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ASPECTOS POLÍTICOS E ECONÔMICOS DA GASOLINA: O MODELO RENTISTA

3. EFEITOS DA INSERÇÃO DA VENEZUELA NO MERCOSUL

3.6. ASPECTOS POLÍTICOS E ECONÔMICOS DA GASOLINA: O MODELO RENTISTA

Durante o governo do general Juan Vicente Gomez (1899-1935), a exploração petroleira assumiu o status de principal atividade produtiva da Venezuela. No início da década de 1920 os recursos provenientes da produção de petróleo ultrapassaram os de outras atividades produtivas da economia venezuelana até aquele momento, como o café, o cacau e outros artigos do setor primário. A essa época promoveu-se uma grande abertura para os investimentos de empresas transnacionais, com resultados amplamente favoráveis a elas. Assim, a exploração do petróleo promoveu uma mudança na base produtiva do país, além de inseri-lo na cena econômica mundial. Contudo, para manter-se por tanto tempo no poder (quase 36 anos) o general Gomez precisou criar um sistema político capaz de sustentar seu governo, fundado em quatro premissas básicas: Estado forte e concentrador, tendo como

127 HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andrea Ribeiro. Organizações Internacionais: história e práticas. 2ª tiragem, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 202-203.

suporte uma rede clientelista baseada em favores públicos a agentes privados e tendo, como contrapeso, a obtenção de obrigações e lealdades políticas; carência de instituições que intermediassem as relações entre os setores privados e o setor público do país; grande força política dos conglomerados comercial-financeiros em contrapartida a uma grande fragilidade política dos proprietários rurais na Venezuela. Essas características moldaram a política e a economia local no período de emergência da exploração petroleira e certamente ditaram os rumos desta atividade até ao longo dos anos128.

Imune a grande crise mundial de 1929, vez que o preço do petróleo à época se manteve estável, setores da economia venezuelana não resistiram à intensa entrada de capital estrangeiro decorrente das exportações do hidrocarboneto, ocasionando uma grande desvalorização do dólar no ano de 1935, que culminou na desestruturação do grupo agroexportador local, em consequência da perda de competitividade no mercado internacional. Em 1920 a exportação de bens não petroleiros representava 38,3% do total das vendas para o comércio externo, já no ano de 1950 não passava dos 16%. Se por um lado a desvalorização do dólar prejudicou o setor produtivo local, por outro favoreceu o acúmulo de recursos a quem estava diretamente ligado à exploração do petróleo, nesse caso, o Estado venezuelano, passando a dispor de uma maior monta de recursos129. A partir deste momento a economia da Venezuela começou a definir o seu modelo de desenvolvimento rentista130, responsável pelos rumos que tomou este país131.

Na prática venezuelana, assim se caracterizou o rentismo: o estado, proprietário das reservas de petróleo, recebia royalties pela exploração das empresas transnacionais que detinham a concessão de explorar; estes recursos, que não dependiam da produtividade interna (uma vez que eram gerados apenas com a exportação do petróleo) eram utilizados pelo governo como forma de comandar as massas, muitas vezes através de medidas populares,

128 LOPES, Ademil, L. O Governo Chávez e o Ensaio de Superação do Rentismo Venezuelano: Do Nacionalismo Bolivariano ao Socialismo do Século XXI. (Tese de doutorado), apresentada no Programa de

Pós-graduação em Sociologia, Universidade Estadual Paulista (UNESP). Araraquara, 2011.

129 Com a desvalorização do dólar e consequente valorização do Bolívar, as empresas transnacionais que exploravam o petróleo venezuelano se viram obrigadas a internalizar uma maior quantidade de dólares, enchendo os cofres do Tesouro Nacional.

130 O modelo rentista é a terminologia utilizada para designar países, algumas vezes não democráticos, que asseguram o mínimo de bem estar da população graças ao ingresso derivado de atividades econômicas não produtivas, como a exploração indireta do petróleo, sem que haja uma diversificação da produção em outras áreas da economia. Parte da doutrina entende que esta prática permite limitar as liberdades públicas por governos ditatoriais, evitando a aparição de grandes grupos sociais descontentes com o regime e vigor. A origem do termo está diretamente ligada á consolidação das monarquias absolutas e regimes ditatoriais dos países árabes do Golfo Pérsico, durante as décadas de 60 e 70 do século que passou.

131 LOPES, Ademil Lucio. História, Instituições e Rentismo: Entraves ao desenvolvimento econômico venezuelano, Brazilian Journal of International Relations, Edição quadrimestral, Volume 2, Edição n° 1, 2013, p. 119.

enfraquecendo o setor produtivo e permitindo a manutenção do sistema político (autoritário e ditatorial) que se instalou àquela época.

Ao longo da década de 1940 iniciaram-se debates sobre a necessidade de diversificar a economia local, utilizando os recursos petroleiros para internalizar uma estrutura produtiva capaz de atender boa parte da demanda interna, diminuindo gradativamente a dependência da exploração do petróleo e da intensa compra de produtos importados. A essa época foram lançados programas de apoio ao crédito, subsídios à atividade industrial e fechamento da economia com o intuito de desenvolver o setor local. Todavia, a alternância de poder que se instalou na política venezuelana acabou por desarticular esses incentivos e um longo período de dormência se instalou no setor produtivo deste país. A distribuição dos recursos provenientes da exploração do petróleo pautou-se por aspectos puramente políticos, esquecendo o viés econômico indispensável ao desenvolvimento. Os recursos eram destinados aos seguidores políticos dos governantes, mediante o critério da lealdade, muitas vezes sendo utilizados no financiamento de campanhas por parte das empresas beneficiadas. O tráfico de influências foi o responsável pela concessão de crédito barato a determinados grupos, que obtinham vantagens nas importações de insumos e tecnologia, e recebiam proteção tarifária por parte do governo132.

Em resposta a essa realidade o governo venezuelano iniciou, durante a década de 1960, o Processo de Substituição de Importações (PSI). O conjunto de medidas adotadas pelo governo permite dividir o PSI em duas etapas: a primeira no período de 1963-1973 e a segunda de 1973 ao início dos anos 80. A primeira fase consistiu no estímulo à atividade industrial local, com a elevação do protecionismo comercial por meio de barreiras comerciais tarifárias, quotas de importações de bens e isenção de impostos, além do incentivo ao consumo de bens produzidos internamente. O segundo momento do PSI deveu-se ao grande aumento do preço do petróleo durante a década de 70, que resultou no grande aumento de renda por parte do governo venezuelano. A esse período se sucedeu a nacionalização da indústria petroleira com a criação da empresa Petróleos de Venezuela S.A, permitindo ao Estado controlar toda a renda gerada pela exportação do petróleo.

A crise do petróleo133, que ao invés de ser utilizado como força motriz para o desenvolvimento de outras atividades econômicas locais, acabou por aprofundar a

132 LOPES, Ademil Lucio, op. cit., pp. 120-121.

133 A crise do petróleo foi desencadeada num contexto de déficit de oferta, durante a década de 1970, com o início do processo de nacionalizações e de uma série de conflitos envolvendo os produtores árabes da OPEP, como a guerra dos Seis Dias (1967), a guerra do Yom Kipur.

dependência da economia em relação aos hidrocarbonetos, mantendo desacordado o setor produtivo nacional. Com a queda dos preços134 na década seguinte (segunda metade da década de 80) a economia venezuelana entrou em colapso, vez que todos os demais setores dependiam da atividade petroleira.

As vulnerabilidades no contexto internacional mostram quão sensíveis é o setor que exige respostas urgentes dentro de uma estrutura política. As perguntas surgem imediatamente para avaliarem as repercussões ocasionadas em outros países, os custos financeiros, a magnitude desses custos e o reflexo na vida da população. A sensibilidade da interdependência é criada mediante interações dentro de um marco de políticas135.

Discutia-se a menor variabilidade dos fluxos comerciais da Venezuela com a Colômbia e o Brasil, e no que se referem aos blocos econômicos, os fluxos comerciais menos voláteis expressavam os negócios com o Mercosul. O comércio da Venezuela com a Colômbia, no âmbito da Comunidade Andina era de 70%, e em seguida, com o Mercosul, um pouco mais de 70%, tendo o Brasil como carro chefe. Adicionalmente, o comércio entre Venezuela e Colômbia, e entre Venezuela e Brasil representa o principal intercâmbio comercial intra-CAN (quase 40%) e intra-CAN-Mercosul (cerca de 30%) respectivamente, sendo dessa forma, um dos menos voláteis, num período comercial intenso no âmbito da Comunidade Andina, a partir de 1973. A união aduaneira junto com a Colômbia e Equador foi estabelecida em 1995. Alicia Chuecos ressalta que “en esos años el crecimiento de los flujos comerciales fue igual a 56,90% y 42,20%, respectivamente. Venezuela firmó un ACE con Brasil en 1999 y con Argentina en el 2000”136.

Todavia, o impacto sobre os fluxos comerciais do acordo com o Brasil não foi mensurado, uma vez que o país sofreu economicamente com a crise asiática. Um ano depois da assinatura do acordo, o crescimento alcançou o patamar de 40,79% 137.

Os ganhos com a relação com os países membros do Mercosul vão ser contabilizados no decorrer dos anos, com vários destaques.

(1973), a revolução islâmica no Irã (1979) e a guerra Irã-Iraque (a partir de 1980), além de uma excessiva especulação financeira. Os preços do barril de petróleo atingiram valores altíssimos, chegando a aumentar até 400% em cinco meses, o que provocou prolongada recessão nos Estados Unidos e Europa, desestabilizando a economia mundial.

134 A queda dos preços do petróleo na década de 1980 teve como motivos a recessão na economia mundial, a superprodução e a guerra de preços entre os países produtores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP. No ano de 1986 o preço do barril de petróleo caiu US$ 30,00 para US$ 15,00.

135 KEOHANE, Robert O. e NYE, Joseph. Poder e Interdependencia: la política mundial en transición, Grupo Editor Latino Americano, 1988, p. 22.

136 CHUECOS, Alicia. Efectos de la Inserción de Venezuela em el Mercosur sobre sus Flujos Comerciales Totales, Caracas: Aldea Mundo Revista sobre Fronteras e Integración. Año 11, Nº 21, mayo-octubre 2006, p. 21.

137 CHUECOS, op. cit., p. 21.

Dentre os aspectos políticos e econômicos com a entrada da Venezuela no Mercosul, destaca-se o Projeto Socialista Orinoco (PSO), como um programa de desenvolvimento fundamental da Faja Petrolífera del Orinoco (FPO), que visa transformar fundamentalmente a sociedade venezuelana, a dinâmica sociopolítica e a organização do território, por ser a maior fonte de petróleo do continente. Essa dinâmica transformou a ação da exploração petrolífera de hidrocarbonetos e tinha o lago de Maracaibo como o centro de exploração.

O Programa FPO atraiu o interesse das empresas internacionais, que abriram seus capitais e tecnologia para viabilizar a exploração na Região do Oriente, em função da nacionalização de toda a indústria venezuelana em 1976. O potencial petrolífero já havia sido descoberto em 1936, como o principal depósito de hidrocarbonetos líquidos do mundo e foi classificado, pelo governo do presidente Chávez em 2011 como uma das maiores reservas mundiais de petróleo pesado e extra pesado (220.000 bilhões de barris) 138.

As leis que governam a economia de mercado, como as que o século XIX tentava articular, mostravam um sistema auto-regulável de mercados. Em termos técnicos, uma centena de anos mais tarde, vislumbra-se o pleno funcionamento de um sistema industrial, organizado, com mercados reguláveis e auto-reguláveis. Os mercados não são instituições que funcionam principalmente dentro de uma economia, mas fora dela139.

O conceito de comercial internacional sofreu uma mutação com a globalização da economia mundial. As atividades econômicas dependem não da interação dos diferentes atores internacionais (Estados e empresas), como estão sujeitas a políticas que refletem determinantes de ordem econômica, que são mais amplos que os ligados ao puro comércio, como regras internacionais e nacionais sobre investimentos, concorrência, direitos sobre a propriedade intelectual, preocupações sobre o meio ambiente e mudança climática, bem como direitos trabalhistas, direitos humanos140. Esta é a visão da governança do comércio internacional, que está redefinindo a concepção da Política de Comércio Externo de cada país, e que não foi vislumbrada nas ações do governante Hugo Chávez.

138 PÉNÉ-ANNETTE, Anne; PIRELA, Arnoldo; RAMOUSSE, Didier. El Proyecto Socialista Orinoco: un nuevo território vinculado a la explotación petroleira en Venezuela, Cuadernos del CENDES, Año 29, Nº 80, Mayo- Agosto 2012, p. 2.

139 POLANYI, p. 78.

140 THORSTENSEN, Vera; RAMOS, Daniel; MULLER, Carolina; BAPTISTA, Adriane Nakagawa. Sistemas de Regulação do Comércio Internacional em Confronto: o marco dos Estados e o Marco das Transnacionais.

Revista de Política Externa, São Paulo: HMG Editora, Vol. 21, Nº 4, Abr/Mai/Jun 2013, pp. 75-93.