantes da Samarco/Vale/BHP Billiton sabiam dos graves riscos para a população e para o ambiente que poderiam advir da construção da barragem naquele local. Após construída, houve negligência em sua utilização e manutenção.

Mediante esta situação, de acordo com o MPF (BRASIL, 2016c15), coube Ação penal, da Subseção Judiciária de Ponte Nova (MG), em 20 de outubro de 2016, na qual

[...] o MPF denunciou à Justiça 21 pessoas por homicídio qualificado com dolo eventual - quando se assume o risco de cometer o crime - pela morte de 19 pessoas ocorridas na tragédia. Entre os denunciados estão o presidente afastado da Samarco, Ricardo Vescovi de Aragão; o diretor de Operações e Infraestrutura, Kleber Luiz de Mendonça Terra; três gerentes operacionais da empresa; 11 integrantes do Conselho de Administração da Samarco; e cinco representantes das empresas Vale e BHP Billiton na Governança da Samarco. (BRASIL, 2016c, p.1).

Esta ação penal foi recebida em 16 de novembro de 2016. Houve suspensão do processo penal em 19 de julho de 2017. Somente em 11 de outubro de 2017, o MPF fez o pedido de seu prosseguimento.

Outro desastre, de grande magnitude, com centenas de vítimas fatais e danos ambientais, ocorreu quando se completavam pouco mais de 3 anos do rompimento do rompimento da Barragem de Fundão. Trata-se do rompimento da Barragem 1, da Mina do Córrego do Feijão, de propriedade da Vale, em Brumadinho (MG), no dia 25 de janeiro de 2019. Sobre as causas desse desastre, o professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) e da Pós- Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o engenheiro hidráulico Carlos Barreira Martinez afirma que

Havia um problema que não foi detectado e a coisa foi acontecendo”, compara. “A estrutura não entra em colapso de uma hora para outra. Elas dão sinais. É preciso instrumentalizar e analisar o dado, mas as empresas não investem no conhecimento. Querem apenas tirar minério, exportar e fazer dinheiro. Não se interpreta a imagem para resolver o problema.” (OLIVEIRA, 2019, p.1).

Pode-se constatar, pelas considerações anteriores, a existência de negligência de empresas e órgãos públicos quanto à realização de práticas que aliem a produção também à segurança e respeito às comunidades e ao meio ambiente.