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Apesar de Sócrates reconhecer em seu discurso a eficácia persuasiva dos recursos retóricos empregados pelos oradores de sua época, nem por isso ele deixa de rejeitá-los, conforme enfatizado acima. Aristóteles, por sua vez, sustenta que os recursos retóricos jamais devem ser negligenciados por qualquer orador judicial, ponderando que a prática da arte retórica, com todos os seus ornamentos, não contradiz necessariamente a justiça e a verdade. Na visão de Aristóteles, ao argumento de que o uso injusto (χρώμενος ἀδίκως) da arte retórica pode provocar graves danos, pode-se objetar que o mesmo argumento pode se aplicar a todos os bens que existem – sobretudo os mais úteis aos seres humanos, como a força, a saúde, a riqueza e o talento militar – os quais, se utilizados adequadamente, poderão ser muito úteis para o benefício da cidade e, se utilizados de maneira inadequada, poderão causar àquela enorme prejuízo. Diz ele (Ret., 1355b 4-10):

Se alguém argumentar que o uso injusto dessa faculdade da palavra pode causar graves danos, convém lembrar que o mesmo argumento se aplica a todos os bens, exceto à virtude, principalmente aos mais úteis, como a força, a saúde, a riqueza e o talento militar; pois, sendo usados justamente, poderão ser muito úteis, e, sendo usados injustamente, poderão causar grande dano.

De acordo com a definição elaborada por Aristóteles, a arte retórica consiste na capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com a finalidade de persuadir, e esta não é a função de nenhuma arte, porque cada uma das outras artes é apenas instrutiva e persuasiva nos campos de sua competência, mas a retórica parece ter a faculdade de descobrir os meios de persuasão sobre qualquer assunto (Ibid., 1355b 32-42):

Entendemos por retórica a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir. Esta não é seguramente a função de nenhuma outra arte; pois cada uma das outras é apenas instrutiva e persuasiva nas áreas de sua competência; como, por exemplo, a medicina sobre a saúde e a doença, a geometria sobre as variações que afetam as grandezas, e a aritmética sobre os números; o mesmo se passando com todas as outras artes e ciências. Mas a retórica parece ter, por assim dizer, a faculdade de descobrir os meios de persuasão sobre qualquer questão dada.

Desse modo, a arte retórica não parece se identificar com a simples faculdade de persuadir18, mas essencialmente é a arte de encontrar os meios de persuasão que cada caso comporta. O orador não é capaz de persuadir qualquer pessoa acerca de qualquer assunto, mas pode sempre ver o que será persuasivo nas circunstâncias dadas, sem nada omitir. A atividade do médico, por exemplo, nada pode realizar para os doentes incuráveis, tampouco a estes pode prometer a cura, mas pode propiciar aos pacientes todas as oportunidades para curar-se. Similarmente, a atividade do orador consiste em descobrir os meios disponíveis para promover a persuasão, embora ele não seja capaz de persuadir a todos. Escreve Aristóteles (Ibid., 1355b 11-19):

É, pois, evidente que a retórica não pertence a nenhum gênero particular definido, antes se assemelha à dialética. É também evidente que ela é útil e que a sua função não é persuadir mas discernir os meios de persuasão mais pertinentes a cada caso, tal como acontece em todas as outras artes; de fato, não é função da medicina dar saúde ao doente, mas avançar o mais possível na direção da cura, pois também se pode cuidar bem dos que já não estão em condições em recuperar a saúde.

Diferentemente do que parece propor Sócrates no proêmio de seu discurso judicial ao estabelecer a oposição entre a persuasão e a verdade, para Aristóteles, a persuasão ligada à técnica retórica, pode ser ética e politicamente útil (χρήσιμος). A arte da persuasão pode ser útil porque, em que pese a verdade e a justiça sejam por natureza mais fortes que seus contrários, se os juízos não se fizerem como convém, a verdade e a justiça serão necessariamente vencidas pelos seus opostos, e isto é censurável (Ibid., 1355a 28- 32). Por essa razão, o emprego das técnicas retóricas que visam a persuasão dos ouvintes, jamais deve ser negligenciado ou omitido por qualquer orador bem-intencionado.

Para Aristóteles, a verdade (ἀλήθεια) consiste sumariamente em afirmar aquilo que é e negar aquilo que não é. O falso (ψεῦδος), por sua vez, consiste em dizer que o ser não é ou que o não-ser é. Por conseguinte, quem diz de uma coisa que é ou que não é, ou afirmará o verdadeiro ou afirmará o falso (Met., 1011b 25-28). Aristóteles também afirma que o ser verdadeiro e falso das asserções é função do modo como nelas se une ou separam suas partes, de sorte que estará na verdade quem considera separadas as coisas que, efetivamente, são separadas e unidas as coisas que, efetivamente, são unidas. Em

18 Ao rejeitar a noção de que a retórica consiste stricto sensu na arte de persuadir, Aristóteles parece

reportar-se à concepção defendida por Górgias no diálogo homônimo de Platão (Górg., 453a) onde o sofista define a retórica como πειθοῦς δημιουργός, ou seja, como artífice da persuasão (ῥητορικὴν ἥντινα τέχνην ἡγῇ εἶναι, καὶ εἴ τι ἐγὼ συνίημι, λέγεις ὅτι πειθοῦς δημιουργός).

contrapartida, estará no erro quem considerar unido o que está separado ou separado o que está unido. Além disso, Aristóteles assevera que o entendimento do que uma coisa é precisa estar de acordo com o que de fato ocorre na realidade, e isto garantiria ou atestaria a apreensão do verdadeiro (Sob. alm., 420b 27-28). Por exemplo, algo não pode ser considerado branco pelo fato de alguém simplesmente afirmar que é branco, mas pelo fato de ser branco na realidade, é possível afirmar que é branco, e isto implicaria na posse da verdade (Ibid., 1051b 1-10).

Para o Estagirita, uma proposição é verdadeira se e somente se corresponder aos fatos, pois se for verdadeira, ela se verifica quer se afirme ou não que ela seja verdadeira. E, se ela é falsa, não se verifica quer se afirme ou não que ela seja falsa. Segundo essa perspectiva, a verdade seria uma forma de correspondência entre as representações de afirmação de fatos e os estados de coisas existentes, de modo que a relação produtora de verdade entre o discurso e as coisas, que articula o modo como estas fazem aquele ser verdadeiro, dependeria do correspondente ontológico. Assim sendo, a verdade filosófica consiste no reconhecimento da realidade ontológica, é dizer as coisas como efetivamente são, é afirmar aquilo que existe na realidade. No entanto, convém frisar que diante da inexequibilidade de se obter na prática retórica uma verdade absoluta, Aristóteles propõe contentar-se com o verossímil (εἰκός), pois ainda que não exista em relação a um determinado assunto a verdade absoluta, existe certamente algo mais seguro e mais verídico(Met., 1008b 31-1009a 5). No âmbito da arte retórica, o εἰκός19 é tanto o discurso que enuncia o estado de coisas, como o próprio estado de coisas. Por um lado é uma “proposição geralmente admitida”, isto é, um discurso, e por outro é “aquilo que sabemos que ocorre a maior parte das vezes”, que corresponderia aos fatos. Com efeito, o enunciado é verossímil porque emite a opinião dos homens ao testemunhar um fato provável, que pode ser tanto social como natural. Desse modo, o discurso retórico não está apartado do estado de coisas ou da realidade, pois se é possível um discurso verossímil, é por causa de um fato, que ocorre a maior parte das vezes, que neste caso recebe a denominação de provável (YAMIN, 2016: 149-153).

A justiça(δικαιοσύνη)20, por sua vez, designa uma disposição intermediária, uma reta medida. A justiça é, então, uma certa posição intermédia (μεσοτéς), mas não do

19 O conceito aristotélico de εἰκός será ulteriormente objeto de um estudo à parte, mais pormenorizado, que

incluirá uma análise comparativa entre as premissas retóricas e as premissas científicas.

20 Em comparação com as demais virtudes éticas o Estagirita dedica especial atenção à justiça, a qual é

concebida por ele não como um valor transcendente, como queria Platão, mas como uma virtude humana. Para tanto, ele distingue a justiça concebida num sentido mais amplo, de síntese de todas as virtudes (Ét.

mesmo modo que o são as demais virtudes éticas, como a temperança ou a coragem. A injustiça, inversamente, é determinada pela violação do princípio de proporção, pois se a justiça é uma posição intermédia, a injustiça (ἄδικος) corresponde aos dois limites extremos (Ét. Nic., 1133b 30-1134a 2). E uma vez que a posição intermédia corresponde à virtude em geral, a justiça torna-se a virtude mais importante e admirável, a ponto de ser considerada por Aristóteles a mais completa(τέλειος) das virtudes (Ibid.,1129b 5). A justiça é a mais completa porque o indivíduo que a possui tem o poder de a usar não apenas para beneficiar-se a si mesmo, mas também para beneficiar a cidade (Ibid., 1129b 30-35). Desse modo, a ação justa em geral beneficia a todos, incluindo aqueles que a realizam, pois quando todos se empenham em fazer o que é justo e se esforçam para fazer as coisas mais justas, a comunidade ganhará tudo o que deve e cada indivíduo ganhará o maior dos bens, uma vez que é isto o que é a virtude. E ao escolher deliberadamente o uso da virtude mais completa por ela mesma, a pessoa virtuosa está deliberadamente escolhendo o que beneficia os outros, pois as ações que manifestam a justiça beneficiam tanto o agente que as realiza como todos os outros na comunidade política. A justiça, pois, é a única virtude que é um bem que pertence a outrem, uma vez que envolve uma relação com outrem21, ou seja, produz pela sua ação o que é de interesse para outrem, seja esse alguém um superior ou um igual. Inversamente, a injustiça é considerada o pior vício de todos, a mais completa perversão (ὅλη κακία), porque constitui um mal para o indivíduo que o possui e também para outrem (Ibid., 1130a 5-10).

Outrossim, Aristóteles assegura que em relação às pessoas, a justiça é definida de duas maneiras, porquanto o que se deve e não se deve fazer é definido, ora em relação à comunidade, ora em relação a um de seus membros. Isto posto, é possível cometer a injustiça e praticar a justiça de duas maneiras: em relação a um determinado indivíduo e em relação à comunidade política. Pois, quem comete adultério ou fere alguém comete

Nic., 1139b 30), à maneira de Platão, e a justiça como virtude particular. Esta é definida por Aristóteles

como uma posição intermédia, mais precisamente como uma forma de igualdade, intermediando duas opostas desigualdades. Todavia, a igualdade pode existir entre desiguais, que nesse caso vai consistir numa igualdade de relações, ou seja, em uma certa proporção: ao se tratar de distribuir honras entre seres humanos com méritos desiguais, tal igualdade vai consistir no ato de dar a cada um conforme os seus méritos, que Aristóteles designa de justiça distributiva (Ibid., 1131a 10-1131b 25). Ao se tratar de corrigir ofensas a igualdade vai consistir no ato de ressarcir a parte prejudicada em medida igual ao dano sofrido, que recebe o nome de justiça corretiva (Ibid., 1131b 25-1132b 20). Ele também enfatiza a necessidade de retificar a justiça legal através da equidade, quando a universalidade da lei não for capaz de considerar os casos particulares a que se aplica, a qual recebe o nome de justiça equitativa (Ibid., 1137b 1- 1138a 5).

21 A noção de que a δικαιοσύνη é útil tanto para o indivíduo quanto para a cidade já está presente no

pensamento de Platão (Rep., 333d): “E, quando se tem de manter guardada uma foice, a justiça é útil tanto

injustiça contra um dos indivíduos, mas os que não cumprem os seus deveres militares cometem-no contra toda a comunidade política (Ret., 1373b 23-31). Aristóteles enfatiza também que a justiça parece ser a mais desejável das virtudes, por ser ela útil em todas as ocasiões, eventualmente dispensando outras. Ele pondera que , dentre duas coisas, aquela que, se todos a possuíssem, tornaria desnecessária a outra é mais desejável do que aquela que todos poderiam possuir e, mesmo assim, sentir falta da outra. Considerando-se o caso da justiça e da coragem (ανδρεία), se todos fossem justos, não haveria necessidade de coragem, ao passo que, se todos fossem corajosos, ainda assim haveria necessidade de justiça (Tóp., 117a 35-40).

Tendo em conta que a verdade e a justiça são por natureza mais fortes que seus contrários, e sendo evidente que os recursos retóricos podem favorecer as causas injustas, então, muito mais eficazmente os mesmos recursos podem favorecer as causas justas. Assim, sob o ponto de vista do método retórico elaborado por Aristóteles, não somente Sócrates, mas também todo orador judicial deveria sem constrangimento se utilizar de todas as estratégias retóricas possíveis para livrar-se da condenação e estabelecer a verdade dos fatos. Na visão de Aristóteles, o orador é um homem que examina sua situação concreta e a ela aplica sua arte para fazer um inventário das possibilidades existentes a fim de obter a persuasão da audiência. Enquanto está ocupado com tal inventário, ele pode atuar sem nenhum compromisso ético, à maneira dos sofistas, posto que a retórica é uma arte moralmente neutra. No entanto, Aristóteles não adota essa postura para o seu método, pois para ele a arte retórica, para ser completa, precisa ter em conta premissas retiradas da ética e da política, ou seja, tais premissas devem expressar o compromisso do orador com a escolha moral(προαίρεσις).

Pode-se assegurar, então, que o compromisso ético da arte retórica – estabelecer a verdade e a justiça na cidade – justificaria o emprego de todos os expedientes disponíveis para obter a persuasão. Ademais, como observa E. M. Cope, a natural superioridade da verdade e da justiça sobre a falsidade e a injustiça culmina por pautar que o bom uso da arte retórica deve corroborar tal superioridade. Isto porque, visto que as decisões judiciais são sempre suscetíveis de serem influenciadas por argumentos falaciosos, cumpre à boa retórica trazer a verdade à luz, detectar e expor o engano e os sofismas, e debelar a perversão da verdade e da justiça. E, se porventura os maus oradores acabam prevalecendo sobre os oradores honestos é porque estes não conseguiram aproveitar-se do poderoso instrumento da técnica retórica. Enfim, se aqueles que têm a verdade e a

justiça ao seu lado são derrotados (tanto nos tribunais quanto nas assembleias), sua derrota se atribui à sua própria negligência em relação ao bom uso da arte retórica (COPE, 2006: 22-23).

Conforme já examinamos, a retórica constitui a contraparte da dialética, pois ambas se ocupam de questões mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e não se relacionam a nenhuma ciência específica. Assim, todas as pessoas participariam de alguma forma de ambas as disciplinas, porque todas elas procuram eventualmente questionar e sustentar um argumento, defender ou acusar (Ret., 1354a 1-7). Mas, apesar de ser uma faculdade (δύναμις) neutra, a dialética não deve ser empregada indiferentemente na defesa de teses opostas. Pelo contrário, ela deve estar a serviço da verdade, contra a sabedoria aparente dos sofistas que privilegiam a erística (ἐριστική) em vez da dialética, que fazem da arte do debate uma atividade que busca a vitória às custas da verdade (Met., 1004b 15-25). Todavia, em adição à habilidade intelectual, a dialética também exige de seus praticantes uma disposição ética – o dialético tem de trazer consigo a prontidão de escolher o verdadeiro em detrimento do falso(Tóp., 163b 10-20):

Além disso, como contribuição para o saber filosófico, o poder de discernir e trazer diante dos olhos as consequências de uma e outra de duas hipóteses não é um instrumento para se desprezar: porque então só resta escolher acertadamente entre as duas. Para uma tarefa desta espécie requer-se uma certa habilidade natural; aliás, a verdadeira habilidade natural consiste precisamente no poder de escolher o verdadeiro e rejeitar o falso. Os homens que possuem essa habilidade são capazes disso, pois, graças a um instintivo agrado ou desagrado em face de tudo que se lhes propõe, eles escolhem corretamente o que é melhor.

E, tendo em vista que a arte retórica é uma forma de argumentação comparável à dialética, é manifesto que a probidade moral que caracteriza o dialético também deve estar presente na atividade do orador. Dentre as aptidões que são inerentes à atividade do orador existe a capacidade de argumentar persuasivamente sobre coisas contrárias, mas ele nunca deve fazer uma e outra coisa, porque o orador jamais deve persuadir as pessoas a praticar o que é imoral. Aliás, a capacidade de argumentar persuasivamente sobre coisas contrárias é útil para que não escape ao orador o real estado da questão e para que seja possível refutar os argumentos daqueles que argumentam contra a justiça. Isto posto, o Estagirita concebe uma utilização eticamente boa da arte retórica por desejável e confia a ela o poder de fortalecer a virtude dos cidadãos (Ét. Nic., 1179b 5-10). Outrossim, convém enfatizar que para Aristóteles seria um absurdo que a incapacidade de defesa física fosse

vergonhosa, e não o fosse a incapacidade de defesa verbal, tendo em vista que esta caracteriza mais o homem do que o uso da força física (Ret.,1355a 35-41; 1355b 1-3):

Além disso, é preciso ser capaz de argumentar persuasivamente sobre coisas contrárias, como também acontece nos silogismos; não para fazer uma e outra coisa – pois não se deve persuadir o que é imoral – mas para que não nos escape o real estado da questão e para que, sempre que alguém argumentar contra a justiça, nós próprios estejamos habilitados a refutar os seus argumentos. [...] Além disso, seria absurdo que a incapacidade de defesa física fosse desonrosa, e não o fosse a incapacidade de defesa verbal, uma vez que esta é a mais própria do homem do que o uso da força física.

Além da disposição ética que indica que o orador jamais deve persuadir as pessoas a praticar o que é imoral, masfortalecer a virtude da sua audiência, convém levar em consideração o seu caráter moral (ἦθος), em conexão com as qualidades que o tornam persuasivo sem a necessidade de argumentos racionais. No que concerne ao ἦθος do orador, a persuasão se efetiva quando o discurso é realizado de tal forma a tornar o orador digno de crédito (Ibid., 1356a 5-7), pois se orador parecer confiável, o público irá formar o juízo de que as proposições apresentadas são igualmente confiáveis. Assim, o público estará inclinado a transferir para o conteúdo do discurso a credibilidade (ἀξιόπιστον) pertencente ao caráter do orador, e isto ocorre amiúde nos assuntos em que não é possível obter nenhum conhecimento exato, mas margem para dúvidas(Ibid., 1356a 7-10). Por certo, em decorrência da moralidade que exibe para o seu auditório, o orador adquire um reservatório de argumentos e de respostas que veicula implicitamente. As virtudes éticas, a boa conduta e a confiança que o orador aparenta possuir conferem-lhe uma autoridade em relação aos assuntos que pronuncia, principalmente sobre assuntos de difícil solução. Dessarte, o ἦθος, que constitui a ética do orador, sua moralidade, se transforma num princípio de autoridade que em alguns contextos se torna um critério para elucidar uma questão controversa (MEYER, 2007: 34-36).

Aristóteles menciona a tese do filósofo Eudoxo acerca do bem, a qual se tornou persuasiva não tanto pelos argumentos que veiculava, mas pela virtude do seu caráter. Eudoxo pensava que o prazer era o bem, pelo fato de ver todos os seres, tanto racionais como irracionais, tenderem para ele, e porque em todas as coisas aquilo para que se dirige a escolha é sempre o melhor de tudo. O fato de tudo se movimentar numa mesma direção parecia indicar a ele que o prazer constitui o melhor de tudo para todos os seres. Sendo assim, seria o prazer o objetivo final que todos se esforçam por obter, razão pela qual ele

seria o bem supremo. Aristóteles enfatiza que essas concepções filosóficas tornaram-se convincentes mais pela excelência do caráter de Eudoxo do que pelo teor de sua argumentação, já que Eudoxo era tido por alguém extraordinariamente temperado, dando a impressão de falar, não enquanto amigo do prazer, mas como as coisas se passam verdadeiramente na realidade (Ét. Nic., 1173a 10-20).

No entanto, isto não significa que o ἦθος do orador por si só seja suficiente para determinar a persuasão, pois é necessário que a confiança no discurso seja fundamentalmente o resultado da argumentação entimemática, e não de uma prévia opinião acerca do caráter do orador. Escreve Aristóteles sobre este assunto (Ret., 1356a 5-15):

Persuade-se pelo caráter quando o discurso é proferido de tal maneira que deixa a impressão de o orador ser digno de fé. Pois acreditamos mais e bem mais depressa em pessoas honestas, em todas as coisas em geral, mas, sobretudo nas que não há conhecimento exato e que deixam margem para a dúvida. É, porém, necessário que esta confiança seja resultado do discurso, e não de uma opinião prévia sobre o caráter do orador; pois não se deve considerar sem importância para a persuasão a probidade do que fala, como, aliás, alguns autores desta arte propõem, mas quase se poderia dizer que o