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De acordo com G. B. Kerferd, certos aspectos da vida de Atenas, na segunda metade do século V a.C., poderiam sugerir que estava ocorrendo uma mudança bastante fundamental em direção a uma sociedade na qual o que as pessoas pensavam e falavam começava a ser mais relevante do que os próprios fatos reais. Assim, a mentalidade que teria emergido no século V a.C. baseava-se na compreensão de que a relação entre o discurso e o fato real estava longe de ser um acontecimento simples. E, apesar de ser provável que os pensadores do século em apreço estivessem preparados para aceitar que há e deve haver sempre uma relação entre os dois, havia um crescente entendimento de que o que está envolvido no conhecimento humano não é simplesmente a apresentação dos fatos em palavras, mas antes uma representação das coisas (KERFERD, 2003: 135).

Convém ainda considerar que nessa época a cidade de Atenas havia conquistado o domínio político, e exercia também uma espécie de hegemonia cultural sobre toda a Hélade, por isso tornou-se rapidamente um centro cultural para onde convergiram muitos pensadores que aspiravam por notoriedade, incluindo os sofistas (σοφισταί). Estes vieram de toda parte do mundo grego e alguns continuaram a viajar por toda parte em função de sua atividade profissional. Todavia, a maioria se dirigiu para Atenas, a qual representou o verdadeiro centro do movimento sofista por pelo menos sessenta anos (Ibid., 2003: 31- 32). Mas antes de prosseguirmos no exame do movimento sofista é pertinente a análise sumária do significado etimológico da palavra “sofista”.

Segundo W. K. C. Guthrie, a palavra “sofista” (σοφιστής), que significa literalmente “sábio”, a qual até o século V a.C. não tinha adquirido um sentido pejorativo, se aplicava aos sete sábios (σοφοί) da tradição grega40 cuja sabedoria consistia sobretudo na arte prática de estadista. As palavras gregas σοφός e σοφία que mormente são traduzidas por “sábio” e “sabedoria” foram usadas desde os tempos mais antigos para designar uma qualidade intelectual ou espiritual. Este sentido passou facilmente para o de

40 Na lista oferecida por Platão a respeito dos sete sábios da tradição grega, menciona-se Pítaco de Mitilene,

Periandro de Corinto, Tales de Mileto, Sólon de Atenas, Quílon de Esparta, Cleóbulo de Lindos e Bias de Priene (Prot., 343a).

conhecedor geral ou prudente. Nesse sentido, as palavras “σοφιστής” e “σοφός” por muito tempo foram consideradas como sinônimas. Σοφιστής também se aplicava muitas vezes a poetas, pois no modo de ver dos gregos, instrução prática e conselho moral constituíam a função precípua do poeta. Todavia, no século V a.C. a palavra começou a ser usada para escritores em prosa em contraste a poetas, quando a função didática veio a se exercer cada vez mais por este meio. Por conseguinte, um σοφιστής é aquele que escreve e ensina porque tem especial perícia ou conhecimento para comunicar-se, mas sua σοφία é eminentemente prática, quer nos campos da conduta e política quer nas artes técnicas. Não obstante, os atenienses tendiam a desconficar de intelectuais versados, professores e coisas deste jaez, cujas qualidades sintetizam-se na palavra δεινότης com o adjetivoδεινός. Degenerando, como acontece com as palavras, no uso popularδεινότης se torna vinculada com σοφός para significar astuto ou esperto, principalmente aquele que é perito em discursos e na argumentação. Sendo assim, temos a partir de século V a.C. o adjetivo δεινός ligado expressamente a σοφιστής para ser sentido como insulto, cuja esperteza é utilizada para objetivos errados (GUTHRIE, 2007: 31-36).

A segunda metade do século V a.C. foi o tempo em que se produziu, por parte dos sofistas, uma reação contra toda especulação física. Eles teriam deflagrado uma verdadeira rebelião contra a distância e a incompreensibilidade do mundo tal como os físicos o representavam, e iniciado as investigações sobre os assuntos ligados à vida humana. Para Guthrie, isto teria ocorrido porque as teorias dos filósofos da natureza não eram satisfatórias, nem particularmente críveis, porquanto o que eles chamavam de “natureza real das coisas” era algo extremamente remoto em relação ao mundo concreto no qual as pessoas viviam. À vista disso, a natureza do mundo real resultava de pouca importância para indivíduos que tinham de lidar todos os dias com um mundo completamente distinto (Id., 2010: 74). Importa ainda considerar que apesar da oposição dos sofistas em relação às especulações dos primeiros filósofos, eles não constituíram uma escola filosófica particular. Na verdade, eles eram sobretudo mestres ambulantes, que se orientavam para os assuntos práticos da vida, motivados pelas crescentes oportunidades para tomar parte na vida política; pela insatisfação cada vez maior a respeito das doutrinas dos filósofos da natureza; e pelo crescente ceticismo acerca da validez do ensino religioso tradicional, com suas representações dos deuses toscamente antropomórficos (Ibid., 2010: 77).

Os sofistas, com efeito, não podem ser considerados membros de uma escola, posto que eram muito individualistas para admitir um mestre fundador de quem seriam seguidores. Ademais, como todo conhecimento implica na aprendizagem que depende das circunstâncias, do mestre e do discípulo, não se poderia transformar a sofística num corpo doutrinário transferível de geração a geração. Os sofistas não formaram uma corrente filosófica, mas certamente constituíram uma profissão, a qual teria o seguinte aspecto em comum: a natureza essencialmente prática dos seus ensinamentos. Aliás, um assunto em especial que pelo menos todos os sofistas praticavam e ensinavam em comum era a retórica ou arte do λόγος.Um claro exemplo da natureza prática dos ensinamentos dos sofistas é a anedota atribuída por Platão ao sofista Hípias, o qual teria se apresentado no jogos olímpicos levando coisas que ele mesmo havia fabricado (Hip. Men., 368b-c):

Sócrates – Adiante, pois, Hípias! Deixa-me levar-te a fazer um exame semelhante em todas as ciências, para te assegurares de que em nenhuma se passam as coisas de maneira diferente! Ora, tu és, entre todos os homens, o mais sábio nas mais numerosas artes, como um dia ouvi gabares-te na Ágora, quando diante das bancas do mercado, descrevias a extensão do saber que possuis! Tu afirmavas ter uma vez vindo a Olímpia, trazendo sobre o corpo coisas feitas por ti próprio, sem excepção: primeiro – pois é por aí que começavas – o anel que trazias era da tua lavra; em seguida o sinete, obra tua também; e a tua raspadeira e a tua ânfora de azeite, eram também fabricadas pelas tuas mãos. Depois, os sapatos que levavas, eras tu que tinhas moldado o couro; o teu manto, eras tu quem o tinha tecido, tal como a tua túnica. O que, enfim, em verdade, no juízo de todos, era o facto mais desconcertante e um testemunho probatório de um saber sem limites, era o cinto que tinhas na tua túnica, semelhante, dizias tu, às faixas mais sumptuosas da Pérsia, entrançado pelas tuas mãos! Não é tudo: tinhas vindo, declaravas, com um arsenal de poemas, versos épicos, tragédias, ditirambos, e uma variedade de composições oratórias em prosa.

Conforme a análise de Werner Jaeger, desde o princípio a finalidade do movimento educacional comandado pelos sofistas não era a educação do povo, mas a dos chefes.Eles foram os primeiros intelectuais a fazerem do “conhecimento” uma profissão, pois ofereciam aulas de retórica e conhecimentos gerais (poesia, música, dialética e gramática) aos jovens cidadãos da classe dirigente de Atenas que pretendiam dedicar-se à carreira política (JAEGER, 2003: 339; 342). Os sofistas ofereciam o seu conhecimento aos filhos dos aristocratas abastados ou dos novos ricos, por isso o que estavam aptos a oferecer não era, de forma alguma, uma contribuição para a educação das massas, uma vez que ofereciam um produto caro para os que estavam buscando fazer carreira na política e na vida pública em geral. A despeito disso, uma das consequências da educação oferecida por eles foi superar os privilégios da antiga educação, a qual era acessível somente aos

que tinham “sangue divino”, ou seja, a partir da sofística a educação formal não se limitava mais à nobreza de sangue, mas também se estendia a todos que podiam pagar

(Ibid., 2003: 337). E, tendo em vista que a finalidade principal da educação oferecida

pelos sofistas consistia em preparar homens para uma carreira na política, uma parte essencial da educação oferecida por eles incidia no treinamento do discurso persuasivo.

Giovanni Casertano sublinha que os institutos da democracia ateniense representavam o espaço político no qual se mediavam as tensões e lutas econômicas e sociais da sociedade grega, de modo que tal mediação política obrigava novas exigências e habilidades – a exigência de homens capazes de sustentar e de fazer prevalecer uma tese, impondo-a à maioria da assembleia e, por conseguinte, a exigência de homens que possuem uma técnica do discurso não mais ligada a uma determinada classe social. À vista disso, os sofistas se apresentavam como os “novos mestres” que poderiam satisfazer a essa nova exigência do saber falar, que não consistia numa exigência exclusivamente retórica, mas possuía um claro valor político e social (CASERTANO, 2010: 17).

A habilidade dos sofistas no domínio da arte retórica permitia, sem dúvida, conquistar uma vasta clientela entre os jovens atenienses desejosos de galgar o posto de magistrados nas assembleias, onde se tomavam as decisões políticas, e diante dos tribunais, onde ocorriam as acusações e as defesas (onde também era necessário censurar ou louvar). Assim, a importância da persuasão em Atenas na segunda metade do século V a.C. explicaria o grande êxito obtido pelos sofistas. No entanto, é certo que as qualidades essenciais de um homem de Estado não poderiam ser adquiridos pelo treinamento, porque são inatos o tato, a presença de espírito e a previsão. Por outro lado, pode-se desenvolver o dom de pronunciar discursos convincentes e oportunos, porquanto, no Estado democrático, as assembleias públicas e a liberdade da palavra tornaram-se imprescindíveis os dotes oratórios. Dessarte, toda a educação política dos chefes devia basear-se na eloquência, que se converteu na formação básica do orador, por isso é compreensível o fato de ter surgido uma classe inteira de educadores que publicamente ofereceram, por dinheiro, o ensino da virtude, que no contexto da época clássica era concebida sobretudo como aptidão intelectual e oratória (JAEGER, 2003: 340).

Não obstante, o poder atribuído à retórica no século V a.C. não teria sido exclusivamente uma descoberta da geração dos sofistas, visto que sua importância era já conhecida de Homero, e nenhum dos primeiros poetas subestimava a importância de sua própria atividade no emprego das palavras. Mas, a teoria acerca da retórica foi em grande

medida uma criação do período sofista. E, ao lado da sofística, que para Jaeger constitui um fenômeno meramente pedagógico, a retórica representaria um fenômeno de cunho político, que se orienta praticamente para o Estado, razão pela qual o ῥήτωρ continuaria ainda na época clássica a ser o nome para designar o estadista, que num regime democrático precisaria ser um orador (Ibid., 2003: 650).

Outrossim, os sofistas eram todos estrangeiros (μέτοικος) residentes em Atenas, por esse motivo estavam excluídos da vida pública e dos direitos garantidos pela posse da cidadania, razão pela qual não tiveram nenhuma oportunidade de tornarem-se figuras políticas, o que efetivamente foi compensado pelo ensino que ofertavam. Platão refere-se a isso no diálogo Defesa de Sócrates, onde Sócrates afirma que os sofistas são muito bons fazedores de discursos políticos, mas o seu hábito de andar de cidade em cidade, e não possuir uma moradia fixa, constitui uma desvantagem quando se refere ao ensino de assuntos de cidadania. Além disso, os sofistas exigiam notáveis somas de dinheiro por seus ensinamentos, a exemplo de Eveno de Paros, que cobrava o equivalente a cinco minas por suas aulas (Def. Sóc., 19e-20b).

Convém enfatizar que o ensino constituía na Grécia um modo respeitável de ganhar a vida, de modo que não havia nenhum preconceito contra ganhar a vida como tal. Os poetas eram pagos por seus trabalhos, e de artistas e intelectuais se esperava que fossem pagos por sua atividade e também por ensiná-la aos outros. Portanto, a rejeição que os sofistas sofreram parece ter-se voltado para a espécie de assunto que eles professavam ensinar, que na visão de W. K. C. Guthrie consistia especialmente na instrução da virtude (GUTHRIE, 2007: 41). G. B. Kerferd também compartilha desse ponto de vista ao sustentar não era o fato dos sofistas cobrarem honorários que desagradava a maioria, mas o fato de venderem instrução em sabedoria e virtude a todo tipo de gente, simplesmente por dinheiro. E o que agravava mais a situação consistia em que eles vendiam “sabedoria” e “virtude” a todos, sem nenhuma discriminação, posto que ao cobrarem honorários abriam mão do direito de escolher seus alunos. Esta seria, pois, a fonte da poderosa atração exercida pelos sofistas em Atenas e, talvez, a principal causa do ódio que fomentou os ataques dos autores de comédias, os processos judiciais e, finalmente, a morte do próprio Sócrates (KERFERD, 2003: 47-48). Até mesmo Isócrates, num de seus famosos discursos, critica tal aspecto da atividade dos sofistas ao declarar que eles foram tão longe em sua falta de escrúpulos que tentam persuadir os jovens de que, se estudassem apenas com eles, saberiam o que fazer na vida e, por meio desse conhecimento, se

tornariam felizes e prósperos. Além disso, embora os sofistas se estabeleçam como mestres e distribuidores de bens tão preciosos, não se envergonham de pedir a seus alunos um preço de três ou quatro minas (Contr. Sof., 3).

Para W. K. C. Guthrie, é manifesto que os sofistas não formaram uma vertente filosófica definida, mas no seu entendimento isto não significa que suas reflexões não possuíam grosso modo um conteúdo filosófico. Para ele, os sofistas compartilharam algo que com propriedade pode chamar-se uma atitude filosófica: o ceticismo e a desconfiança a respeito da possibilidade do conhecimento absoluto, que era o resultado natural do impasse a que havia chegado a filosofia natural. Todos eles, com efeito, sustentavam a ausência total de valores e princípios absolutos, e desprezavam todas as considerações teológicas. Na perspectiva deles, toda ação humana se baseava unicamente na experiência, a qual era mormente determinada por sua utilidade e eficácia. Além do mais, as noções de sabedoria, de justiça e de bondade eram concebidas como meros nomes (GUTHRIE, 2010: 78-79; 83).

Outrossim, não podendo eliminar o dilema eleático, que forçava uma escolha entre o ser e o tornar-se, a estabilidade e o fluxo, a realidade e a aparência, os sofistas acabaram por abandonar a ideia de uma realidade permanente por detrás das aparências, em favor do fenomenismo, do relativismo e do subjetivismo extremos. Eles compartilhavam da perspectiva filosófica geral do empirismo, e com este o ceticismo comum sobre a possibilidade do conhecimento certo. Eles sustentavam esta perspectiva em virtude da inadequação e falibilidade das faculdades humanas, bem como da ausência de uma realidade estável para ser conhecida. Todos igualmente acreditavam na antítese entre natureza e convenção. Divergiam ainda na avaliação do valor relativo de cada uma, mas nenhum deles sustentava que leis, costumes e crenças religiosas eram inabaláveis por estarem enraizados numa ordem natural imutável (Idem, 2007: 49).

Seguindo a mesma perspectiva interpretativa, Giovanni Casertano enfatiza que aquilo que na obra dos sofistas veio à luz pela primeira vez com clareza foi a consciência da relatividade dos valores – a consciência de que não é mais possível falar em termos de verdade absoluta, nem é mais aceita a velha figura do sábio investido de um saber divino, cuja sabedoria deve ser transmitida aos mortais. Depois do advento da sofística, a relação entre o homem e a realidade que o circunda e, por conseguinte, a própria vida humana, com suas tensões e organizações, não são mais concebidas num esquema fixo e imutável. A experiência relativista dos sofistas faz nascer também um novo sentido para a sabedoria

oficial, de modo que as cogitações físicas, astronômicas e médicas, retomadas dos antigos sábios, tornam-se menos abstratas e mais aderentes à vida concreta do homem. Os antigos, portanto, não representam mais o texto da sabedoria oficial, dos quais é preciso haurir com reverência noções e preceitos de vida. Pelo contrário, a sabedoria do homem não é mais a absorção passiva de uma tradição e dos seus ensinamentos, mas sua utilização na consciência da diversidade das épocas, dos costumes, das situações, no processo contínuo da vida humana, que é ao mesmo tempo relativa e devida somente às forças do homem. E para a formação dessa consciência relativista, contribuiu fortemente o amor dos sofistas pelas viagens e as descobertas de povos e costumes distintos, fator constante da cultura grega, mas que foi fortemente potenciado no período das guerras persianas (CASERTANO, 2010: 19-20).

Todavia, antes da conclusão da tônica sobre a posição epistemológica dos sofistas acerca da possibilidade do conhecimento humano, é pertinente o exame das considerações gerais de Victor Brochard sobre o assunto. Brochard sustenta que a passagem do dogmatismo mecanicista e materialista para o ceticismo se explica sem dificuldade. Os filósofos pré-socráticos completamente ocupados com suas investigações físicas, teriam constatado a insuficiência da experiência sensível, mas sua confiança ingênua na razão não chegou a ser abalada. A diversidade dos resultados aos quais eles chegaram teria inspirado a desconfiança em seus sucessores, e os espíritos penetrantes não tardariam a compreender que se pode dirigir contra a própria razão argumentos análogos aos que arruinaram a confiança inicialmente concedida aos dados dos sentidos. No entanto, os filósofos pré-socráticos teriam parado no meio do caminho, enquanto que os sofistas avançaram na crítica do conhecimento. À vista disso, os sofistas teriam sido pioneiros em manifestar uma postura cética diante do conhecimento; eles certamente abriram o caminho para os demais céticos, mas não foram capazes de formar uma escola filosófica. Brochard destaca ainda que os sofistas quando falavam e agiam como se não houvesse a possibilidade de apreender a verdade não se dedicavam a oferecer as razões teóricas para sustentar sua dúvida cética, por isso o seu ceticismo se caracterizava por ser eminentemente prático, porque pensavam mais em explorá-lo do que em explicá-lo. Assim, a asserção de que a verdade é incognoscível teria sido tomada pelos sofistas como um axioma que não se discute. Eles teriam negligenciado a compreensão dos princípios que fundamentam o ceticismo, buscando apenas suas aplicações práticas, tais como confundir os interlocutores, arruinar os adversários e ganhar as causas mais nefastas.

Ademais, os argumentos céticos seriam apresentados pelos sofistas sem nenhuma ordem e sem nenhum cuidado quanto ao método (BROCHARD, 2009: 29; 33).

É manifesto que a filosofia, desde a sua origem com Tales de Mileto, é permanentemente animada pela controvérsia, e todo novo avanço teórico representa amiúde uma reação contra as ideias anteriores (Met., 983b 19-21). Pode-se verificar esta atitude tanto em Platão quanto em Aristóteles, sobretudo em relação à filosofia moral e política, que na sua época estava envolta, por influência da sofística, numa atmosfera de ceticismo. E foi com o intuito de combater tal posicionamento epistemológico, o qual parecia ser intelectualmente errôneo e moralmente pernicioso, que os filósofos em apreço consagraram suas vidas. Giovanni Casertano sublinha que no século V a.C. o termo “sofista” é utilizado em Atenas num sentido mais técnico, indicando determinada figura de sábio, de intelectual, porém, no século IV a.C. o termo adquire, especialmente por influência de Platão e Aristóteles, um sentido mais exato e próprio, distinguindo-se do termo “filósofo”, e obtendo por conseguinte uma caracterização negativa, a qual teria sido conservada até os dias atuais. Ele enfatiza, com efeito, que ser sofista é sinônimo de homem sagaz, pronto para sustentar uma tese, indiferentemente, bem como a tese contrária; ardiloso, mais ou menos pedante e mais ou menos de má-fé; homem que “adultera” discursos com excessivas sutilezas, que se agarra teimosa e arrogantemente a toda palavra ou conceitos expressos por seu interlocutor e sobre cada um deles tem o que falar, pelo mero prazer de contradizer; homem fraudulento, que recorre a todos os truques e artimanhas da linguagem para ter sucesso na discussão, ou simplesmente para ser aplaudido pelo auditório; por fim, ser sofista é ser um homem aborrecedor, que não tem nada a dizer e que apesar disso não faz outra coisa senão falar (CASERTANO, 2010: 9). A hostilidade de Platão em relação aos sofistas é notória e sempre foi reconhecida.