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CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROPORCIONALIDADE

2.1 Aspectos Históricos da Proporcionalidade

Inúmeros conceitos matemáticos que são utilizados na resolução de problemas atuais surgiram na antiguidade. Caso igual ao da proporcionalidade, com grandes aplicações, hoje em dia, em diversas áreas do conhecimento e na resolução de problemas cotidianos.

De acordo com textos e documentos analisados por historiadores da Matemática, já havia registros relacionados às proporções no Papiro de Rhind, ou Papiro de Armes, um texto matemático datado de 1650 a.C e que trazia informações referentes à matemática egípcia antiga (EVES, 2004).

Segundo Boyer (1974), nesse papiro há registros de problemas aritméticos, envolvendo objetos concretos relacionados às situações práticas do dia a dia, cujas soluções mostram evidências do conhecimento e uso do algoritmo que se assemelha ao que hoje se chama regra de três. Um exemplo disso é a resolução apresentada para o problema 72, que indaga sobre o número de pães de “pesu” (densidade do grão) 45 que é equivalente à 100 pães de “pesu” 10. A solução 450 pães é encontrada a partir da resolução da expressão

Outros problemas, segundo Gonçalves (2010), envolvendo proporção que constam no papiro de Rhind são citados por Boyer (1974) como sendo problemas algébricos. Estes não mencionam objetos concretos específicos, nem fazem apelo às operações ou números conhecidos. Trata-se de problemas com incógnitas denominadas aha. Um exemplo retratado por Boyer é o problema 24 que solicita o valor de aha, sabendo que aha mais um sétimo de aha dá 19. A solução proposta é encontrada por meio do “método da falsa posição”, segundo o qual se atribui um valor qualquer para aha e, após a realização das operações indicadas no problema, compara-se o valor encontrado com o resultado que se deseja e, usando o conceito de proporção durante a resolução, chega-se à resposta correta.

No campo da Geometria, os egípcios chegaram a uma fórmula para a área do círculo a partir da proporcionalidade entre a área do quadrado de lado igual ao diâmetro do círculo e a área do octógono inscrito nesse quadrado. Tal fórmula não difere muito da área do círculo atualmente usada.

A história antiga da Matemática ainda mostra outros povos que fizeram usos das proporções. Eves (2004) diz que, há mais de mil anos da era cristã, os babilônios tinham conhecimento de que os lados correspondentes de dois triângulos retângulos semelhantes eram proporcionais.

Na Matemática da Grécia antiga, os pitagóricos também faziam uso do raciocínio proporcional, mas sua concepção das proporções foi desconsiderada quando da descoberta das grandezas incomensuráveis. Até então, os pitagóricos acreditavam que, dados dois segmentos quaisquer, sempre existia um segmento que “cabia” uma quantidade inteira de vezes em cada um dos segmentos considerados, ou seja, que os segmentos eram comensuráveis. Ainda é atribuído aos pitagóricos o estudo das médias e o uso da proporção áurea, o que fez os historiadores cogitarem sobre a hipótese de que os pitagóricos possuíam uma teoria de proporções para se trabalhar com números.

Segundo Eves (2004), no livro V dos Elementos, Euclides registra de forma organizada a teoria das proporções de Eudoxo. Expõe a definição de proporção na definição 5:

Diz-se que grandezas estão na mesma razão, a primeira para a segunda e a terceira para a quarta quando, tomando-se equimúltiplos quaisquer da primeira e da terceira e equimúltiplos quaisquer da segunda e da quarta, os primeiros equimúltiplos são ambos maiores

que, ou ambos iguais a, ou ambos menores que os últimos equimúltiplos considerados em ordem correspondentes (EUCLIDES, s/d apud EVES, 2004, p.173)

Utilizando a linguagem simbólica que a Matemática passou a adotar ao longo dos tempos, a definição proposta por Eudoxo pode ser escrita do seguinte modo: = se, e somente se, dados os inteiros m, n sempre que , então se , então ; se , então .

No livro V, Euclides ainda apresenta a definição de grandezas proporcionais, (def. 6), no qual afirma que “as grandezas, que têm entre si a mesma razão, se chamam proporcionais” (EUCLIDES, s/d apud COMMANDINO, 1944, p. 75). No livro VI dos Elementos de Euclides, encontra-se a aplicação das proporções eudoxianas à Geometria Plana. Nele, são apresentados os teoremas fundamentais da semelhança de triângulos, a construção de terceiras, quartas e médias proporcionais, a proposição que afirma que a bissetriz de um ângulo de um triângulo divide o lado oposto em segmentos proporcionais aos outros dois lados, entre outras afirmações.

Além da aplicação à Geometria, a teoria das proporções foi aplicada aos números. De fato, conforme mostra Araújo et al (2005, p. 9), no livro VII, Euclides apresenta a seguinte definição nomeada como definição 20: “Números são proporcionais quando o primeiro é o mesmo múltiplo, ou a mesma parte, ou as mesmas partes, de um segundo número, que o terceiro é do quarto”. A proposição 19 também trata de proporção relacionada aos números:

Se quatro números são proporcionais, então o número originado pelo primeiro e o quarto é igual ao número originado pelo segundo e o terceiro; e, se o número originado pelo primeiro e o quarto é igual ao número originado pelo segundo e o terceiro, então os quatro números são proporcionais (ARAÚJO et al., 2005, p. 16).

A proposição 19 é hoje conhecida como a propriedade fundamental das proporções. Usando a simbologia atual, tem-se o seguinte enunciado: se a:b = c:d, então a.d = b.c e, se a.d = b.c, então a:b = c:d.

Boyer (1974) constatou que a teoria das proporções de Euclides foi substituída pela teoria de Omar Khayyman que, ao propor um método numérico em substituição ao método anterior, se aproximou muito das noções de números

irracionais, e lidou com o conceito de um tipo de número que hoje representa o conceito de número real.

Tradicionalmente, os problemas que envolvem proporções nos quais são conhecidos três valores e deseja-se determinar um quarto valor, são resolvidos por um processo prático denominado regra de três e que, supostamente, surge das noções apresentadas na proposição 19 do livro VII dos Elementos de Euclides. Por exemplo, empregando a simbologia atual da Matemática, verifica-se que dados a,b,c conhecidos e x o desconhecido, tem-se que a.b = c.x. No entanto, a regra de três só veio a ser associada às proporções no final do século XVI (Eves, 2004). Anteriormente, a regra de três era puramente verbal, não sendo expressa por nenhum tipo de fórmulas ou equações.

Boyer (1996) destaca que a produção matemática chinesa mais importante foi o livro Chui-Chang-Suan-Shu ou Nove Capítulos sobre a Arte Matemática (250 a.C.). Nele são apresentados 246 problemas sobre medidas de terras, agricultura, sociedade, engenharia, impostos dentre outros exemplos, onde alguns podiam ser resolvidos por regra de três. A análise dos problemas revela que a regra de três já era usada na resolução de problemas de interesse de grupos sociais.

Em seus trabalhos, Smith (1958) e Ávila (1986) mostram que a regra de três foi usada em transações comerciais durante vários séculos. Nesse sentido, Garding (1981) ressalta que:

Pouco depois da invenção da imprensa apareceram muito compêndios de aritmética elementar, alguns deles tratando também de frações e de matemática comercial, em particular da equivalência de moedas, de problemas de partilhas e taxas de juros. O fato que x = a.b/c resolve a equação a.b = c.x (regra de três) mostrou ser extremamente útil. Um escritor chama-lhe a regra de ouro alegando que “é tão valiosa que ultrapassa as outras regras, assim como o ouro ultrapassa os outros metais” (GARDING, 1981, p. 290).

Outro fato histórico sobre as proporções deve-se ao italiano Leonardo de Pisa, também conhecido como Fibonacci. Em seu livro denominado Liber Abaci, publicado em 1202, encontra-se um problema envolvendo regra de três, e que Eves (2004, p. 316) descreve com o seguinte enunciado: “Certo rei envia 30 homens a seu pomar para plantar árvores. Se eles podem plantar 1000 árvores em 9 dias, em quantos dias 36 homens plantariam 4400 árvores?”.