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A entrada da Venezuela no MERCOSUL : novos rumos da política externa Bolivariana

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Academic year: 2017

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito

A ENTRADA DA VENEZUELA NO MERCOSUL:

NOVOS RUMOS DA POLÍTICA EXTERNA DA REPÚBLICA

BOLIVARIANA

Brasília - DF

2014

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DENIS OLIVEIRA CAVALCANTE

A ENTRADA DA VENEZUELA NO MERCOSUL:

NOVOS RUMOS DA POLÍTICA EXTERNA DA REPÚBLICA BOLIVARIANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito.

Professor Orientador: Profª. Dra. Leila Maria Da’Juda Bijos

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42 f.: i!.: 30 em.

Dissertação (Mestrado) Universidade Católica de Brasília, 2014. Orientação: Profa. Dra. Leila Bijos

1. Política Internacional. 2. Direito. 3. Economia. I. Bijos, Leila Maria, orient. 11. Título.

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Aos meus pais, por toda a luta e dedicação que me permitiram chegar até aqui, sonhando, inclusive, em alçar voos mais altos. Essa vitória é, antes de qualquer um, de vocês. E saibam que mesmo voando longe, um dia eu sempre volto pra casa

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“Sou antes brasileiro e tenho o dever de colocar acima de tudo, de todas as considerações pessoais e dos meus sentimentos e interesses particulares, a dignidade e a honra do Brasil”

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OLIVEIRA CAVALCANTE, Denis. A Entrada da Venezuela no MERCOSUL: Novos Rumos da Política Externa da República Bolivariana. 2014. 80 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2014.

A presente pesquisa fundamenta-se na teoria intergovernamental, balizada na integração regional, ancorada na formação de preferências nacionais dos Estados, tendo como pano de fundo as pressões domésticas e internacionais sofridas pelos Estados. Nesse sentido, analisa-se o processo de integração regional no âmbito do Mercosul, com o ingresso da Venezuela no bloco. A análise pontua o Direito de Integração, as conexões políticas no Cone Sul, os desdobramentos das políticas externa e interna da Venezuela durante o período em que foi governada pelo ex-presidente Hugo Chávez, e o cenário pré e pós aprovação da entrada deste país no Mercosul. A condução política do ex-presidente Hugo Chávez centrou-se num modelo de democracia socialista bolivariana, alicerçada no chavismo e na revolução. O estudo em pauta, analisa o legado político de Hugo Chávez, delineia a concepção ideológica do governante de tornar-se o novo líder bolivariano na Venezuela, visando agregar os países vizinhos numa concertação política sul-americana ímpar, irradiando seus ideais socialistas na América Latina. Os discursos de uma mudança radical na realidade neoliberal implicam em concertações políticas dinâmicas, inusitadas, através do fortalecimento dos movimentos sociais, que se opõem ao capitalismo, à elite rentista venezuelana, que demandam a estatização de empresas, e confrontam as diretrizes políticas e ideológicas norte-americanas. A condução política do poder durante o regime de Hugo Chávez transita pelo populismo, condução manipulatória dos movimentos sociais, ao mesmo tempo em que conduz com habilidade as negociações comerciais com os Estados Unidos da América, preponderante importador de petróleo e gás. Hugo Chávez expandiu as alianças com a Rússia, com a República Popular da China, com a República Islâmica do Irã, que do ponto de vista da União Europeia e dos Estados Unidos da América, excedem, e fragilizam o processo democrático latino-americano, que tem como binômio democracia-integração. Dentre os tratados mais relevantes ressaltam-se o Tratado da Bacia do Prata, firmado em 1969, e o Tratado de Cooperação Amazônica, concluído em 1978, ambos representando dois instrumentos importantes com objetivos específicos para a integração física, o desenvolvimento harmônico da política sul-americana, especialmente no que se refere ao Brasil. A análise explicita a nova composição do Mercado Comum do Sul, as repercussões do recente ingresso da Venezuela no grupo, suas perdas e ganhos, e os desafios futuros a serem vencidos.

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The focus of this study is the consequences of Venezuela's foreign and domestic policies during the period when it was ruled by President Hugo Chávez. The analysis considers Venezuela’s approval both pre and post entry into MERCOSUR. The study also considered former President Hugo Chavez’s political leadership and aims to analyse his political legacy, outlining the ruler’s intention to become the new leader of Bolivarian Venezuela in order to aggregate politicized countries within the region in an unparalleled consultation of South American states, thus radiating his socialist ideals to allied neighbouring countries through dynamic political consultations unconventionally, by the strengthening of social movements, the nationalization of companies, programs and policies that confronted North American ideological guidelines. As a commercial partner and leading importer of oil and gas, the United States did not accept Venezuela’s ideological standpoint, and its position against the flourishing democratic process in the Southern Cone. Its alliances with Russia, China and Iran, extrapolated and weakened the Latin American democratic process, which is binomially democracy - integration. The Treaty on the River Plate Basin, signed in 1969, and the Amazon Cooperation Treaty, concluded in 1978, standout amongst other relevant treaties, for their ability to demonstrate two important instruments with clear objectives, thus being: physical integration into the region and harmonious development for South American policy, especially in reference to Brazil. The study also presents an analysis of the Southern Common Market’s new composition, focusing on implications of Venezuela’s recent entry, the consequential losses and gains, and important future challenges to overcome.

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GRAFICO I Balança comercial entre EUA e VENEZUELA no período de 1995-2009

GRAFICO II Direção das exportações venezuelanas em bilhões de dólares

GRAFICO III Números de projetos e valores de investimento por pais

Gráfico IV – Projetos da Agenda de Implementação Consensual

Gráfico V – Projetos da Agenda de Implementação Consensual AIC 2005-2010

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AIC Agenda de Implementação Consensual

ALALC Associação Latino-Americana de Livre Comércio ALADI Associação Latino-Americana de Integração ALCA Área de Livre Comércio das Américas ALBA Alternativa Bolivariana para as Américas

ASOVAC Asociación Venezuelana para el Avance de la Ciencia BCV Banco Central da Venezuela

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento CAF Banco de Desarrollo de América Latina

CAN Comunidade Andina

CASA Comunidade Sul-Americana de Nações

CD Coordenação Democrática

CENDECO Centro de Extensión, Desarrollo Ejecutivo y Consultoría Organizacional

CENDES Centro de Estudios de Desarrollo

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina CMC Conselho do Mercado Comum

CNE Conselho Nacional Eleitoral

COMECON Conselho para Assistência Econômica Mútua

COSIPLAN Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento CTU Comitês de Terra Urbana

EFTA European Free Trade Association EUA Estados Unidos da América FMI Fundo Monetário Internacional

FOCEM Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento FONPLATA Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata FPO Faja Petrolífera del Orinoco

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IIRSA Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana INE Instituto Nacional de Estatísticas (da Venezuela)

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MW Mega Watts

OVV Observatório Venezuelano da Violência PDVSA Petróleos de Venezuela

PIB Produto Interno Bruto

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PSI Processo de Substituição de Importações

PSO Projeto Socialista Orinoco RCTV Radio Caracas Televisión

SIGE Sistema de Informação para a Gestão Estratégica TEC Tarifa Externa Comum

TDE Transportadora de Electricidad S.A

UNASUL Tratado Constitutivo da União das Nações Sul-Americanas UNESCO Programa das Nações Unidas para Educação e Cultura URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

VENEPAL C.A. Venezolana de Pulpa y Papel

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1.1 ESCOPO E PRESSUPOSTOS DA PESQUISA ... 5

1.2 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS ... 6

1.3. ESTRUTURA DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA ... 7

2. CONCERTAÇÃO POLÍTICA SUL-AMERICANA: A PROPOSTA DA VENEZUELA FRENTE A UMA NOVA ORDEM INTERNACIONAL ... 8

2.1 O FUTURO DO PROCESSO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO ... 8

2.2 EMBATES IDEOLÓGICOS COM OS EUA ... 19

3. EFEITOS DA INSERÇÃO DA VENEZUELA NO MERCOSUL ... 25

3.1 NOVOS RUMOS NO MARCO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL ... 25

3.1.1. Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) ... 29

3.1.2. O Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (FOCEM) ... 34

3.1.3 União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) ... 38

3.2 OBSTÁCULOS JURÍDICOS, POLÍTICOS E COMERCIAIS ... 45

3.3 DIRIMINDO QUESTÕES POLÍTICAS E JURÍDICAS COM O PARAGUAI ... 51

3.4 ACORDOS COMUNS NO MERCOSUL: PERDAS E GANHOS ... 53

3.5 O MERCOSUL COMO UNIÃO ADUANEIRA IMPERFEITA ... 59

3.6. ASPECTOS POLÍTICOS E ECONÔMICOS DA GASOLINA: O MODELO RENTISTA COMO ENTRAVE AO DESENVOLVIMENTO ... 63

4. QUESTÕES DE SEGURANÇA NA VENEZUELA ... 68

4.1 SEGURANÇA ALIMENTAR ... 68

4.2 SEGURANÇA CIDADÃ ... 70

4.3 SEGURANÇA SOCIOAMBIENTAL ... 71

5. DESAFIOS DO MODELO INTEGRACIONISTA: MOVIMENTO BOLIVARIANO DE REVOLUÇÃO E A CRISE ECONÔMICA DA VENEZUELA ... 75

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1. INTRODUÇÃO

A ascensão política de diversos governos que se auto-intitulam de esquerda têm alterado substancialmente o panorama sul americano da integração econômica na contemporaneidade. As políticas na América do Sul sofreram alterações a partir da eleição presidencial, em junho de 2011, do líder do Partido Nacionalista Peruano, Ollanta Humala, consolidando uma onda esquerdista sul americana, que se iniciou com a chegada de Hugo Chávez ao poder em 1998.

As transformações dos regimes políticos na região indicam o direcionamento de seus programas governamentais voltados para ações de integração conjuntas, internacionalização das economias nacionais, formação de grupos sociais em cada setor do governo, que representativamente vão priorizar a execução de programas de amparo social. As diretrizes formuladas por políticos como Dilma Rousseff (Brasil), Cristina Kirchner (Argentina), Michele Bachelet (Chile), Hugo Chávez (Venezuela), Horacio Manuel Cartes Jara (Paraguai), Ollanta Humala (Peru) e Tabaré Vásquez (Uruguai), sucessor de José Mujica, foi o fortalecimento dos movimentos sociais através da mobilização popular, na busca incansável, mas ainda velada de se estabelecer uma espécie de novo bolivarianismo no continente. A presidente do Chile, Michelle Bachelet, no poder desde 2014, atualmente em seu segundo mandato, também trabalhou arduamente em prol de um governo democrático, transparente e direcionado a políticas públicas e sociais, sobressaindo-se como a primeira mulher a exercer esse cargo no Chile (2006-2010).

Se em outros tempos a preocupação maior era a defesa das fronteiras frente às ameaças externas, hoje a integração objetiva uma abrangente participação no mercado internacional e o desenvolvimento dos países membros através da cooperação1.

Diante do tabuleiro de xadrez em que se revela o atual fenômeno da integração sul americana, com peças e estratégias que se entrelaçam, cada movimento tem um peso ímpar no futuro. Decisões radicais como a estatização da petrolífera Yacimientos Petrolíferos Fiscales

(YPF), do grupo espanhol Repsol, conduzida pelo governo argentino, e a nacionalização da empresa elétrica Transportadora de Electricidad S.A (TDE) pelo governo boliviano, trazem à tona um cenário de insegurança econômica perante a comunidade internacional, e podem atrasar sine die o tão sonhado projeto de uma América do Sul mais unida. Após o verdadeiro abandono de diversos projetos para a integração latina americana, como a criação dos blocos

1 SCHMIED, J. (2007). Cenários da integração regional: os desafios da UNASUL e o novo caminho da

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da Associação Latino-Americana de Livre Comércio - ALALC (substituída posteriormente pela Associação Latino-Americana de Integração - ALADI), do Mercado Comum da América Central e do Pacto Andino, os países do eixo sul da América substituíram gradualmente a idéia do multilateralismo para a prática mais efetiva dos diversos acordos bilaterais entre os países.

A integração sul-americana, entretanto, deve ser fundada nos valores da nova ordem econômica internacional, calcada nos fundamentos jurídicos do direito comunitário. O modelo integracionista em questão, tem como marco histórico a década de 1950, visando a impedir ou restringir a entrada de produtos de outros países e a expectativa de que o mundo irá abrir as portas para o comércio regional. O direito da integração relaciona-se com o direito comunitário, numa relação de gênero e espécie, comunicando-se, com o direito internacional público2, em que os atores internacionais se interagem para o bem-estar de seus membros. As fontes desse segmento jurídico se estende numa arrojada corrente, que evidencia elementos concretos na relação entre o direito do Mercosul e o direito econômico, que permitirão que a região possa mudar a sua perspectiva, objetivando na contemporaneidade firmar acordos de livre comércio e da concorrência. O foco da integração passa a ser a complementaridade produtiva e a competitividade de potencializar recursos3.

A pesquisa em pauta aborda questões de relevante importância para o desenvolvimento do bloco econômico do Mercosul, explora o cenário político contemporâneo da América mercosulina e os desdobramentos das políticas internas dos países-membros no processo de integração, especialmente no que concerne aos rumos da Venezuela pós-Hugo Chávez, sob o comando de Nicolás Maduro.

O trabalho está dividido em 4 capítulos que abordam a concertação política sul-americana, a proposta da Venezuela frente a uma nova ordem internacional, que inclui os marcos do país e seu processo democrático, ajustes fiscais, tributários e jurídicos, propostas na área de educação, saúde, habitação e saneamento básico, com pleno emprego para a população e previdência social. De outro lado encontram-se as divergências políticas e doutrinárias com os Estados Unidos da América, preponderante importador de petróleo e gás, mas que não aceita a linha ideológica da Venezuela, por destoar do processo de democracia plena no Cone Sul.

2 DUTRA JUNIOR, José Cardoso. Integração Econômica e Direito da Integração: fundamentos do direito do

Mercosul, Dissertação de Mestrado, UCB, 2006, p. 19.

3 SCHMIED, J. (2007). Cenários da integração regional: os desafios da UNASUL e o novo caminho da

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O capítulo 2 enfoca os efeitos da inserção da Venezuela, que abdicou de sua participação como membro pleno da Comunidade Andina, onde negociava em potencial com a Colômbia, com o fito de reunir-se com parceiros como Brasil, Argentina, expoentes econômicos, partícipes como exportadores e importadores, e membros atuantes no cenário internacional. Apesar de ser um país pequeno em comparação com Argentina e Brasil, o Uruguai é um aliado importante e peça fundamental para dirimir as assimetrias da região. No que concerne ao Paraguai, existem divergências claras, uma vez que esse não se manifestou a favor do ingresso da Venezuela no Mercosul, foi suspenso do bloco e do Tratado Constitutivo da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), em decorrência do impeachment do Presidente Fernando Lugo em 22 de junho de 2012. Porém, esse país superou esta situação crítica, e retornou como membro pleno no marco da integração sul-americana.

A Declaração de Las Leñas, de 27 de junho de 1992, explicitou que a plena vigência das instituições democráticas é indispensável para o desenvolvimento do Mercosul, numa referência clara à construção da própria integração, almejada desde o século XIX por Simón Bolívar. No mesmo diapasão, o Protocolo de Ushuaia-I, assinado em 1998 no âmbito do Mercosul, tem por finalidade a manutenção das instituições democráticas como condição indispensável para a existência e desenvolvimento do bloco4. O capítulo discorre, ademais, sobre os acordos comuns no Mercosul, enfatizando perdas e ganhos. Do ponto de vista dos aspectos políticos e econômicos da Venezuela, a análise debruça-se sobre o modelo rentista venezuelano, a manutenção do subsídio da gasolina, o que onera as contas públicas, e exponencialmente prejudica o desenvolvimento pleno do país.

O capítulo 3 aborda as questões de segurança na Venezuela, abrangendo segurança alimentar, segurança cidadã e socioambiental. Destaca a crise de abastecimento, as flutuações no setor de alimentos, e do setor produtivo, o congelamento dos preços, proibição do latifúndio (mesmo o produtor); com regulações contraditórias na área de importações, que minaram o setor industrial interno, tornando o mercado pouco rentável e, acarretando a escassez de produtos básicos nas prateleiras dos supermercados. Quando um produto chega do exterior, a população é avisada, as filas imensas se formam, gerando o descontentamento da população. O Brasil exporta carne, frango, leite em pó e margarina; a Argentina, arroz, milho, soja e atum, dentre outros. A escassez e a crise do abastecimento somam-se aos altos índices de desemprego, e redundam em violência, criminalidade e contrabando. A queda na qualidade

4 ALMEIDA, Wilson; SANTANA, Hadassah Laís. Integração e Democracia: os interesses políticos locais que

distorcem o direito internacional e a crise política resultante da suspensão do Paraguai do Mercosul. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, Nº 203, julho-setembro 2014, p. 98.

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de vida do povo venezuelano decorre da deterioração da economia, cada vez mais dependente dos altos preços do petróleo no mercado internacional, e da ineficiência na gestão pública. O país sofre com a ausência de órgãos reguladores que possam controlar os investimentos e despesas públicas, o que mostra um aumento exponencial da dívida externa. Os programas sociais que ajudaram ao Presidente Hugo Chávez a alcançar uma popularidade ímpar durante seu mandato não são efetivos, e tornaram-se um peso para o governo que, além da construção de condomínios, oferecem isenção de impostos, programas de educação e saúde gratuitos, a uma população que não se esforça em conseguir pleno emprego e mobilidade social. Há contradições evidentes no que concerne à gestão ambiental. Os recursos naturais são explorados de forma autônoma, através da construção de obras de infraestrutura transregionais, que fazem lobby junto aos governos, numa lógica imediatista sem precedentes. Os contenciosos ligados aos recursos naturais passam pela atuação da empresa Petróleos de Venezuela (PDVSA), estatizada por Hugo Chávez em 1999, que representa ativos estratégicos para o país, mas se estendem pela Bolívia, como a guerra da água e do gás; pelo Equador, através de uma luta contra a contaminação, os abusos e a apropriação assimétrica de benefícios advindos da exploração petrolífera por grandes empresas multinacionais; no Peru, com a importante mobilização de ativistas indígenas e dos movimentos campesinos conhecidos como “cocaleros”; na Argentina e no Chile, em decorrência dos projetos de mineração, que trouxeram no seu bojo uma série de conflitos socioambientais, em face da dinamização da economia mundial e dos marcos jurídicos do setor na década de 1990.

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controle do sistema judiciário e a manipulação do jogo eleitoral. No entanto, suas medidas populistas direcionadas ao combate à pobreza, ajuda governamental aos setores menos favorecidos e redução do analfabetismo legitimaram o governante no poder, apesar da crise política vivida entre 2001 e 2004. Chávez comandou uma reforma petrolífera visando incrementar o percentual do fisco na renda bruta do petróleo, desenvolveu políticas de reativação econômica, criou diversas políticas sociais denominadas “missões”, com distribuição de alimentos, jornada completa nas escolas, atendimento médico primário, e inserção dos pobres na economia formal. Medidas drásticas foram tomadas para controlar os grupos de oposição, os meios de comunicação não estatais, com fechamento de mais de trinta emissoras de rádio, entre elas a Radio Caracas Televisión (RCTV), com violações da liberdade de expressão, incluindo-se sanções penais, administrativas e financeiras. As tentativas de planificação da economia pretendidas por Chávez não tiveram o resultado esperado e as metas não foram cumpridas. Os reflexos das políticas financeiras chavistas, de um lado positivas, levantaram suspeitas de fraudes e manipulação de dados revelando um cenário que não era tão exuberante, com alta inflação, instabilidade interna, segurança econômica e jurídica claudicantes, o que acabou por afastar empresas e organizações financeiras internacionais.

Como marco conclusivo, apresenta-se o ano de 2013 como emblemático, em virtude da morte de Hugo Chávez, a indicação de Nicolás Maduro como seu sucessor, os abalos políticos, e a ausência de um ambiente econômico moderno e compatível com uma nova ordem política internacional.

1.1 ESCOPO E PRESSUPOSTOS DA PESQUISA

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serviços é apenas uma das conseqüências, ao lado também dos entraves deixados pelo chavismo, assim como as dificuldades em se estabelecer tarifas comuns a todos os membros do grupo.

1.2 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS

O objetivo da presente dissertação é comparar o modelo governamental adotado na América do Sul, as normativas políticas e comerciais do Mercosul, as mudanças significativas que ocorreram no Cone Sul, dentre elas o processo de suspensão do Paraguai do referido bloco; e adentrar no alinhamento da política externa venezuelana com os demais atores internacionais. A análise ressalta os entraves de entrada do país no bloco, a perspectiva de abertura da economia local, com a conseqüente ampliação do leque de parceiros comerciais, os objetivos voltados à complementação econômica, ao aumento do fluxo comercial entre os países integrantes do Mercosul, ao alcance de melhores condições de participação no intercâmbio comercial do bloco, com reflexos positivos no comércio mundial, na minimização dos custos e do estabelecimento de mecanismos de defesa eficazes contra a especulação financeira, os fluxos de capitais externos não-produtivos, assim como dirimir os confrontos políticos e ideológicos com as potências desenvolvidas.

A fim de se estabelecer um marco histórico e conceitual que aproximasse cada um dos tópicos interrelacionados, o tema foi contextualizado, apresentando a problemática teórica da teoria intergovernamentalista, do direito da integração no Mercosul, a ascensão de Hugo Chávez ao poder na Venezuela, seus sonhos como novo líder integracionista na América do Sul, o viés socialista de esquerda, os tratados de livre comércio com cada país do Mercosul, os fluxos comerciais, os efeitos dos programas sociais na população local, os subsídios governamentais e os altos e baixos da balança comercial, enfoque empírico com variáveis qualitativas e quantitativas. O modelo metodológico utilizado procurou determinar o impacto da inserção da Venezuela no bloco econômico, em análise correspondente aos países membros da Comunidade Andina (CAN), Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela; e do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai).

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1.3. ESTRUTURA DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

O presente estudo utilizou-se de metodologia transdisciplinar, e foi desenvolvido fundamentalmente a partir de pesquisa bibliográfica e documental, subsidiada por dados qualitativos e quantitativos. O trabalho contou com pesquisa de campo realizada na Venezuela, onde utilizou-se, para coleta de dados, visitas ao Instituto de Altos Estudios de América Latina, Universidad Simón Bolivar, Centro de Estudios para el Desarrollo

(CENDES), Universidad Central de Venezuela e Universidad Andrés Bello. Elementos subsidiários, podem ser ressaltados pela observação da população local e entrevistas estruturadas, não só com a comunidade acadêmica, mas também com a população, por meio de conversas informais, com o propósito de perceber os reflexos internos diretos produzidos pela nova política internacional daquele país.

O trabalho foi dividido em etapas: (i) Diagnóstico – levantamento de informações do passado para melhor compreender o cenário político e social atual da República Bolivariana da Venezuela e dos demais países que compõem o Mercosul; (ii) Pesquisa – coleta de dados a respeito da economia venezuelana, com o objetivo de alocá-la na cena internacional, juntamente com os demais atores comerciais, inclusive com visita à Universidade de Buenos Aires, Faculdade de Ciências Econômicas com o objetivo de apresentar os primeiros resultados da pesquisa, e colher subsídios da comunidade acadêmica, durante a XIV Jornada de la Asociación Argentina de Historia de las Relaciones Internacionales: Veinte Años de la AAHRI, no período de 3 a 5 de julho de 2013, que resultou na publicação de trabalho acadêmico; (iii) Conclusão – elaboração dos relatórios acerca das perspectivas de inserção da Venezuela como ator proeminente na América Latina e Caribe, e sobre as alianças regionais na América do Sul; (iv) Compilação de dados e apresentação formal da pesquisa.

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2. CONCERTAÇÃO POLÍTICA SUL-AMERICANA: A PROPOSTA DA VENEZUELA FRENTE A UMA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

2.1 O FUTURO DO PROCESSO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO

O presente capítulo trata da análise política sul-americana, de acordos jurídicos, convenções, e a história da integração na América Latina. À América do Sul atribui-se a centralidade da democracia no hemisfério, o que permite a consolidação dos processos de integração, apesar do caráter diferenciado de cada país e sub-região. Verifica-se que a base conceitual de cada uma dessas sub-regiões está assentada nos processos associativos, tendo o binômio democracia-integração como pilares fundamentais, o que fomentou o sonho de uma integração por Simon Bolívar e San Martin.

A integração sonhada pelos patriarcas Simon Bolívar e San Martin prelecionam a luta pela independência da América Espanhola, involucrada em uma série de projetos que visavam a plena independência do regime monárquico europeu, assegurando a formação de um Estado amplo, integrado às nações vizinhas, inserido em prospectos de liberdade e progressos.

As primeiras manifestações desse ideal de ampla integração manifestaram-se nos finais do século XVIII, através da organização de uma sociedade secreta, coordenada pelo peruano Pablo Olavide, que defendia a autonomia do Novo Mundo por meio de uma ação conjunta de boa parte das nações sul-americanas, nascia o embrião do pan-americanismo.

A cooperação entre os Estados para superação do subdesenvolvimento estava imbricada em processos de independência, e teve como um de seus líderes Juan Martínez de Rosas, defensor da completa autonomia do Chile, das metrópoles européias, colimando no Congresso do Panamá, em 1826.

A unidade política entre os povos hispano-americanos com o estabelecimento de uma força militar comum e o fim da escravidão em toda a extensão continental, contou com representantes do México, Peru, Grã-Colômbia, das Províncias Unidas de Centro - América e Estados Unidos. A cooperação entre países em desenvolvimento sempre foi considerada uma forma alternativa e autônoma de desenvolvimento contribuindo para alterar a ação da dinâmica do Sistema Internacional. A proposta foi liderada por Simon Bolívar, um dos mais atuantes líderes da independência da América Espanhola.

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da década de 1950 e nos anos que subseqüentes, criaram uma estratégia ideal para que os latino-americanos alcançassem o desenvolvimento industrial e tecnológico, com a criação da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe, mediante a ampliação dos mercados nacionais5.

Os vínculos com os países sul-americanos foram impulsionados e aprimorados continuamente, através de soluções de arbitragem, ou negociação de tratados bilaterais, no que tangia aos problemas territoriais e de fronteiras inerentes ao início do século XX. Questões de segurança, de alianças políticas, de divergências territoriais, como a Guerra da Tríplice Aliança contra o ditador paraguaio Solano López, que teve seu término em 1° de março de 1870. Durante a gestão do Barão do Rio Branco, definiu-se a fronteira com a Argentina na questão de Palmas ou das Missões (1895) e com a França no Amapá (190 0 ), e a resolução do contencioso Brasil-Bolívia, que teve seu término com a assinatura do Tratado de Petrópolis, reincorporando o Acre ao território brasileiro (190 3), com o Equador, ressalvados os eventuais direitos peruanos (190 4), com a Guiana Inglesa, pela arbitragem do rei da Itália (190 4), com a Venezuela (190 5), a Holanda-Suriname (1906), a Colômbia (190 7), com o Peru (190 9) e o tratado retificatório da fronteira com o Uruguai (1909)6.

As condições político-estratégicas foram pontuando a história da política externa do Brasil, pautada em paz ininterrupta há mais de 143 anos, com todos os 10 vizinhos7

Até a segunda metade do século XX, a iniciativa pioneira dos países centro-americanos em buscar no tratamento preferencial a base para iniciar um processo de industrialização, recebeu o indelével exemplo europeu – a Leste com o Comecon, a partir de 1949, e a Oeste com o Tratado de Roma, de 1957 – que, na acepção de Baumann8, “foi seguida por diversos compromissos formais entre conjuntos variados de países latino-americanos”.

Dentre os tratados mais relevantes ressaltam-se o Tratado da Bacia do Prata, firmado em 1969, e o Tratado de Cooperação Amazônica, concluído em 1978. Ambos representam instrumentos importantes com objetivos específicos para a integração física, o desenvolvimento harmônico da política sul-americana9, especialmente no que se refere ao Brasil.

5 BAUMANN, Renato. Integração Regional: teoria e experiência latino-americana. 1ª ed., Rio de Janeiro:

LTC, 2013, Prefácio de Rubens Ricupero, p. x.

6 Entrevista de Rubens Ricúpero sobre o Barão do Rio Branco. Disponível em:

http://www.baraoheroiediplomata.com.br/tablet/ricupero_milhoes.php. Acesso em 31/01/2015, 18:32.

7 BAUMANN, Renato, op. cit., p. ix. 8 Idem, p. v.

9 BIJOS, Leila. Responsabilidade do Brasil: Processos de Integração, Brasília: Revista de Direito Internacional

Econômico e Tributário,Volume 5, Número 1, Janeiro/Junho 2010, p. 26.

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Merece destaque especial, em uma perspectiva histórica, a iniciativa da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), que visava criar um mercado entre os países andinos. As duas iniciativas foram fundidas e criou-se, com o Tratado de Montevidéu, a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), na qual foi incluído o México em 1992.

A primeira tentativa de criação de uma zona de comércio livre na América Latina surgiu com a ALALC, constituída em 18 de fevereiro de 1960, pelo Tratado de Montevidéu. Ressalte-se o reconhecimento dessa forma de integração em seu preâmbulo, § 6º. Os objetivos centrais ressaltavam que ela deveria ser gradual e progressiva, culminando num mercado comum latino-americano, que se aperfeiçoaria ao longo de doze anos, até se transformar em uma zona de livre comércio. A ALALC compreendia os seguintes países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Os passos a serem seguidos visava a: (i) a ampliação das dimensões dos mercados nacionais, através da eliminação gradual das barreiras ao comércio intra-regional; (ii) o melhor aproveitamento dos fatores de produção disponíveis; (iii) a contribuição para o incremento do comércio dos países latino-americanos entre si e com o resto do mundo, através do fortalecimento das economias nacionais; (iv) a busca de fórmulas de adaptação do comércio recíproco. A iniciativa já havia sido instituída na Europa com a Associação Europeia de Livre Comércio (European Free Trade Association – EFTA).

Os anos foram passando, mas os objetivos não foram concretizados, causando grande frustração em seus membros. Os Estados-partes conscientes dos problemas decidiram pela prorrogação das metas até 31 de dezembro de 1980, através do chamado “Protocolo de Caracas”. Historicamente, os instrumentos básicos da ALALC eram: (i) as listas nacionais, onde eram inscritos os produtos para os quais cada país concedia redução de gravames para a sua importação dentro da Zona, em conformidade com as negociações anuais; (ii) a lista comum, contendo os produtos cujos gravames e outras restrições à importação seriam eliminados dentro da Zona, por todos os países-membros, até 31 de dezembro de 1980; (iii) as listas especiais, onde eram registradas as concessões tarifárias aos países de menor desenvolvimento econômico relativo (Bolívia, Equador, Paraguai e Uruguai), concessões essas não extensivas aos demais países da Zona; (iv) os acordos de complementação, incluindo os produtos de um determinado setor industrial, cuja complementação do respectivo

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processo industrial os países-membros desejassem facilitar mediante concessões tarifárias para o comércio recíproco10.

Esse período transitório especificava que as cláusulas do Tratado deveriam conformar-se a regras para a determinação e prova da origem geral da origem. Nesconformar-se conformar-sentido, especificavam que qualquer vantagem, favor, franquia, imunidade ou privilégio que se aplicasse por um dos membros da ALALC em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer outro país (inclusive países-membros), era imediata e incondicionalmente estendido ao produto similar originário de ou destinado ao território dos demais países-membros. Frise-se que estas cláusulas deveriam ser compatibilizadas com cada um dos países membros, que atentariam para a existência, no Tratado, da chamada “cláusula de nação mais favorecida” 11.

Sobreleva notar que os Estados-membros se perguntavam de que forma iriam compatibilizar os produtos. É necessário alertar que cada país-membro possuía sua Lista Nacional, significando, pois, que as Listas Nacionais poderiam diferir no que se referisse aos produtos nelas contidas e no grau de redução dos gravames. Exemplifica-se que, se a Argentina concedesse isenção de direitos para importação de um determinado produto proveniente de um país associado, isto não significava que os demais associados seriam obrigados a conceder essa isenção. Entendia-se que, cada membro tinha plena liberdade de decidir a respeito, podendo conceder a isenção ou uma redução de gravames, ou, ainda, não conceder regalia alguma. Todavia, a Argentina era obrigada a estender a regalia à importação de produto similar proveniente de outros países da ALALC. Velava-se pela aplicação da “cláusula de nação mais favorecida”, já mencionada.

Ao se fazer um balanço da ALALC verifica-se que, dentre os resultados positivo, principalmente no que concerne à etapa inicial de 1962 a 1969, considera-se que foi a mais vantajosa. No entanto, a partir de 1970, sérias divergências surgiram e o número de concessões a serem incluídas nas Listas Nacionais foi diminuindo sensivelmente, redundando na perda virtualmente de sua condição de instrumento principal destinado a concretizar a ideia da zona de livre comércio.

A conformação de uma zona de livre comércio deu origem a duas posições divergentes: (a) a posição comercialista, preconizando que a ALALC deveria conservar seu caráter predominante de instrumento para incrementar o comércio entre os países

10 BIJOS, Leila. Responsabilidade do Brasil: Processos de Integração, op. cit., p. 27.

11 ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Europeia: estrutura jurídico-institucional. 2ª edição, Curitiba:

Juruá, 1998, p. 31..

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participantes; (b) a posição desenvolvimentista, enfatizando a transformação da ALALC com o objetivo de incluir formas mais avançadas de integração. Assim sendo, percebia-se, claramente, que a diferença básica entre as duas concepções era a de que a primeira insistia na integração através da liberação progressiva e seletiva dos gravames, enquanto a segunda recomendava, além de um programa automático de liberação, a unificação das políticas em determinados setores e a instituição de uma programação industrial conjunta que levasse em conta os interesses regionais. A zona de livre comércio passou a ser escrutinada pelos Estados-membros em seus objetivos.

A superação dos obstáculos advindos do processo de criação de uma zona de livre comércio precisava ser alcançada. Nesse diapasão, a tese desenvolvimentista foi adquirindo mais força, em grande parte como resultado das dificuldades crescentes com que se defrontava a liberação do comércio dentro da área, culminando, em 1969, a criação do Grupo Andino e a assinatura do Protocolo de Caracas. Contudo, a situação da ALALC, longe de melhorar, passou a tornar-se mais difícil. Através da solicitação dos Estados-membros, novas providências foram recomendadas pelo Protocolo de Caracas, o que demandava a realização de diversas reuniões e negociações, com intensos debates, a partir de 1974. O estabelecimento de prioridades e orientações políticas para o avanço dos trabalhos foram infrutíferos.

Considerações foram feitas pelas partes que elencaram os fatores negativos da ALALC, dentre eles: (a) instabilidade política em diversos países participantes, dificultando as negociações e o bom entendimento entre os governantes12; (b) existência de um zelo exacerbado pelo espírito de soberania nacional, impedindo uma cooperação maior entre os países-membros, esquecendo-se do princípio básico de que para obter vantagens é necessário também oferecê-las; (c) ausência de uma autoridade supranacional que pudesse impor aos participantes da ALALC o cumprimento fiel dos dispositivos do Tratado de Montevidéu, além de resolver, de forma mais rápida e segura, os desentendimentos e pendências entre os países-membros; (d) existência, nos países da Zona, de indústrias similares, pouco complementares e de custos muito divergentes; (e) limitações derivadas de um esquema de integração baseado fundamentalmente em um mecanismo de desgravamentos tarifários13.

12 Durante longos períodos vários países componentes da ALALC estiveram sob regime de ditadura militar,

conforme nota de RATTI, B. Comércio Internacional e Câmbio, 9ª edição, São Paulo: Aduaneiras, 1997, p.

435.

13 BIJOS, Leila, op. cit. p. 29.

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Em seu conjunto, esses fatos contribuíram para que a situação da ALALC chegasse a um impasse14, finalizando com sua extinção e substituição pela Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), na década de 1980. Em retrospectiva, observa-se que, a ALADI não teve preponderância na integração sul-americana, no entanto, foi importante para estabelecer um quadro jurídico para estimular o aproveitamento de complementaridades econômicas. Vale ressaltar que, as experiências de integração na América Latina estiveram submetidas à lógica dos modelos nacionais de industrialização semi-autarquizada, inspirados na estratégia de substituições de importações15, como se revela na Operação Pan-Americana.

Quando o Brasil promoveu, no governo de Juscelino Kubitschek, a Operação Pan-americana, havia uma preocupação com a política externa brasileira no continente, a coordenação de ações conjuntas, com as questões econômicas, em princípio com a denominação de Pacto Andino, e que viria formar, nos anos 1960 a Comunidade Andina, balizada pelo Acordo de Cartagena.

A Comunidade Andina (CAN) compreende a Bolívia, o Chile (associados desde setembro de 2006), a Colômbia, o Equador, o Peru e a Venezuela, e é regida pelo Acordo de Integração Sub-regional (Acordo de Cartagena), subscrito em 26 de maio de 1969, posteriormente modificado e ampliado, mediante o Instrumento Adicional ao Acordo de Cartagena, para a Adesão da Venezuela (13/02/1973) e pelos Protocolos de Lima (subscrito em 30 de outubro de 1976, de Arequipa (assinado em 21 de abril de 1978), de Quito (assinado em 11 de maio de 1987), de Trujillo (subscrito em 10 de março de 1996) e o de Sucre (assinado em 25 de junho de 1997) 16. No entanto, o Chile se retirou do grupo em 30/10/1976, permanecendo como país associado, assim como Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

A Venezuela, em 22/04/2006 anunciou oficialmente, através de seu Chanceler venezuelano em Lima, a saída da Comunidade Andina de Nações (CAN), assim que o grupo ad hoc para adesão do país ao Mercosul finalizou as negociações para o estabelecimento dos termos para sua entrada no bloco.

14 A ALALC pode não ter se tornado a área de livre comércio da América Latina e Caribe, como previam

Rômulo Rômulo de Almeida, que foi Primeiro-Secretário Executivo e, Celso Furtado, quando dizia de modo muito importante que as integrações sul-americanas e latino-americana eram extremamente vitais para o desenvolvimento dos países – dizia isso ao se despedir de Raúl Prebisch na Cepal. Ver: MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Integração Latino-Americana 50 Anos da ALALC/ALADI, Brasília: FUNAG, 2010, p. 10.

15 MACHADO, João Bosco. Harmonização Comercial, Convergência Cambial e Política Industrial no

Mercosul. Boletim de Integração Latino-Americana. Brasília: MRE, 1993, p. 5.

16 TIZÓN, Allan Wagner. Comunidade Andina: integração para o desenvolvimento na globalização. DEP –

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A notícia circulou imediatamente pelos países parte do acordo e os órgãos do Sistema Andino de Integração, contendo a decisão e as razões da Venezuela, que prometeu manter, por um prazo de cinco anos, seus compromissos com o programa de liberalização comercial do bloco. Enquanto isso, tramitava-se a adesão da Venezuela ao Mercosul.

Do ponto de vista histórico, a CAN desde sua criação, procurou empreender diversas iniciativas de revitalização da integração entre seus membros sob um esquema mais flexível do que no passado. Essa experiência de integração nasceu como alternativa ao problema de distribuição de custos e benefícios, mas, do ponto de vista jurídico, é um instrumento que contribui e reforça os projetos de desenvolvimento nacional dos países andinos.

Os projetos estruturados estão assentados nas esferas social, política e econômica. Adequar integração para o desenvolvimento com inclusão social e inserção internacional competitiva é um marco que almeja fortalecer a Comunidade Andina. Nesse sentido, Moniz Bandeira ressalta que “atualmente, há uma livre circulação de bens e serviços na América do Sul que excedem US$ 3,0 trilhões, maior do que a Alemanha, da ordem de US$ 2,8 trilhões, em 2007, calculados com base na paridade do poder de compra” 17. A projeção política do Brasil revela que ele responde por mais de 55% deste PIB de US$ 3,0 trilhões, conforme dados da CEPAL de 2008. De outro lado, o Produto Interno Bruto da Argentina, segunda maior economia da região, foi aproximadamente 20% do brasileiro, com US$ 330 bilhões. Como nossa análise se respalda na Venezuela, verifica-se que, este valor é muito próximo do PIB venezuelano, a terceira maior economia da região18.

Apesar do fortalecimento do sistema democrático na região, notam-se evidentes assimetrias entre os países sul-americanos, com indicadores econômicos revelando apenas seis países com PIB maior que 100 bilhões de dólares, respectivamente Brasil, Argentina, Venezuela, Colômbia, Chile e Peru. Neste contexto, sublinha-se que estes países respondem por mais de 90% de toda a riqueza produzida localmente, tendo o Brasil à frente com mais de 51% do PIB da região, os cinco países seguintes responderão por 41% de toda produção da região19. A projeção política e econômica do Brasil sobressai-se através dos dados estatísticos apresentados pela CEPAL (2008), que evidenciam o tamanho da população do Brasil frente aos outros países, com uma população de 192 milhões de habitantes, o que representa quase

17 MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Geopolítica e Política Exterior: Estados Unidos, Brasil e América do

Sul, Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, p. 51.

18 COSTA, Darc. América do Sul: Desenvolver é Desconstruir Assimetrias, palestra apresentada na IV

Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional, 3 e 4 de dezembro de 2009, organizada pela Fundação Alexandre de Gusmão, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (texto acadêmico), Rio de Janeiro, Palácio Itamaraty, p. 1.

19 COSTA, Darc, op, cit., p. 2.

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50% da população total no continente. Em análise de Darc Costa verifica-se que “dentro deste grupo dos seis maiores países (Brasil, Argentina, Colômbia, Chile, Peru e Venezuela), o percentual da população do Brasil diminui ligeiramente, porém, a participação dos demais países é exatamente a mesma da distribuição do PIB, 41%” 20. Igualmente, destaca-se a Colômbia, com 45 milhões de habitantes, Argentina, com 40 milhões de habitantes; Peru e Venezuela com pouco menos de 30 milhões de habitantes, seguindo-se Uruguai, Guiana e Suriname, com menos de 1% da população total da região. Não se pode deixar de agregar a esses países a Bolívia e Paraguai, com menos de 10 milhões de habitantes, e o Equador, com 13 milhões de habitantes21. O grande desafio a ser enfrentado nesse processo consiste em converter a integração num importante eixo articulador com objetivos para a superação da pobreza e marcos de desenvolvimento de longo prazo.

Este modelo de integração baseia-se numa profunda convicção do papel de cada Estado-membro, e os dados quantitativos espelham a importância geopolítica de cada país. Destaca-se o Brasil, não só em termos de comércio com os demais países, US$ 62,6 bilhões em 2008, mas com uma evidente expansão tanto no que se refere às exportações, US$ 38,4 bilhões, como importações, US$ 24,3 bilhões22. Dados estatísticos revelam que, em 2008 o comércio total da América do Sul se aproximou dos US$ 990 bilhões, com a região registrando o superávit de US$ 80 bilhões, representando novas oportunidades para o desenvolvimento de cada nação, com inclusão social. No quesito déficit comercial com o exterior, percebe-se que, somente Colômbia, Uruguai e Paraguai tiveram desempenho negativo em 2008, enquanto Argentina, Brasil, Chile e Venezuela apresentaram superávits de mais de US$ 10 bilhões. Essa expansão mostra um comércio total acima dos US$ 100 bilhões, com a contribuição valiosa do comércio brasileiro que alcançou US$ 380 bilhões, enquanto nos outros três países este ficou próximo de US$ 120 bilhões23. No terreno comercial, as cifras acima mencionadas destacam o Brasil alcançou, num contexto de comércio regional, uma expansão invejável, e através de progressos significativos, ficou acima dos US$ 62 bilhões, revelando a consolidação de um potencial comercial significativo. O sistema institucional da Comunidade Andina que inclui órgãos e instituições foram criados nos primeiros anos do processo. Quando o Protocolo de Trujillo entrou em vigência em 1977, a institucionalidade andina adquiriu a estrutura que mantém até os dias atuais. A condução do processo está a cargo do Conselho Presidencial Andino e do Conselho Andino de Ministros

20 COSTA, Darc, op. cit., p. 2. 21 Idem, p. 3.

22 MDIC, apud Darc Costa, op. cit., p. 4. 23 COSTA, Darc, op. cit., p. 8.

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de Relações Exteriores (instâncias políticas), e não somente da Comissão (instância comercial) como ocorria no passado.

Os esforços substanciais para o aprofundamento dessa integração mostram um quadro positivo, que revela o progresso do Brasil num contexto de América do Sul, como membro pleno de uma integração bem sucedida.

O incremento significativo das correntes integracionais revela o cenário contemporâneo de globalização, e um crescimento exponencial de acordos bilaterais voltados para a otimização de recursos até uniões aduaneiras e parcerias comerciais. A condução desse processo agrupa países outrora distantes uns dos outros, e propiciam a formação de blocos de integração econômica, visando proporcionar um desenvolvimento sustentável, não mais como nação isolada, mas pertencentes a um grupo de países que juntos buscarão maximizar seus recursos disponíveis, que trarão segurança e bem estar às suas populações. O nível de abertura real de acordos comunitários vislumbra diferentes setores de serviços, novos mercados consumidores para os seus produtos, avanços no processo de liberalização comercial, incluindo-se serviços financeiros mediante normas prudenciais, profissionais que visam ao direito de estabelecimento e reconhecimento de títulos, e a eliminação de barreiras para a inserção de trabalhadores com liberdade para circularem de um país a outro. Nesse sentido, foram adotadas as Decisões 545 (Instrumento Andino de Migração Trabalhista), 546 (Instrumento Andino de Seguridade Social) e 546 (Instrumento Andino de Segurança e Saúde no Trabalho), que constituem normas comunitárias muito avançadas em seu gênero24.

A ratificação de novas normas só fez acelerar processos de integração econômica que já existiam há mais de quarenta anos, e que agora começam a tomar novos impulsos, ditados pela nova ordem econômica mundial, como a constituição do Grupo do Rio, na década de 1980, quando Brasil, Argentina, Uruguai e Peru juntaram-se ao México, Venezuela, Colômbia e Panamá para respaldar esforços de paz na América Central. Dessa experiência surgiu o Mecanismo de Consulta e Concertação Política, originalmente integrado pelos oito países e, depois, ampliado com a inclusão de outros latino-americanos e caribenhos25.

Novas linhas de concertação política foram, sem dúvida, as tratativas empreendidas pelos presidentes José Sarney do Brasil e Raúl Alfonsín da Argentina, que colimaram na

24 TIZÓN, Allan Wagner. Comunidade Andina: integração para o desenvolvimento na globalização. DEP –

Diplomacia, Estratégia e Políticas, vol. 1, no. 2 (jan. 2005). Brasília: Projeto Raúl Prebisch, 2005, p. 162.

25 SANTOS, Eduardo dos. América do Sul, palestra apresentada na IV Conferência Nacional de Política Externa

e Política Internacional, 3 e 4 de dezembro de 2009, organizada pela Fundação Alexandre de Gusmão e seu Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (texto acadêmico), p. 3.

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assinatura do Tratado de Assunção em 1991, e redundou no nascimento do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).

Brasil e Argentina vivenciaram vários atritos, que, através do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) deu origem a uma relevante mudança de qualidade no seu relacionamento, a partir dos anos 1980. Esse novo relacionamento ganhou dimensão preponderante a partir da consolidação das instituições democráticas, da estabilização econômica e da sua crescente articulação com o sistema internacional, como pontuado por Santos26.

Nestes termos, para que o Mercosul fosse implementado, Brasil e Argentina tiveram que superar suas controvérsias, principalmente no que tange às represas hidrelétricas do alto Paraná (Itaipu e Corpus). Como marco temporal leva-se em conta o ano de 1979, quando os dois países decidiram executar um Programa de Integração e Cooperação Econômica, voltado para critérios de gradualismo, flexibilidade e equilíbrio. Diante deste cenário, a integração tornou-se prioritária para o Brasil, uma vez que necessitava adquirir trigo e petróleo da Argentina, o que serviu como iniciativa para um esforço de complementação econômica, com resultados efetivos.

Os antigos dilemas foram esvaindo-se, os obstáculos superados, e o Tratado de Integração, Amizade e Desenvolvimento, subscrito em 1988, evoluiu, com a participação do Uruguai e do Paraguai, colimando na assinatura do Tratado de Assunção, de 1991, que criou o Mercosul. A simultaneidade de interesses impôs a passagem de zona de livre comércio para união aduaneira, em 1994, a partir da assinatura do Protocolo de Ouro Preto, solidificando o bloco.

Economias combinadas, visando à reestruturação industrial dos países membros do Cone Sul, revelam uma interface atual, onde os meandros das negociações, nas quais a vontade política ou os dinamismos da sociedade depara-se com oportunidades e dificuldades, especialmente quando a Venezuela decidiu aderir ao Mercosul. Em 23 de maio de 2006 todas as negociações para adesão da Venezuela ao Mercosul foram concluídas, com a elaboração de um Protocolo de Adesão, em que foram definidos os compromissos, as etapas do processo de integração, os prazos para a adoção da Tarifa Externa Comum (TEC) do bloco pela Venezuela e para a liberalização do comércio entre a Venezuela e as demais partes do bloco, visando especialmente balizar os princípios da flexibilidade e do respeito às assimetrias existentes entre os países.

26 Idem, p. 3.

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A Venezuela comprometeu-se a adotar as normas vigentes do Mercosul de forma gradual, de acordo com o artigo 3º do Protocolo de Acessão, num período de 4 anos, com um cronograma pré-estabelecido, que incluía a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) e a TEC (art. 4º), cuja implementação seguiu o cronograma definido por um grupo de trabalho em até 210 dias após a assinatura do Protocolo (art. 11). A liberalização comercial também foi estipulada, incluindo-se produtos sensíveis da Argentina para Venezuela: 1/1/2014 - do Brasil para Venezuela: 1/1/2014; do Paraguai para Venezuela: 1/1/2014; do Uruguai para Venezuela: 1/1/2014; de Venezuela para Argentina: 1/1/2014; de Venezuela para Brasil: 1/1/2014.

As medidas acima elencadas reafirmam o compromisso das Partes em trabalhar de forma conjunta para a identificação e a aplicação das medidas destinadas a impulsionar a inclusão social e assegurar condições de vida digna para os seus povos, referendadas no artigo 12 do Protocolo27.

Integrar os países sul-americanos era o sonho de Simon Bolívar,

“Es uma idea grandiosa pretender formar de todo el MUNDO NUEVO una sola nación con un solo vínculo que ligue sus partes entre sí y con el todo”. (Simon Bolívar)

Integrar significa não só um processo de cooperação político-comercial, mas uma situação: com medidas destinadas à abolição de discriminações entre as unidades econômicas de diferentes Estados; como nos ensina Bela Balassa, e a situação de ausência de barreiras aduaneiras28.

Integrar os Estados para que possam cooperar entre si, associar-se através da supressão de restrições aos movimentos de mercadorias e fatores que harmonicamente, através de políticas econômicas e sociais, possam abolir as assimetrias regionais, unificando as políticas monetárias, fiscais, sociais e anticíclicas, com o estabelecimento de uma autoridade supranacional cujas decisões são obrigatórias para os Estados membros.

Sem tirar o mérito da adesão da Venezuela ao Mercosul, que se traduz por um conjunto de ações e decisões, visando à intensificação do relacionamento econômico

27 MRE. Nota à imprensa nº 327. Adesão da Venezuela ao Mercosul. 24/maio/2006. Disponível em: Secretaria

Geral da CAN. Nota à Imprensa. Secretaría General de la CAN recibió comunicación oficial de retiro de Venezuela, 22/abr/2006. Disponível em: www.ictsd.org/bridges-news pontes/news/venezuela/saída-da-comunidade-andina-e-entrada-no-Mercosul. Acesso em 09/02/2014, às 17:10.

28 BALASSA, Bela. Teoria da Integração Econômica. Lisboa: Livraria Classica Editora, 1961, p. 12.

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(comercial, financeiro, tecnológico etc.), é preciso registrar os fatos decorrentes das decisões políticas, que muitas vezes dividem, fragmentam as posições estatais.

A proposta causou um choque em alguns países-membros do bloco, em virtude das transições espelhadas durante o governo do presidente Hugo Chávez, que decidiu conduzir o país através de métodos que feriram as normas internacionais, desfazer alianças importantes e apresentar tratativas com países socialistas ou fundamentalistas islâmicos, como a China, o Irã e Cuba, com evidentes violações dos direitos humanos e manipulação de dados eleitorais e econômicos.

2.2 EMBATES IDEOLÓGICOS COM OS EUA

Como tipificar o regime de Hugo Chávez? Uma ortodoxia populista e manipulatória. Uma soma de doutrinas edificadas a partir de crenças assumidas definitivamente, através de dogmas concludentes de manipulação do povo. A ortodoxia crê com segurança absoluta em sua própria fé: só ela é verdadeira e não existe nenhuma outra. Essa exclusão omite tudo aquilo que permanece fora dos limites da ortodoxia. Na acepção de Fauquié,

Ortodoxia es convencionalismo y conservantismo. Dentro de ella siempre hay alguien que encarna la razón suprema: un jefe, una iglesia, una minoría, una mayoría, una tradición. La ortodoxia, invariablemente, termina por burocratizarse, por hacerse torpe y apoyar la torpeza de su supervivencia sobre ritos y estructuras inmodificables. [… La ortodoxia no acepta críticas: fomenta el silencio y el desprecio ante todo cuanto le es extraño29.

A ortodoxia sobrevive em razão da apatia dos cidadãos, da imobilidade do indivíduo, e na ritualização de usos, na repetição dos dogmas, infinitamente repetidos. Karl Deutsch já levantou estas indagações: “Que percepção tem os cidadãos quanto às suas próprias nações e de que forma consideram outras nações e seus atos? Em que condições eleitores se mostram conscientes e a respeito de que assuntos se mostram alienados?30” É nesse vácuo de dúvidas e apatia que os governantes, manipulando as massas, lançando ideologias e dúvidas; criticando

29 FAUQUIÉ, Rafael. Ortodoxia y Herejía de América. Universidad Simon Bolívar, Instituto de Altos Estudios

de America Latina, Caracas: Mundo Nuevo Revista de Estudios Latinoamericanos, Año XV – Nº 4 – Octubre-Diciembre 1992[58], p. 533.

30 DEUTSCH, Karl. Análise das Relações Internacionais. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982, 2ª

edição, p. 19.

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os países de democracia liberal, mobilizam os oprimidos e miseráveis. O modelo liberal norte-americano passou a ser alvo de críticas em face do bolivarianismo venezuelano.

Apesar dos últimos anos terem sido marcados por diversos embates envolvendo Washington e Caracas, a história recente desses dois países mostra que eles estão intimamente ligados, em uma relação de cooperação e interdependência, ainda que no plano político dos últimos 15 anos, não tenham chegado a um consenso.

Desde 1951 os Estados Unidos e Venezuela possuíam acordo militar, acordado em meio às tensões da Guerra Fria, com o interesse norte americano de garantir reservas de petróleo suficientes em caso de confronto entre as duas potências da época, EUA e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Durante 50 anos este acordo perdurou e foi a partir do seu rompimento, no ano de 2001, que as relações diplomáticas entre esses países estremeceram, sem, contudo, alterar substancialmente o quadro da balança comercial entre eles.

A partir desse ponto (rompimento do acordo militar) não houve mais concertação no plano político, entre ambos os países. Em 2002, após a tentativa fracassada de golpe31 contra o governo Chávez, a relação EUA e Venezuela definhou, sob a acusação do então presidente venezuelano de que os Estados Unidos teriam apoiado de forma direta o levante.

Paralelo a isso, nos últimos anos houve um aumento significativo dos investimentos venezuelanos em material bélico, importado principalmente da Rússia, China e Israel. Do ano de 2002 para o ano de 2007 a Venezuela saltou da 56ª posição para a 24ª em receptor mundial de material bélico32. Essa mudança se deu, em grande parte, ao plano estratégico adotado pelo governo venezuelano no ano de 2005 com vistas à defesa integral do país, fronteiras, crime organizado e narcotráfico, substituindo gradativamente os EUA pela Rússia em termos de cooperação e comércio na área militar. Somado a este fato, a política externa da Venezuela nunca viu com bons olhos o modelo de hegemonia proposto pelos Estados Unidos e a política da “guerra ao terror”33.

31 No ano de 2002, com o apoio político de militares opositores ao governo de Chávez e em meios às tensões

internas, o presidente da Federação de Câmaras do Comércio (Fedecâmaras), Pedro Carmona, foi instalado presidente de fato. Embora reconhecido imediatamente por Estados Unidos e Espanha, o golpe de Estado sofreu duras críticas da comunidade internacional, sendo dissolvido em menos de 48 horas após seu início. A história indica a participação norte americana no caso principalmente em razão do descontentamento de Washington com as novas políticas impetradas por Hugo Chávez, principalmente as relativas ao petróleo.

32 PAGLIARI, Graciela De Conti; FONTES, Peterson Wilson. Gastos Militares na América do Sul:

considerações acerca dos investimentos no período pós-Guerra Fria. Revista Atualidade Econômica, Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Socioeconômico, Departamento de Ciências Econômicas. Ano 21, n 56, Out/Dez 2010.

33 Guerra ao terror ou Guerra ao terrorismo foi uma expressão muito utilizada após os ataques de 11 de setembro

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Na segunda metade dos anos 2000, principalmente a partir de 2005, diversos outros tratados com a Rússia foram assinados, como a criação de um sistema integral de defesa antiaérea, acordado entre os presidentes Medvedev e Chávez, sob a justificativa, deste último, de defender os recursos naturais venezuelanos do “expansionismo” norte americano. Também foram enviados aviões militares russos para missões de reconhecimento e combate ao narcotráfico além de navios e submarinos de propulsão nuclear.

Em setembro de 2008, em decorrência dos conflitos existentes na Bolívia entre o governo Morales e seus opositores, o regime do então presidente Chávez se indispôs novamente com os Estados Unidos. Naquela ocasião, o embaixador norte-americano na Bolívia, Philip S. Goldberg, foi considerado culpado pelo governo Morales de amparar e incentivar a oposição em um movimento com características separatistas. Em apoio, o governo venezuelano também expulsou o embaixador americano Patrick Duddy e pediu o retorno imediato do embaixador venezuelano Bernardo Alvarez de Washington. Além da alegada generosidade para com o povo bolivariano, Chávez declarou, à época, que o embaixador e o governo norte-americano estariam envolvidos em um plano elaborado por determinado setor do exército venezuelano para tirar sua vida34.

A essa época, a instabilidade no plano político acabou por refletir no plano econômico, e a balança comercial entre Estados Unidos e Venezuela sofreu os desgastes causados pelos embates ideológicos, conforme explicitado no Gráfico I que se segue:

Como parte das operações militares da “Guerra ao Terror” estão as invasões de países como Afeganistão e Iraque.

34 OLIVEIRA, Renata de. (2013). Venezuela, Estados Unidos e Colômbia: Entre crises diplomáticas e uma forte

interdependência econômica. Revista Andina de Estudios Políticos. Vol. III, n 1, pp. 17-32.

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Gráfico I

Balança comercial entre EUA e VENEZUELA no período de 1995-2009

Fonte: Renata de Oliveira. Venezuela, Estados Unidos e Colômbia: Entre crises diplomáticas e uma forte interdependência econômica. Revista Andina de Estúdios Políticos (2013), Vol. III, nº 1, p. 30.

O Gráfico I mostra a oscilação da balança comercial entre Estados Unidos e Venezuela, causada dentre outros motivos: a) pelos embates ideológicos entre os governos a partir do ano de 2001 [nota-se que o declínio da balança comercial tem início no ano de 2001]; b) pela maior produção de petróleo por parte do EUA; c) pela busca incessante dos Estados Unidos em encontrar fontes renováveis de energia e outros parceiros comerciais para o petróleo, como o Oriente Médio.

Em outra via, mesmo em meio aos desentendimentos políticos, o crescimento econômico e as necessidades do complexo bélico fizeram com que o consumo de petróleo nos Estados Unidos só aumentasse ao longo dos últimos anos, ampliando consequentemente a dependência35 para com a Venezuela, principal fornecedor do petróleo bruto daquele país. O Gráfico II ilustra o destino das exportações venezuelanas no ano de 2013

35 Dados do Departamento de Energia do governo dos Estados Unidos publicou recentemente gráfico onde

mostra pela primeira vez que a produção de petróleo bruto em território norte americano superou a importação deste hidrocarboneto (2013). Todavia o consumo tem aumentado consideravelmente, o que ainda faz com que os EUA dependa do óleo não refinado importado da Venezuela. Gráfico Importação x Produção interna de petróleo bruto dos EUA disponível em < http://www.energy.gov/science-innovation/energy-sources/fossil>. Acesso em 15/11/2014.

(36)

Gráfico II

Direção das exportações venezuelanas em bilhões de dólares

Fonte: Venezuela – Comércio Exterior. Ministério das Relações Exteriores, Departamento de Promoção Comercial e Investimentos (DPR), Divisão de Inteligência Comercial (DIC), 201436.

O Gráfico II ratifica a interdependência entre esses dois países. No ano de 2013, a título de exemplo, segundo dados do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, as exportações venezuelanas destinadas aos Estados Unidos superaram a marca de 42% do total do comércio entre os dois países, quase em sua totalidade de petróleo na forma bruta.

Apesar da instabilidade no plano político, com reflexos no plano econômico, conclui-se que Venezuela e Estados Unidos são parceiros comerciais interdependentes. A frágil economia venezuelana necessita dos recursos provenientes do comércio petroleiro via EUA para manter a estrutura mínima de governabilidade, assim como a estrutura atual norte- americana necessita do petróleo originado da Venezuela. Ainda que não haja a concertação política entre os representantes chefes desses dois países, inegável é a importância da inter-relação comercial para o bom funcionamento de ambos os Estados.

36 MRE - Ministério das Relações Exteriores. Venezuela–Comércio Exterior, Departamento de Promoção

Comercial e Investimentos (DPR), Divisão de Inteligência Comercial (DIC), 2014. Acesso em 17/11/2014.

Disponível eletronicamente em:

http://www.brasilglobalnet.gov.br/ARQUIVOS/IndicadoresEconomicos/INDVenezuela.pdf

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A Venezuela ressalta, continuamente, o poder hegemônico dos Estados Unidos, e enfatiza seu imperialismo, para explicar sua dominação como potência, criticando-o por sua coerção, como uma liderança negativa, por imposição do poder e subordinação frente aos países menos desenvolvidos. Os termos “império” e “imperialismo” econômico, militar ou cultural37, são retomados pela mídia na Venezuela, que evita mencionar os acordos comerciais com aquele país e a necessidade de exportação do petróleo. A ênfase recai no imperialismo econômico norte-americano, num contexto de assimetria particular – a assimetria da dominação e dependência. Como nação desigual economicamente sem poderio bélico ou supremacia governamental na América do Sul, a Venezuela valeu-se de suas relações particulares com os países vizinhos, que perfilam a mesma ideologia, para adentrar um vácuo de poder frente à Bolívia e Peru. Hugo Chávez na busca da maximização de sua posição de poder individual manipula a mídia para assegurar sua segurança nacional. Seu comportamento reflete o paradigma realista do sistema internacional, e sua utopia de expansão de poder na região, escolhendo racionalmente alianças que contradiziam o modelo dos EUA. A crítica ao imperialismo de mercado norte-americano, a capacidade de controle da economia de toda a sociedade, a centralização do capital-dinheiro, a manipulação dos banqueiros e industriais internacionais, torna-se o cerne dos discursos do presidente Hugo Chávez.

As contradições revelam-se nas trocas comerciais, especialmente o petróleo, que é vendido aos Estados Unidos. A pergunta que se faz é “como podem resolver-se as contradições, sob o capitalismo, a não ser pela força?” 38. Como estabelecer uma aliança pacífica com a potência hegemônica a não ser através de uma mesma base de vínculos imperialistas? Como desabafos, agressões verbais, mas gerando um ciclo de formas de luta pacífica através do recebimento de dividendos norte-americanos.

O enfoque de um governo mundial dirigido pelos Estados Unidos39, como única resposta diante dos desafios impostos por uma explosão demográfica, por guerras generalizadas, e ao desenvolvimento científico, tecnológico, econômico e militar superior a todas as outras nações, transformou-se num argumento central de embate do governante populista Hugo Chávez.

37 GARCIA, Ana Saggioro. Hegemonia e Imperialismo: Caracterizações da Ordem Mundial Capitalista após a

Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Contexto Internacional, vol. 32, no. 1, janeiro/junho 2010, p. 156.

38Idem, p. 160. Ressalte-se a obra de Lênin, V. O imperialismo fase superior do capitalismo. 3ª edição, São

Paulo: Centauro, 2005, p. 97 (grifo no original).

39 RUSSEL, Bertrand. Has Man a Future? New York: Pinguin Books, 1967.

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Gráfico I
Gráfico II
Gráfico III
Gráfico IV – Projetos da Agenda de Implementação Consensual
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