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CAPÍTULO 2 – A SEMIOLINGUÍSTICA: LINGUAGEM, LÍNGUA,

2.1 Os Modos de Organização do Discurso

É a linguagem que permite ao homem pensar e agir em sociedade. Ela é construída pelos homens através dos contatos que as pessoas estabelecem historicamente (CHARAUDEAU, 2008). A competência semiolinguística diz respeito a procedimentos denominados “Modos de Organização do Discurso”, conforme Charaudeau (2008), e cada um deles tem uma função básica (modo enunciativo- enunciar, modo descritivo-descrever, modo narrativo-contar e modo argumentativo- argumentar), sendo que os modos de organização descritivo, narrativo e argumentativo são organizados pelo princípio referencial e pelo princípio de sua encenação. Quanto ao Modo de Organização Enunciativo, o autor esclarece que o mesmo possui uma particularidade: mostra o posicionamento do locutor em relação ao interlocutor, influencia a encenação dos outros modos de organização e, por isso, pode-se considerar que ele comanda os demais.

O Modo de Organização Enunciativo, segundo Charaudeau (2008), é uma categoria do discurso pela qual se identifica como o sujeito falante age ao encenar o ato de comunicação. Enunciar, afirma o autor, na perspectiva da análise do discurso, está relacionado à organização das categorias da língua para que se compreenda ou identifique a posição que o sujeito falante ocupa ao relacionar-se com o interlocutor, sobre o que ele diz e sobre o que o outro diz. Este modo de organização do discurso, conforme Charaudeau (2008), possui três funções: estabelecer uma relação de influência entre locutor e interlocutor num comportamento alocutivo; revelar o ponto de vista do locutor, num comportamento elocutivo; retomar a fala de um terceiro, num comportamento delocutivo.

O Modo de Organização Descritivo contribui para a construção de textos, identificando e qualificando os seres, segundo Charaudeau (2008). O autor considera que o termo descritivo é utilizado para identificar um dos modos de organização discursiva, constituindo-se em um processo e a descrição corresponde ao resultado desse processo. Sobre o modo de organização descritivo, o autor destaca que: ele pode combinar-se com o narrativo e o argumentativo no mesmo texto; pode ser organizador de um texto de forma parcial ou total; e pode ser constitutivo de um texto literário ou não literário.

No processo de desenvolvimento de uma descrição podem ser acionados, na teoria de Charaudeau (2008), três componentes do modo de organização descritivo: nomear, dando existência a algum ser, através da percepção e classificação; localizar-

situar, determinando o lugar que um ser ocupa no espaço e no tempo, apontando para um “[...] recorte objetivo do mundo, mas sem perder de vista que este recorte depende da visão que um grupo cultural projeta sobre esse mundo” (p. 114); e qualificar, atribuindo um sentido particular aos seres.

A função de base do Modo de Organização Narrativo é “contar”, conforme Charaudeau (2008). Ele afirma também que esta é “[...] uma atividade linguageira cujo desenvolvimento implica uma série de tensões e até mesmo contradições” (p. 154). Esse modo de organização se caracteriza pela articulação da construção de uma sucessão de ações (organização da lógica narrativa) e a realização de uma representação narrativa (organização da enunciação narrativa). Como componentes da lógica narrativa, Charaudeau (2008) cita três tipos: actantes, processos e funções, e sequências. Segundo ele, estes componentes podem ser descritos separadamente, mas se interligam no texto. Como componentes da encenação narrativa, o semiólogo cita: os componentes da enunciação (dispositivo narrativo, parceiros e protagonistas); e os procedimentos de configuração da encenação narrativa (intervenções e identidade do narrador, o estatuto do narrador, os pontos de vista do narrador).

O Modo de Organização Argumentativo é difícil de ser tratado, relata Charaudeau (2008), porque não é da ordem da realidade e do visível, como a narrativa. De acordo com o autor, o fato de a argumentação levar em conta a experiência humana, por meio de determinadas operações de pensamento, pode ser anulada ou contestada, isso tornou-a objeto de muitos estudos, tendo surgido muitas definições. Desse modo, tais aspectos dificultam a tarefa de estudar e apresentar este fenômeno da linguagem.

Nas lições de gramática, tem-se tratado a argumentação como combinação de frases e orações, através da descrição de tais combinações, pela análise de orações subordinadas que dificilmente consideram as situações de comunicação, salienta Charaudeau (2008). Para este autor, “a argumentação não está no âmbito das categorias da língua (as conjunções de subordinação), mas sim na organização do discurso” (CHARAUDEAU, 2008, p. 202).

Pode-se considerar que argumentar não se refere somente a frases ligadas a conectores lógicos, afirma Charaudeau (2008); também não se confunde com outros atos do discurso, como, por exemplo, a negação, a refutação e a proibição; a argumentação existe quando há uma “[...] relação triangular entre um sujeito argumentante, uma proposta sobre o mundo e um sujeito alvo” (p. 205); é uma atividade discursiva que, sob a ótica do sujeito argumentante, participa da busca de dois aspectos: a racionalidade, isto é, busca “[...] de um verossímil que depende das

representações socioculturais compartilhadas pelos membros de um determinado grupo, em nome da experiência e do conhecimento” (p. 206); e a influência, ou seja, com tendência a um ideal de persuasão, ou seja, de convencimento de outrem a acreditar em alguma coisa ou sobre a necessidade de se fazer alguma coisa.

A argumentação é uma totalidade, argumenta Charaudeau (2008), e o modo de organização argumentativo contribui para construí-la. Também, segundo o autor, a função do argumentativo, como modo de organização do discurso, é “[...] permitir a construção de explicações, sobre asserções feitas acerca do mundo [...], numa dupla perspectiva de razão demonstrativa e razão persuasiva” (p. 207). Ele relaciona a perspectiva da razão demonstrativa à organização da lógica argumentativa e a perspectiva da razão persuasiva à organização da encenação argumentativa.

Encontram-se dentro da organização da lógica argumentativa, como proposto por Charaudeau (2008), a dedução, a explicação, a associação, a escolha alternativa e a concessão restritiva. Já na ordem da encenação argumentativa, de acordo com o autor, são estes os seus componentes: o dispositivo da argumentação (proposta, proposição, persuasão); os tipos de configuração (situações de troca, contrato de comunicação); as posições do sujeito (com relação à proposta, ao emissor (E) da proposta; e à sua própria argumentação).

Para a encenação argumentativa concorrem os seguintes procedimentos, de acordo com Charaudeau (2008): os semânticos (domínios de avaliação e os valores); os procedimentos discursivos (a definição, a comparação, a descrição narrativa, a citação, a acumulação e o questionamento); e os procedimentos de composição (linear e classificatória).

A interação de tais competências gera a competência discursiva, conforme Charaudeau (2008), pois o seu funcionamento faz com que atos de linguagem da ordem do sentido se traduzam em vínculo social.